PEC dos Agentes de Saúde: Análise do Retrocesso Proposto

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TÍTULO: PEC dos Agentes de Saúde: Análise do Retrocesso Proposto
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META DESCRIÇÃO: Samuel Pessôa analisa a PEC dos Agentes de Saúde (PEC 14/2021), alertando sobre possível retrocesso em gestão pública e previdência. Entenda os impactos.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Agentes de Saúde, que teve sua aprovação na Câmara dos Deputados, está sob intensa análise crítica devido aos seus potenciais desdobramentos no setor público e nas políticas previdenciárias do Brasil. O economista Samuel Pessôa, reconhecido pesquisador vinculado ao BTG Pactual e ao FGV IBRE, em sua avaliação, categoriza a PEC 14/2021 como um marcante retrocesso, contradizendo os princípios e avanços consolidados em reformas administrativas e previdenciárias anteriores.

Aprovada em 7 de outubro de 2025, a PEC 14/2021 concede uma série de benefícios específicos aos agentes de saúde e aos agentes de combate às endemias. Entre as principais modificações, está o direito à aposentadoria integral, uma prerrogativa que garante ao profissional um valor de benefício equivalente ao último salário na ativa. Adicionalmente, estabelece a paridade com os servidores em atividade, significando que o valor de suas aposentadorias será reajustado sempre que houver aumento nos salários dos colegas que ainda trabalham. Um dos pontos mais cruciais da proposta é a transformação do regime de contratação desses agentes para o de servidor público estatutário, conferindo-lhes estabilidade funcional e outras garantias inerentes a essa condição.

PEC dos Agentes de Saúde: Análise do Retrocesso Proposto

A visão de Pessôa ressalta que as diretrizes implementadas pela PEC 14/2021 se afastam drasticamente da linha de reformas que buscaram maior equilíbrio fiscal e alinhamento com modelos de gestão mais modernos. A essência do debate, segundo o economista, concentra-se em como estas alterações podem comprometer a viabilidade financeira do Estado a longo prazo, além de questionar a eficiência na prestação de serviços públicos cruciais. As consequências dessa mudança, em sua análise, vão além do impacto orçamentário imediato, estendendo-se à própria dinâmica do serviço prestado à população.

O pesquisador aponta a nova PEC como um recuo substancial frente à PEC 41, sancionada em 2003, no período do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele diploma legal representou um marco essencial na gestão pública brasileira ao abolir o princípio da paridade entre servidores ativos e inativos no serviço público federal. Essa medida foi arquitetada com o intuito de diminuir a pressão fiscal exercida pela previdência pública e de modernizar as estruturas administrativas, promovendo um sistema mais autônomo e financeiramente sólido. A desvinculação entre os reajustes de aposentadorias e os aumentos salariais dos servidores em atividade visava justamente construir uma previdência mais equitativa e sustentável para as futuras gerações de contribuintes.

Em linha com a preocupação fiscal, a aprovação da PEC 14/2021 também contrasta com os preceitos da Lei 12.618, que entrou em vigor em 30 de abril de 2012, no primeiro governo da então presidente Dilma Rousseff. Essa legislação foi pioneira na criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp). A intenção era equiparar o valor máximo do benefício previdenciário dos servidores da União ao teto da previdência do setor privado, aplicável aos trabalhadores celetistas. Esse movimento teve como propósito central harmonizar os sistemas previdenciários, além de estimular a poupança individual como complemento à aposentadoria, o que é de extrema importância em um país que historicamente enfrenta desafios de elevadas taxas de juros e carência de mecanismos de capitalização interna. A partir da Funpresp, para obter um benefício superior ao teto do Regime Geral, o servidor passou a ter a responsabilidade de contribuir voluntariamente para um fundo de previdência complementar ao longo de sua vida laboral.

Uma das alterações mais significativas da PEC 14/2021 é a transmutação da natureza do vínculo empregatício dos agentes de saúde e dos agentes de combate às endemias, que passam a ser servidores públicos estatutários. Este desenvolvimento representa o ápice de um processo de institucionalização que se iniciou com a atuação desses profissionais de forma voluntária, progredindo para vínculos contratuais, e culminando agora com a estabilidade funcional e o acesso à aposentadoria integral com paridade. Apesar de reconhecer que tal transformação representa um avanço inegável para as reivindicações e anseios da categoria dos agentes, garantindo-lhes segurança e uma série de direitos trabalhistas, Samuel Pessôa põe em xeque se essa medida se traduzirá em um benefício real para a população usuária desses serviços públicos essenciais. A inquietude central reside na possibilidade de que o excesso de estabilidade possa, paradoxalmente, diminuir a flexibilidade e a proximidade que são elementos fundamentais para a eficácia desses programas.

A excelência dos serviços desempenhados pelos agentes de saúde e de combate às endemias está intimamente atrelada à sua capacidade de estabelecer e manter uma ligação próxima e de interação direta com as comunidades que servem. É vital que o profissional resida ou possua fortes vínculos com a localidade atendida, o que facilita a construção de confiança e abre portas para o acesso facilitado a lares e famílias. Esta característica de proximidade comunitária é a grande força motriz e o fundamento primordial do programa, vital para o sucesso do Sistema Único de Saúde (SUS) no território. Burocratizar as relações de trabalho e criar um distanciamento entre o agente e a realidade cotidiana das comunidades corre o risco de comprometer não apenas a qualidade, mas também a capacidade de alcance da atenção primária à saúde, que é indispensável para a rede pública de saúde. O alerta do economista vai de encontro ao entendimento de que programas eficazes dependem, muitas vezes, de adaptabilidade e de uma gestão sensível às especificidades locais.

PEC dos Agentes de Saúde: Análise do Retrocesso Proposto - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

A experiência descrita pelo antropólogo Juliano Spyer no quinto capítulo de seu livro “Mídias Sociais no Brasil Emergente”, editado pela Armazém Cultural, é elucidativa a respeito das consequências do distanciamento. Em sua pesquisa etnográfica, que incluiu uma vivência de 18 meses em um bairro periférico de Salvador, Spyer detalha os desafios enfrentados pelas escolas públicas naquelas localidades. Ele nota que um dos problemas centrais está na desconexão entre muitos professores e a comunidade local. No texto, na página 198, ele descreve: “Uma das questões básicas com as escolas locais tem a ver com muitos professores serem estranhos ao povoado. As escolas preferem contratar pessoas da região, mas não há muitos professores qualificados vivendo nas redondezas para ocuparem a vaga, então a maior parte do quadro de professores vem da cidade diariamente, e isso cria novas ansiedades. Alguns pais e parentes reclamam da frequência com que professores faltam ao trabalho, o que acontece por uma série de razões, incluindo falta de motivação e problemas de transporte. Essa situação recorrente significa que os alunos estão constantemente sem supervisão durante as aulas”. A precarização do vínculo e o alheamento institucional à vivência local culminam em um ciclo de desmotivação e de deficiência na prestação do serviço. Tal cenário contribui, segundo o antropólogo, para uma desconfiança por parte de alunos e pais com a instituição escolar, afetando negativamente o desempenho educacional.

Transpondo o caso da educação para o setor da saúde, a perspectiva de Samuel Pessôa sobre a PEC dos Agentes de Saúde se torna ainda mais relevante. A premissa é que a burocratização e o possível aumento da distância entre os agentes de saúde e as comunidades, decorrentes da transição para o regime estatutário, podem gerar um efeito similar de “estranhamento”. Esse afastamento pode não contribuir, ou até mesmo prejudicar, a elevação da qualidade dos serviços públicos. A flexibilidade operacional, a conexão com o cotidiano local e o senso de pertencimento comunitário são atributos essenciais para a eficácia dos agentes, atributos esses que poderiam ser mitigados com a rigidez do novo regime de contratação. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 14/2021 está em fase de tramitação, e as análises sobre seus impactos continuam a fomentar discussões importantes sobre o futuro da gestão pública e do serviço de saúde no Brasil.

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Portanto, a aprovação da PEC 14/2021, que visa alterar substancialmente o regime de contratação e as condições previdenciárias de agentes de saúde e de combate às endemias, tem provocado um amplo e complexo debate. As análises críticas, lideradas por Samuel Pessôa, apontam para um considerável potencial de retrocesso em termos de reformas previdenciárias e de equilíbrio fiscal, especialmente com a reintrodução de benefícios como a aposentadoria integral e a paridade, somada à efetivação desses profissionais como estatutários. Os críticos alertam enfaticamente para o risco de distanciamento entre os agentes e as comunidades que são seu foco de atuação, uma dinâmica que pode comprometer a eficácia e a proximidade que tanto se valorizam e se necessitam nesse modelo vital de serviço público. Para aprofundar sua compreensão sobre outras questões legislativas, reformas administrativas e seus extensos impactos sociais e econômicos, convidamos você a continuar explorando nossa seção de Análises sobre Política em nosso portal.

Crédito da Imagem: Pedro Ladeira – 1º.out.25/Folhapress

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