Em um cenário de crescente tensão geopolítica, a Venezuela treina civis militarmente, promovendo jornadas de instrução nas ruas para preparar a população contra uma eventual agressão dos Estados Unidos. A iniciativa ocorreu no sábado (20), no mesmo dia em que o presidente norte-americano, Donald Trump, advertiu Caracas sobre “consequências incalculáveis” caso o país sul-americano não aceite o retorno de imigrantes deportados.
A mobilização militar venezuelana surge em resposta à presença, há quase um mês, de oito navios de guerra dos EUA na região do Caribe. O governo estadunidense justifica essa ação como parte de uma operação para combater o narcotráfico, alegando ter destruído, nesse período, pelo menos três embarcações de supostos traficantes em águas próximas à Venezuela, resultando na morte de 14 indivíduos.
Venezuela treina civis militarmente por tensão com EUA
As autoridades venezuelanas, por sua vez, denunciam abertamente um plano articulado por Washington para orquestrar uma “mudança de regime” no país, visando apoderar-se do vasto petróleo e de outras riquezas naturais da nação sul-americana. Esta percepção alimenta a necessidade de uma defesa robusta, tanto militar quanto civil.
O treinamento voluntário atraiu cidadãos como Luzbi Monterola, uma moradora de 38 anos da comuna Argelia Laya, localizada no bairro populoso de Petare, em Caracas. “Vim aprender para poder defender o que realmente me importa, que é minha pátria, minha terra, minha nação, Venezuela. Não tenho medo de nada nem de ninguém”, afirmou Monterola, expressando seu compromisso com a soberania nacional em declaração à Agence France-Presse.
No decorrer das atividades, o Exército venezuelano estabeleceu bases na principal avenida de Petare – um bairro que, no ano anterior, havia sido palco de protestos contra a reeleição de Nicolás Maduro – para ministrar instruções sobre o manuseio de armamentos. Cidadãos que se inscreveram de forma voluntária colaboraram com os militares para aprender técnicas de defesa.
A convocação para este fim de semana foi um desdobramento da iniciativa presidencial. Na semana anterior, milhares de voluntários haviam sido chamados aos quartéis para receber formação. Desta vez, Maduro instruiu os militares a irem aos bairros, tornando o treinamento mais acessível. No entanto, a adesão nos bairros mostrou-se inferior às expectativas iniciais, com cerca de 25 blindados circulando por Caracas e se reunindo com pequenos grupos de civis para os exercícios.
Os workshops oferecidos aos voluntários, geralmente em grupos de cerca de trinta pessoas, abrangeram diversas áreas essenciais para a defesa. O currículo incluía não apenas o manejo de armas, mas também os fundamentos do que foi denominado “Método Tático de Resistência Revolucionária (MTRR)”. Este método detalha informações sobre “camuflagem”, “sobrevivência” (incluindo defesa pessoal e primeiros socorros) e “pensamento ideológico”, fortalecendo o componente político da formação.
John Noriega, de 16 anos e porta-voz da juventude de seu bairro, participou do treinamento ao lado de seus pais e expressou a convicção comum entre os participantes. “Tudo isso tem a ver com petróleo, ouro, diamante, todo tipo de coisa (…) porque como não queremos dar, então eles querem tomar à força e isso não vai ser possível porque estamos unidos e vamos lutar pelo que é nosso”, enfatizou o jovem, conectando a defesa militar à proteção dos recursos naturais venezuelanos.
As atividades de treinamento não se restringiram à capital, Caracas. Foram realizadas em diversas regiões do país, incluindo cidades no oeste, como San Cristóbal e Barinas. Nesses locais, contudo, a adesão civil também foi relatada como baixa por correspondentes da AFP que cobriram os eventos. Simultaneamente, imagens transmitidas pela televisão pública mostraram embarcações de pescadores e da Marinha em patrulhamento com lanchas rápidas pela costa venezuelana, indicando uma vigilância marítima ativa.

Imagem: noticias.uol.com.br
O Ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, elogiou o empenho e a participação, descrevendo a mobilização como um marco. “Este dia de hoje é um marco que estamos escrevendo na revolução militar que estamos construindo todos, povo e Forças Armadas juntos. É uma verdadeira revolução militar!”, declarou o ministro, destacando a união entre civis e militares na construção de uma defesa nacional.
Em uma escalada paralela de retórica, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez fortes advertências à Venezuela. Por meio de sua conta na plataforma Truth Social no sábado, Trump exigiu que a Venezuela “aceite imediatamente todos os presos e as pessoas de instituições mentais (…) obrigados a entrar nos Estados Unidos da América”. A ameaça foi veemente: caso contrário, “o preço que pagarão será incalculável”, alertou ele, grafando a frase em letras maiúsculas para ressaltar a seriedade.
A Venezuela e os Estados Unidos romperam formalmente suas relações diplomáticas em 2019. Contudo, a repatriação de imigrantes representa um dos raros canais de comunicação que se mantêm abertos entre os dois países, conforme indicado por uma fonte diplomática à AFP. Em um desenvolvimento recente, na sexta-feira, um avião americano conduziu 185 imigrantes de volta a Caracas. De acordo com o governo venezuelano, o número total de repatriados dos Estados Unidos e do México já superou 13 mil desde os acordos firmados em janeiro.
O contexto de tensões é agravado pelas acusações de Washington contra o presidente Maduro, alegando seus vínculos com o narcotráfico e oferecendo uma recompensa de 50 milhões de dólares (equivalente a R$ 270 milhões) por sua captura. Caracas nega categoricamente essas imputações, e em resposta a essas ameaças, ordenou o deslocamento de forças militares para as fronteiras e a realização de exercícios na ilha La Orchila, localizada a aproximadamente 65 km da costa continental venezuelana.
Adicionando um novo elemento à já complexa situação, o canal oficial do presidente Nicolás Maduro no YouTube desapareceu da plataforma. A Agence France-Presse confirmou a remoção, embora o governo venezuelano não tenha emitido um pronunciamento oficial sobre o ocorrido. O veículo estatal Telesur reportou que o canal foi “fechado” na tarde de sexta-feira “sem nenhuma justificativa (…) em pleno desdobramento das operações de guerra híbrida dos Estados Unidos”, indicando que o governo vê a remoção como parte das ações de guerra psicológica. Para mais informações sobre as relações tensas entre Estados Unidos e Venezuela, você pode consultar o relatório do Council on Foreign Relations sobre a crise política na Venezuela.
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Este panorama complexo demonstra a persistência de um ambiente de alerta e mobilização na Venezuela diante de pressões externas e tensões diplomáticas com os Estados Unidos. As ações de treinamento civil refletem a estratégia do governo venezuelano em preparar a nação para possíveis adversidades, enquanto a comunicação bilateral, ainda que limitada, continua ativa em pautas como a repatriação de imigrantes. Para acompanhar os desdobramentos sobre a política e relações internacionais, continue navegando em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: ba-pgf/mel/am Agence France-Presse
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