A discussão em torno dos gastos de defesa na Otan ganhou novamente os holofotes, impulsionada pelas exigências de Donald Trump para que as nações europeias aumentem significativamente suas contribuições. Em um cenário geopolítico tenso, marcado por incursões de drones que alguns especialistas consideram uma campanha “híbrida” russa contra o Ocidente, a robustez e a unidade da aliança transatlântica estão sob escrutínio. Os Estados Unidos, possuindo as forças armadas mais bem financiadas do globo, buscam redistribuir o ônus financeiro da segurança coletiva entre os 32 membros do pacto.
Desde o início de seu primeiro mandato em 2017, o presidente estadunidense tem exercido pressão considerável sobre os países parceiros da Otan. Contudo, a afirmação de Trump de que os EUA estariam “pagando por quase 100%” da aliança é desmentida pelos fatos. Embora o orçamento militar dos Estados Unidos seja de fato o maior entre todos os membros, nações nórdicas e do leste europeu, em particular aquelas que fazem fronteira com a Rússia, já demonstram uma contribuição relativa ao seu tamanho que iguala ou até supera a dos EUA.
Trump Pressiona por Mais Gastos de Defesa na Otan: Entenda o Financiamento
A Otan, acrônimo para Organização do Tratado do Atlântico Norte, foi estabelecida em 1949 como uma aliança político-militar primordialmente dedicada à defesa coletiva contra a antiga União Soviética. Inicialmente composta por 12 países, a organização expandiu-se e, em 2024, conta com 32 membros, incluindo a Finlândia, que aderiu em 2023, e a Suécia, que se juntou no ano seguinte, ambas as entradas diretamente ligadas à invasão da Ucrânia pela Rússia. Este conflito em curso serviu como um severo lembrete para a Otan, ao mesmo tempo em que amplificou as demandas de Trump por maior comprometimento financeiro dos aliados. Durante sua campanha de reeleição em 2024, o líder político foi enfático, declarando: “Se você não pagar suas contas, não terá proteção. É muito simples”, e chegou a afirmar que, para os países inadimplentes, “incentivaria [a Rússia] a fazer o que bem entendessem.”
As exigências levaram os membros da Otan a agir. Muitos anunciaram o aumento de seus dispêndios militares ou comprometeram-se a fazê-lo em breve. Em uma cúpula recente realizada em junho, foi delineado o objetivo de destinar 3,5% de sua produção econômica anual para gastos com defesa até 2035, sendo que até 1,5% dessa porcentagem pode ser alocado para “infraestrutura crítica” — projetos como estradas, ferrovias e pontes que, embora úteis à defesa, são vistos por críticos como investimentos desnecessários dentro do contexto militar imediato. Atualmente, nenhum dos membros, nem mesmo os Estados Unidos, atingiu essa nova meta.
Como Funciona o Financiamento e Quem Paga O Quê na Otan?
É fundamental compreender que a Otan opera com orçamentos distintos. Existem fundos para as operações civis, um orçamento militar específico para os comandos conjuntos e um programa de investimento em segurança. Para o ano atual, o total combinado desses orçamentos atinge cerca de 4,6 bilhões de euros (equivalente a aproximadamente R$ 28,7 bilhões). No passado, os EUA contribuíam com cerca de 22% desse orçamento, mas uma negociação em 2019, durante o governo Trump, resultou em um corte nas contribuições americanas. Atualmente, os Estados Unidos e a Alemanha compartilham a maior parte do encargo direto, com aproximadamente 16% cada.
Contudo, quando Trump fala em “PAGAR”, ele se refere a um montante muito maior e mais representativo: os US$ 1,59 trilhão (cerca de R$ 8,57 trilhões) que os países da Otan, coletivamente, planejam gastar em defesa em 2025 com seus próprios orçamentos nacionais. Dentro de uma aliança pautada pela defesa coletiva, na qual um ataque a um membro é interpretado como um ataque a todos, a existência de qualquer “elo fraco” em termos de investimento aumenta o peso sobre os demais.
O orçamento de defesa dos EUA, conforme dados da própria Otan, alcança a cifra de US$ 980 bilhões (equivalente a aproximadamente R$ 5,2 trilhões), um valor que supera todos os outros individualmente e, de fato, representa mais de 60% de todas as despesas conjuntas da aliança em 2025. Entretanto, quando a análise muda para o gasto per capita, os Estados Unidos perdem a posição de destaque, sendo superados pela Noruega, que lidera essa categoria. Similarmente, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), os gastos americanos tornam-se menos discrepantes em relação aos dos parceiros. Andrew MacDonald, analista de gastos militares da Janes, a revista especializada em inteligência de defesa, é incisivo em sua análise: “Os EUA ainda gastam mais do que os oito maiores orçamentos de defesa do mundo, incluindo China e Rússia. Também gastam significativamente mais do que todos os outros estados-membros da Otan juntos.”
Colocando os Gastos em Perspectiva e a Resposta Europeia
Apesar da retórica de Trump, a complexidade dos orçamentos de defesa da Otan exige uma análise mais aprofundada. Os EUA, como potência global, alocam aproximadamente 3,5% de seu PIB em suas forças armadas. Contudo, apenas uma parcela desse gasto total é direcionada especificamente aos compromissos da Otan, visto que uma vasta fatia se destina a destacamentos militares por todo o mundo, do Oriente Médio ao Mar da China Meridional. Comparar o orçamento de defesa de Washington com o de países como a Finlândia ou a Polônia, cujos gastos são primariamente focados na defesa contra a Rússia em suas fronteiras, não estabelece um parâmetro equivalente.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O debate sobre a “divisão de responsabilidades” entre os EUA e a Europa na Otan é um tema antigo, remontando a décadas. Em 2011, o então secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, já alertava para um “futuro sombrio para a aliança transatlântica” caso a Europa não aumentasse suas contribuições, levantando a preocupação de que “futuros líderes políticos dos EUA, aqueles para quem a Guerra Fria não foi a experiência formativa que foi para mim, podem não considerar que o retorno do investimento americano na Otan valha o custo.”
A invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia serviu como um catalisador decisivo. O conflito forçou as nações europeias a reavaliar e reestruturar suas indústrias de defesa, buscando mais recursos para fortalecer seus exércitos. Enquanto em 2014, quando a Rússia iniciou a primeira fase de sua guerra contra a Ucrânia, apenas três países (incluindo os EUA) destinavam mais de 2% do PIB para suas forças armadas, as expectativas são de que este ano todos os membros atinjam ou ultrapassem essa marca. A gravidade da ameaça russa é tangível para os estados da linha de frente, como a Lituânia, que tem investido na construção de barricadas antitanque de concreto, conhecidas como “dentes de dragão”, ao longo de suas fronteiras. Esta é uma medida clara que reforça a percepção de uma ameaça existencial iminente.
Os dados reforçam o engajamento europeu. Fenella McGerty, pesquisadora sênior de economia da defesa no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), projeta um crescimento significativo nos gastos europeus com defesa em 2025. Em termos reais, este aumento está estimado em quase 13% para este ano, o que se equipara ao crescimento recorde observado em 2024. Vários países, notadamente a Polônia, já dedicam uma fatia maior de seu PIB à defesa do que os próprios EUA, considerando seus respectivos tamanhos econômicos. Nações como Alemanha e Suécia flexibilizaram seus limites de dívida pública este ano para poder impulsionar o investimento em defesa. O então chanceler alemão, Olaf Scholz, descreveu este momento como uma “Zeitenwende”, um ponto de virada histórico. Informações mais detalhadas sobre as metas de gastos de defesa da Otan podem ser consultadas no site oficial da organização.
Nesse cenário de rearmamento, a Espanha emerge como o único membro da Otan a recusar-se a aderir à nova meta de gastos, mesmo diante de ameaças de Trump de sanções comerciais e até mesmo exclusão da aliança. Contudo, França e Reino Unido também enfrentarão desafios para atingir o objetivo de 3,5% até 2035, dadas suas atuais dificuldades fiscais, como apontado por MacDonald. Segundo o analista da Janes, “Não acredito que a França e o Reino Unido atingirão os 3,5% tão cedo”, sugerindo que o caminho para o fortalecimento da defesa europeia ainda é longo e repleto de obstáculos.
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A questão dos gastos de defesa na Otan permanece central no debate sobre a segurança transatlântica, com a pressão de Donald Trump e o contexto da guerra na Ucrânia remodelando as estratégias dos países membros. O equilíbrio entre responsabilidades e o futuro da aliança continuarão a ser temas cruciais. Acompanhe mais análises aprofundadas sobre política internacional em nossa editoria de Política Internacional.
Crédito da imagem: John Thys – 13.set.25/AFP; Alina Smutko – 10.mai.25/Reuters


