A tensão entre Donald Trump e o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos escala à medida que o ex-presidente demonstra uma intenção clara de influenciar e até mesmo controlar o banco central americano. Desde críticas veementes a seu atual presidente, Jerome Powell, até esforços para substituir membros do conselho, as ações de Trump levantam preocupações significativas sobre a autonomia do Fed e suas potenciais repercussões econômicas globais.
Os confrontos não são recentes. Trump, conhecido por suas declarações polêmicas, já se referiu a Jerome Powell, líder do Federal Reserve, com adjetivos como “estúpido”, “imbecil” e “idiota”, chegando a solicitar sua renúncia. Paralelamente, ele tem feito movimentos para tentar a remoção de membros-chave, como Lisa Cook, integrante do conselho de governadores da instituição. Essas investidas são vistas por analistas e críticos como um esforço coordenado para minar a autonomia do Fed, visando submetê-lo ao seu controle político.
Trump e o Federal Reserve: Disputa Pela Independência do BC
A relevância da independência do Federal Reserve transcende as fronteiras americanas. O banco central dos EUA possui um duplo mandato estabelecido pelo Congresso, com a responsabilidade primordial de promover o “máximo emprego e a estabilidade de preços” através da condução da política monetária e da supervisão do sistema bancário. Essas decisões são tomadas majoritariamente pelo FOMC (Comitê Federal de Mercado Aberto), um colegiado composto por 12 membros. Considerando o tamanho da economia americana e a proeminência do dólar como principal moeda de reserva global, qualquer enfraquecimento da independência do Fed poderia desencadear efeitos sistêmicos em mercados ao redor do mundo. Para uma compreensão aprofundada da estrutura e do papel dos bancos centrais, o Federal Reserve disponibiliza informações detalhadas em seu site oficial.
A Nomeação de Powell e o Atrito Posterior
Contrariando a narrativa de oposição atual, foi Donald Trump quem indicou Jerome Powell para o cargo de presidente do Fed em 2017, durante seu primeiro mandato presidencial. Embora Barack Obama o tenha nomeado inicialmente como integrante do conselho da instituição, a ascensão de Powell à presidência ocorreu sob Trump. Contudo, o relacionamento entre ambos começou a deteriorar-se logo após Powell assumir a cadeira em fevereiro de 2018. Com seu segundo mandato iniciado este ano, Trump reafirmou seu desejo de substituir Powell, cujo período à frente da presidência se encerra em maio. Atualmente, a maioria do conselho de governadores do Fed, incluindo Powell, ainda preserva um certo grau de independência. No entanto, as tentativas de Trump para exercer influência têm se intensificado.
Quem Comanda o Fed?
A estrutura de comando do Federal Reserve é composta por um conselho de sete diretores, conhecidos como “governors”. Estes membros são nomeados pelo presidente da República para mandatos extensos de 14 anos, embora a conclusão total desses períodos seja rara. Os mandatos são escalonados, com encerramentos previstos a cada dois anos, uma medida estratégica para dificultar que um único governo consiga substituir toda a composição do colegiado de uma só vez. Além do conselho central, os Estados Unidos contam com 12 bancos regionais do Fed, cada um com seu próprio presidente, que é indicado pelo respectivo conselho local e deve ter sua escolha aprovada pelo conselho de diretores principal.
A Possibilidade de Mudança no Conselho
No cenário atual, os aliados políticos de Donald Trump ainda não detêm a maioria no conselho do Fed. No entanto, essa configuração pode ser alterada até maio, com o término do mandato de Jerome Powell, ou até mesmo antes. Entre os sete diretores, três – Michelle Bowman, Christopher Waller e Stephen Miran – foram indicados por Trump. Apesar de Powell ter sido uma escolha de Trump, o ex-presidente já manifestou seu desejo de vê-lo afastado do cargo. Miran, por sua vez, assumiu sua posição em setembro, preenchendo a vaga deixada pela inesperada renúncia de Adriana Kugler, nomeada pelo governo de Joe Biden. Em outra frente, Trump tem se empenhado em tentar remover Lisa Cook, alvo de acusações de fraude hipotecária por um aliado do ex-presidente, uma alegação que ela veementemente nega. A Suprema Corte dos EUA, no entanto, rejeitou em recente deliberação o pedido de Trump para demiti-la antes de aprofundar a análise dos argumentos do caso.
Influência nas Taxas de Juros e o FOMC
Mesmo que Donald Trump conseguisse consolidar uma maioria no conselho de diretores do Federal Reserve, ele não teria a prerrogativa de definir as taxas de juros de forma unilateral. A decisão final sobre a política de juros recai sobre o FOMC, que é composto por 12 membros com direito a voto: os sete diretores do Fed, o presidente do Fed de Nova York e quatro presidentes selecionados em um sistema de rodízio entre os 11 bancos regionais restantes. Contudo, um detalhe institucional de grande importância merece atenção: todos os mandatos dos presidentes dos bancos regionais expiram de forma simultânea a cada cinco anos, sendo o próximo vencimento em 28 de fevereiro de 2026. Essa conjuntura é crítica, pois o conselho do Fed possui a capacidade de vetar os presidentes regionais. Adam Posen, do Peterson Institute for International Economics, argumenta que, se Trump obtiver uma maioria de quatro votos no conselho antes da data-limite de fevereiro de 2026, ele poderia efetivamente e com rapidez assumir o controle do próprio FOMC. Lev Menand, professor de direito na Universidade Columbia, observa que, tradicionalmente, os presidentes dos bancos regionais agem como vozes independentes nas reuniões do FOMC, mas um conselho dominado por indicados de Trump poderia pressioná-los para alinhar suas decisões aos seus interesses.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Potenciais Impactos de um Fed Controlado por Trump
Em um claro indicativo de sua postura, Donald Trump chegou a afirmar em julho, criticando Powell, que os juros “deviam estar em 1%”. Economistas de todo o mundo alertam que cortes drásticos e politicamente motivados nas taxas de juros, como os defendidos por Trump, poderiam desestabilizar severamente os mercados de títulos, levando investidores a exigirem rendimentos muito mais elevados. Esse receio reflete a apreensão de um aumento desenfreado da inflação. Uma prévia dessa divergência de opiniões foi observada na última reunião do FOMC, quando o comitê reduziu a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, fixando-a no intervalo de 4% a 4,25%. Miran, o mais recente indicado de Trump, foi o único a votar por um corte ainda maior, de 0,5 ponto. Além das decisões sobre juros, a Casa Branca poderia, teoricamente, tentar alterar a Lei do Federal Reserve, caso conseguisse manter uma maioria sólida no Congresso.
Outras Direções Sob o Controle de Trump
Especialistas avaliam que, sob o controle de Donald Trump, o banco central americano poderia adotar uma série de outras medidas. Isso inclui um afrouxamento significativo nas regras bancárias e a promoção de criptomoedas. Em março, por exemplo, o ex-presidente assinou uma ordem executiva estabelecendo uma “Reserva Estratégica de Bitcoin e Estoque de Ativos Digitais dos EUA”. Posen sintetiza o principal risco: “Preocupa-me mais a perda da independência do Fed e o impacto disso na estabilidade financeira do que a inflação em si”, destacando que a autonomia institucional é um pilar crucial para a saúde econômica a longo prazo.
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A insistência de Donald Trump em tentar exercer controle sobre o Federal Reserve lança uma sombra de incerteza sobre a estabilidade financeira global e o futuro da política monetária americana. A batalha pela independência do banco central destaca a complexidade das relações entre política e economia, e a necessidade de se manter informado sobre as implicações desses movimentos. Continue acompanhando nossa editoria de Economia para mais análises e atualizações sobre este tema crucial para o cenário mundial.
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