A Tropa de Choque retira indígenas em fazenda de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, em uma ação que movimentou as autoridades locais. Nesta segunda-feira, dia 22, membros das comunidades Guarani e Kaiowá foram removidos da Fazenda Ipuitã por equipes especializadas do Batalhão de Choque da Polícia Militar. A ação ocorreu um dia após a comunidade da Terra Indígena Guyraroka (TI Guyraroka) ter ocupado uma porção da propriedade privada com o intuito de interromper a aplicação de agrotóxicos no local.
Os relatos sobre o confronto são divergentes entre os grupos envolvidos. Enquanto lideranças indígenas denunciaram o emprego de força física, incluindo o uso de cacetetes e balas de borracha, a Polícia Militar apresentou uma versão que destaca a mediação pacífica e a ausência de coação. Segundo a corporação, não houve incidentes de confronto nem detenções durante a operação de desocupação.
Tropa de Choque Retira Indígenas em Fazenda de Caarapó
A tensão na região tem sido crescente. Segundo declarações de um indígena ao g1, o objetivo dos policiais parecia ser o de eliminar os presentes, dada a intensidade e agressividade da abordagem. “Acho que a intenção deles era matar todos que estavam ali, porque o ódio e a raiva era muito”, afirmou a fonte, que optou por não ter seu nome divulgado. O indígena questionou a necessidade de enviar dois caminhões com a Tropa de Choque para uma situação em que, segundo ele, havia apenas um casal de caseiros na propriedade.
Ocupação e a Questão dos Agrotóxicos
A ocupação da Fazenda Ipuitã, conforme explicitado pelos indígenas, foi motivada pela intensa e contínua aplicação de agrotóxicos na área. A comunidade já havia solicitado em diversas ocasiões a interrupção da pulverização, sem sucesso. A exposição a esses produtos químicos está comprometendo a capacidade de subsistência das famílias indígenas, que afirmam não conseguir mais produzir alimentos na região. “O agrotóxico, ele é tão tenso que a gente não consegue mais produzir. A gente planta, eles matam tudo […] Agora a gente não consegue mais produzir nada sequer”, lamentou um membro da comunidade.
Resposta e Acompanhamento Oficial
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou, por meio de nota, que está monitorando de perto o caso. A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) e representantes da Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de Dourados estão presentes no local. A Funai, em colaboração com o MPI, já havia mediado a situação no domingo (21), o que resultou no retorno dos indígenas para a aldeia na tarde da segunda-feira (22). Foi estabelecido um prazo para que medidas de mitigação fossem apresentadas em relação aos problemas gerados pelos agrotóxicos.
A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul (PMMS), por sua vez, explicou que o envio de forças especializadas – incluindo o Batalhão de Choque, Batalhão Rural, Batalhão Rodoviário e equipes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) – ocorreu após receber informações preliminares de que o caseiro da fazenda e sua esposa poderiam estar sendo feitos reféns. A corporação reiterou seu compromisso com a segurança, o diálogo e o respeito aos povos originários e aos direitos humanos, destacando que o caseiro foi encaminhado à Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Fronteira (Defron), em Dourados, para as providências cabíveis.
Histórico da Terra Indígena Guyraroka e o Marco Temporal
É crucial destacar o complexo histórico envolvendo a TI Guyraroka. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu, em 29 de setembro de 2019, a Medida Cautelar nº 458-19, com o objetivo de garantir os direitos à vida e à integridade pessoal dos indígenas. Essa medida reconhece a vulnerabilidade, as ameaças e os atos de violência vivenciados historicamente pela comunidade Guarani e Kaiowá.

Imagem: g1.globo.com
Em 2009, uma portaria do Ministério da Justiça, de número 3.219, declarou a TI Guyraroka como de posse permanente dos Guarani e Kaiowá, abrangendo uma área de 11.401 hectares. Contudo, em 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou esse procedimento administrativo de demarcação. A decisão aplicou a controversa tese do marco temporal, sem que a comunidade indígena fosse sequer ouvida no processo. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) atesta a presença dos indígenas desde a década de 1920, demonstrando que o território é de ocupação tradicional anterior à década de 1940, quando o governo começou a titular e vender essas terras para particulares. Desde o início dos anos 2000, essas famílias lutam pela recuperação de seu território ancestral.
Atualmente, apenas 50 hectares estão de fato ocupados pelas famílias indígenas, que continuam enfrentando uma série de problemas de saúde e impactos ambientais severos causados pela pulverização de agrotóxicos nas plantações adjacentes. O MPI alerta que a instabilidade gerada por dispositivos legais como a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/23) e outras propostas, como a PEC 48, não apenas provocam incerteza jurídica sobre as definições territoriais indígenas, mas também criam um ambiente propício para atos de violência, cujas principais vítimas são os povos originários. Para aprofundar seu conhecimento sobre as ações e jurisprudências relacionadas a direitos humanos e povos originários, visite o site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
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Este recente episódio de conflito na Fazenda Ipuitã, em Caarapó, reitera a complexidade e a urgência da questão indígena no Brasil, evidenciando as lutas contínuas por território, saúde e o fim de práticas ambientalmente danosas. Para se manter atualizado sobre a política nacional e outros acontecimentos que afetam as comunidades e os direitos dos povos originários, continue acompanhando as notícias em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: TI Guyraroka
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