As quintas-feiras têm se solidificado como o período de maior congestionamento no trânsito de São Paulo, uma mudança significativa que impacta a rotina de milhares de motoristas na capital paulista. Esta alteração, gradualmente observada nos últimos anos, reflete uma nova dinâmica de mobilidade urbana na metrópole, onde dados recentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) confirmam a tendência, apontando para um cenário de lentidão mais acentuada neste dia da semana em comparação com os demais dias úteis.
Para Monique Rodrigues de Pontes Vilhena, uma profissional da área financeira de 38 anos, residente do Grajaú, na região do extremo sul da cidade, e com emprego no Campo Belo, o cenário de lentidão nas quintas-feiras já virou uma constante. Mesmo com flexibilidade de horário, ela precisa ajustar seus horários de saída para tentar evitar os picos de trânsito, ainda assim, o trajeto de 14 quilômetros de carro pode consumir entre uma hora e trinta minutos e duas horas de seu dia. “Como tenho flexibilidade de horário, atraso a saída de casa e a volta para tentar pegar menos trânsito [às quintas]. Mesmo assim, é pesado”, relata Monique, ilustrando a dificuldade enfrentada por muitos paulistanos.
Trânsito em São Paulo: Quintas-feiras são dia mais pesado
A consolidação da quinta-feira como o dia de maior engarrafamento representa uma quebra de um padrão histórico na cidade de São Paulo. Tradicionalmente, as sextas-feiras eram as campeãs de lentidão, com motoristas enfrentando maiores dificuldades para se deslocar ao final da semana. No entanto, os dados da CET para o ano corrente registraram uma média de 390 quilômetros de lentidão às quintas-feiras, superando os 381 quilômetros registrados nas sextas. Embora o ano de 2023 já tenha mostrado indícios dessa mudança, com motoristas reportando crescentes desafios nas quintas-feiras, os números de 2024 solidificaram essa nova realidade como a norma na metrópole.
Ainda que as sextas-feiras mantenham um índice elevado de engarrafamento, ocupando a segunda posição entre os dias úteis, a percepção geral dos cidadãos e especialistas é de que a quinta-feira assumiu o papel de dia mais crítico no trânsito em São Paulo. Ciro Biderman, professor e diretor da FGV Cidades e renomado especialista em trânsito e transportes, comenta com uma analogia perspicaz que “a quinta virou a nova sexta”. Segundo Biderman, essa nova rotina “parece que veio para ficar”, indicando uma adaptação permanente no fluxo viário da cidade.
Mudanças Pós-Pandemia Remodelam a Mobilidade Urbana
Especialistas atribuem essa notável alteração no comportamento do tráfego a fatores diretos decorrentes da pandemia de Covid-19, iniciada em 2020. A rápida disseminação e posterior consolidação do regime de teletrabalho, juntamente com o avanço da educação online, alteraram drasticamente os padrões de deslocamentos diários. Muitos profissionais e estudantes, ao terem a opção de cumprir suas tarefas de casa, passaram a fazê-lo às segundas e sextas-feiras. Consequentemente, isso resultou em uma menor quantidade de veículos circulando nesses dois dias da semana.
Essa mudança no cotidiano e na logística de trabalho pode ser confirmada por uma análise dos dados pré-pandêmicos: em 2019, por exemplo, a média de lentidão nas sextas-feiras era significativamente mais alta, atingindo 537 quilômetros, cerca de 5% a mais do que os 511 quilômetros registrados nas quintas-feiras. A inversão observada atualmente demonstra o impacto duradouro dessas transformações nos hábitos populacionais e, consequentemente, na dinâmica do trânsito paulistano.
Essa readequação de horários e padrões de uso das vias não impacta apenas as ruas e avenidas urbanas, mas também as principais rodovias que convergem para a capital paulista. Anteriormente, os congestionamentos nos trechos rodoviários que desembocam em São Paulo eram mais prolongados e intensos nas segundas e sextas-feiras, estendendo-se por várias horas. Agora, esses dois dias tendem a apresentar um cenário menos caótico nas entradas da cidade, embora ainda com a presença de extensas filas de veículos, principalmente nos períodos da manhã, como motoristas relatam frequentemente.
Estratégias de Adaptação dos Cidadãos e Impacto nas Escolhas Veiculares
Diante do cenário de aumento dos tempos de deslocamento nas quintas-feiras, a população de São Paulo tem demonstrado estratégias para se adaptar. Ciro Biderman, da FGV Cidades, sugere que muitas pessoas passaram a evitar agendamentos importantes, como consultas médicas ou outros compromissos pessoais que demandam deslocamento de carro, justamente nesse dia da semana. “É melhor marcar a consulta para segunda-feira, pois o risco [de demorar para chegar] é menor”, afirma o especialista, salientando que a segunda-feira é, atualmente, o dia útil com a menor média de lentidão na capital, registrando aproximadamente 287 quilômetros de trânsito lento.
Essa busca pela fluidez no trânsito de São Paulo reflete-se até na escolha das placas de veículos por proprietários de carros zero-quilômetro. Na tentativa de otimizar seus deslocamentos e evitar os dias de maior restrição de rodízio em momentos de alta demanda, muitos demonstram preferência por finais de placa que restringem a circulação em dias de menor congestionamento. Dados do Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) são elucidativos: até agosto, 1.860 motoristas na capital optaram por placas com final 1, e outros 1.952 escolheram o final 2. Ambas as numerações estão associadas à restrição de rodízio às segundas-feiras, o dia que se consolidou como o mais tranquilo para trafegar. Em contrapartida, o final 0, com restrição às sextas-feiras, dia que costumava ser o mais desafiador e agora ocupa a segunda posição em lentidão, foi o menos procurado entre os que puderam escolher, com apenas 529 emplacamentos no período compreendido entre janeiro e agosto deste ano, indicando uma clara adaptação nas escolhas dos consumidores.
O Detran-SP esclarece ainda que os proprietários de veículos interessados em selecionar um final específico para a placa de seu carro precisam desembolsar uma taxa adicional de R$ 143,34 por este serviço. Entretanto, o órgão de trânsito ressalta que oferece também até 20 opções diferentes de combinações de placas sem nenhum custo adicional para aqueles que não desejam pagar por essa personalização, garantindo alternativas e flexibilidade para todos os novos condutores da capital paulista.
Compromisso da CET e Perspectivas para a Mobilidade
A Companhia de Engenharia de Tráfego, em sua função primordial, reitera que a prioridade inegociável de seus agentes de trânsito em campo é a garantia das melhores condições possíveis de fluidez e segurança viária para todos. A CET afirma enfaticamente que “medidas operacionais são tomadas para manter o nível de serviço com a mesma qualidade, todos os dias da semana”. Os trabalhos são coordenados de modo a atender prontamente tanto as ocorrências programadas quanto as intempestivas, visando mitigar os efeitos adversos dos engarrafamentos, especialmente nos dias de maior volume de tráfego, como as quintas-feiras.
A percepção de que o trânsito em São Paulo tem se aproximado dos índices de lentidão observados no período pré-pandemia, principalmente no meio da semana, é amplamente confirmada pelos dados da própria CET. No mês passado, a média diária de lentidão registrada foi de 421 quilômetros, um indicador que considera exclusivamente os dias úteis. Esse número não só representa o maior índice mensal do ano corrente, mas também se estabelece como o maior para o mês de agosto desde 2019, quando a média atingiu 475 quilômetros. Esse aumento substancial e persistente nos engarrafamentos tem levado famílias como a de Monique Rodrigues a considerar mudanças radicais em seus projetos de vida e local de residência. A profissional revela que sua família já planeja se mudar para a região do Ibirapuera, também na zona sul, esperando assim reduzir seu trajeto diário para o trabalho para uma estimativa de 25 minutos. “Vamos buscar mais de qualidade de vida, pois neste ano está mais difícil [de rodar pela cidade]”, desabafa.
Para Ciro Biderman, a migração substancial de usuários do transporte público para o transporte individual, impulsionada por diversas variáveis, é um dos grandes catalisadores dos congestionamentos observados atualmente. O especialista propõe uma solução clara, embora de implementação complexa: “É uma matemática simples, para diminuir o trânsito é preciso investir mais no transporte público que em obras viárias.” Essa análise é corroborada por pesquisas relevantes, como a “Origem e Destino do Metrô”, divulgada no início do ano. O estudo revela que as mudanças de hábitos sociais impulsionadas pela pandemia, em conjunto com o aumento significativo na utilização de carros por aplicativo, resultaram na surpreendente superação do transporte individual sobre o coletivo na vasta região metropolitana de São Paulo. De forma curiosa, o mesmo estudo também aponta para um notável crescimento no uso de motocicletas, com destaque para a participação feminina nesse aumento. O diretor da FGV Cidades conclui que “as pessoas devem estar usando menos transporte público para ir ao trabalho às quintas-feiras e isso impacta diretamente nos congestionamentos nesse dia da semana”, consolidando a teoria da relação direta entre a diminuição do uso de coletivos e o aumento dos gargalos nas vias urbanas e metropolitanas.
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Em suma, a nova realidade do trânsito de São Paulo aponta para uma reconfiguração dos dias mais desafiadores, com as quintas-feiras assumindo o posto de maior lentidão. Este fenômeno é impulsionado por uma conjunção de fatores, incluindo novos hábitos de trabalho e padrões de deslocamento decorrentes do cenário pós-pandêmico, e reforça a necessidade de contínuo planejamento urbano. Compreender essa dinâmica é fundamental para planejar melhor seus trajetos e para que as políticas públicas de mobilidade possam se adaptar às exigências de uma cidade em constante transformação. Para ficar por dentro de todas as análises e notícias sobre as Cidades, continue acompanhando nossa editoria dedicada ao tema, onde você encontrará as últimas informações sobre mobilidade e desenvolvimento urbano.
Crédito da imagem: Rubens Cavallari/Folhapress
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