O investimento tecnologia Brasil se torna um ponto de fricção para startups ambiciosas, conforme apontado por Igor Marinelli, 28 anos, CEO e cofundador da Tractian. Após enfrentar repetidas negativas de fundos nacionais, a empresa de tecnologia industrial com foco em Inteligência Artificial (IA) encontrou o suporte financeiro necessário nos Estados Unidos, onde levantou expressivos US$ 120 milhões (equivalente a R$ 640 milhões pela cotação atual) no ano anterior. A Tractian se dedica a desenvolver soluções com IA para minimizar interrupções em operações industriais.
As razões para a hesitação dos investidores brasileiros, de acordo com o executivo, incluem uma percepção de acomodação do setor privado local, a carência de linhas de crédito governamentais destinadas ao segmento de alta tecnologia e o que Marinelli descreve como uma predileção por “fórmulas tupiniquins”. Tais fórmulas seriam startups focadas exclusivamente em demandas inerentes à realidade brasileira, limitando seu potencial global e a atratividade para grandes capitalistas dispostos a apostar em inovações de escala internacional. Esta postura restritiva tem, segundo o CEO, consequências diretas no desenvolvimento econômico e industrial do país.
Tractian: CEO critica investimento tecnologia Brasil
Marinelli enfatizou que existe uma imperativa “necessidade para a segurança nacional, desenvolvimento econômico e industrial” de que o governo brasileiro adote uma postura mais arrojada no que diz respeito ao fomento da inovação. Ele sugeriu que as autoridades deveriam diversificar suas apostas, transcendendo o tradicional apoio à pecuária e à agricultura, setores que já contam com inúmeras e robustas linhas de crédito. A análise crítica se estende ao cenário privado, que, segundo ele, tende a concentrar seus aportes em companhias de pagamentos. Essa segmentação excessiva, conforme o empresário, não favorece a diversificação e o crescimento de nichos promissores como a tecnologia industrial de ponta.
A Tractian, reconhecida globalmente pela Forbes AI 50 em 2024 como uma das startups mais promissoras, materializa sua visão no Brasil através da construção de um avançado centro de inteligência artificial na cidade de São Paulo. O empreendimento integra um data center com um laboratório industrial de última geração, estendendo-se por uma área de 10 mil metros quadrados. O investimento aportado neste complexo é de R$ 60 milhões, com previsão de inauguração em novembro. A escolha da capital paulista reflete o desejo de aproveitar a capacidade de inovação e os talentos presentes no território nacional.
A empresa tem analisado atentamente todas as iniciativas e linhas de incentivo públicas disponíveis. Marinelli ressalta que medidas governamentais recentes, como a do governo Lula voltada ao estímulo da criação de data centers, representam um passo positivo, contudo, ainda estão distantes do robusto volume e diversidade de apoio que são oferecidos nos Estados Unidos. A inspiração para a startup em termos de escala de projetos industriais no Brasil vem da Embraer, vista como um expoente do que o país pode realizar. Por outro lado, a ambição da Tractian mira o projeto Stargate, uma iniciativa norte-americana que projeta vultosos US$ 500 bilhões em investimentos na infraestrutura de IA.
Em um mercado global onde gigantes como a OpenAI, responsável pelo ChatGPT e um dos apoiadores do Stargate, priorizam o desenvolvimento de modelos de IA de ponta, a Tractian busca uma convergência entre essas inovações e as aplicações práticas no ambiente fabril. A startup dedica-se à concepção e fabricação de sensores de alta precisão utilizados para monitorar máquinas industriais. Sua tecnologia já está presente em mais de mil plantas de clientes de grande porte, incluindo a própria Embraer, Hyundai, Danone, EMS e Verizon, esta última nos Estados Unidos, onde a empresa mantém sua sede.
Os componentes desenvolvidos pela Tractian viabilizam o acompanhamento minucioso de equipamentos. Complementarmente, o software proprietário da companhia, potencializado por algoritmos de IA treinados com vastos volumes de dados de maquinário, oferece diagnósticos preditivos e precisos diante da detecção de irregularidades. Este sistema é conhecido internamente como Copiloto Industrial. A implementação da solução da Tractian tem demonstrado resultados substanciais para seus clientes, com registros de até 40% de diminuição em paradas não planejadas de produção e um acréscimo médio de 15% na produtividade operacional.
Atualmente, a companhia conta com aproximadamente 150 mil sensores em atividade e mantém uma produção mensal de 25 mil novos dispositivos. Sua receita anual já atinge R$ 300 milhões, sendo que quase a metade deste valor provém de suas operações internacionais, solidificando sua presença global. A meta ambiciosa da Tractian é alcançar um faturamento de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões) até o ano de 2030, culminando em uma abertura de capital nos Estados Unidos. Marinelli revela que investidores norte-americanos demonstram maior receptividade a uma característica que frequentemente gera objeções no mercado brasileiro: a alocação de mais de 50% da receita em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Imagem: www1.folha.uol.com.br
“Já escutei que deveria ser 10%, 15%, que o produto já está muito bom, o que falta é vender. Qualidade de desenvolvimento não é, infelizmente, um dos valores dos fundadores [de startups] daqui. É mais botar na rua rápido. Ninguém nos EUA usa o cliente de laboratório”, criticou Marinelli. Essa abordagem americana, que valoriza o rigor na etapa de P&D e a testagem aprofundada antes do lançamento ao mercado, contrasta com uma mentalidade de lançamentos acelerados observada no Brasil, conforme a percepção do executivo.
A decisão estratégica de instalar o centro de IA em São Paulo se fundamenta na percepção de Marinelli acerca da subutilização dos talentos brasileiros. Ele observa que engenheiros com credenciais para integrar equipes de pesquisa globais frequentemente são direcionados a postos administrativos em consultorias e bancos, uma perda significativa para o desenvolvimento tecnológico nacional. O centro visa justamente reverter esse cenário, absorvendo talentos de elite em áreas cruciais. A Tractian projeta abrir mil novas vagas nos próximos cinco anos, com 200 delas a serem preenchidas ainda até o final deste ano, abrangendo áreas como inteligência artificial, ciência de dados, engenharia de software, hardware, robótica, produto e operações industriais. O programa de trainees da empresa oferece um salário inicial de R$ 9.000.
Paralelamente a esses avanços, a Tractian já recebeu uma proposta para uma nova rodada de investimentos de origem americana, evidenciando o interesse contínuo do mercado internacional. Para o CEO, o desafio de atrair capital no Brasil está intrinsecamente ligado ao que ele descreve como um “comportamento esquisito” dos investidores em relação à tecnologia, em grande parte, acomodados pelas elevadas taxas de juros. Na semana passada, o Banco Central manteve a taxa Selic em 15%, posicionando-a como a segunda maior taxa de juro real do mundo, conforme reportagens da época.
“O juro alto é cômodo para o investidor que não quer apostar em nada tecnológico, que é como você ganha da renda fixa [em rentabilidade]. Isso é destrutivo para o Brasil”, concluiu Marinelli, reiterando que essa realidade impacta negativamente o ambiente para investimentos em setores de risco, mas com grande potencial de crescimento e inovação. A busca por retornos mais seguros na renda fixa acaba por desviar recursos que poderiam impulsionar startups e tecnologias de fronteira no país.
Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista
Para mais informações sobre o panorama econômico e as taxas de juros que impactam o cenário de investimento no Brasil, sugerimos consultar dados oficiais no portal do Banco Central do Brasil. Aprofunde-se nesta discussão e entenda como as políticas econômicas influenciam diretamente o futuro das startups no país. Não deixe de acompanhar nossa editoria de Economia para mais análises e notícias relevantes.
Crédito da imagem: Divulgação/Tractian
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados