Torres de Vigilância: Dúvidas sobre Dados e Eficácia

Últimas Notícias

TÍTULO: Torres de Vigilância: Dúvidas sobre Dados e Eficácia
SLUG: torres-de-vigilancia-duvidas-eficacia
META DESCRIÇÃO: Torres de vigilância em condomínios e prédios geram questionamentos. Especialistas analisam o uso das imagens, privacidade e impacto real na segurança em SP e RJ.

Torres de vigilância equipadas com câmeras estão cada vez mais presentes nas paisagens urbanas de grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. A iniciativa, majoritariamente adotada por condomínios residenciais e, em crescente medida, por edifícios comerciais, é comercializada como um reforço substancial à segurança patrimonial e pessoal.

No entanto, a expansão desses sistemas tem provocado questionamentos e preocupações entre pesquisadores na área de segurança pública. O foco da discussão recai sobre a falta de transparência em relação à forma como as imagens são utilizadas e a ausência de estudos conclusivos que atestem sua real eficácia na diminuição dos índices criminais. Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), alerta que, na ausência de regulamentação clara, surge a inquietude acerca do potencial uso indevido desses dados. Eles poderiam, segundo ele, ser aplicados para fins de segurança corporativa ou para a geração de informações privadas, sem qualquer fiscalização sobre o controle do cidadão.

O advento e a disseminação dessa modalidade de vigilância ganharam impulso significativo a partir de 2019, logo após a experiência com câmeras dotadas de reconhecimento facial durante os carnavais de Salvador e Rio de Janeiro, conforme aponta Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Essa ampliação tecnológica ocorre em um contexto de crescente sensação de insegurança entre a população. Pesquisa recente da Quaest, realizada para a Genial Investimentos, indicou que a violência figura como a principal preocupação para 28% dos cidadãos brasileiros, demonstrando a demanda latente por soluções. No entanto, é crucial analisar o impacto dessas tecnologias sob um olhar crítico e estratégico.

Torres de Vigilância: Dúvidas sobre Dados e Eficácia

A Mecânica e os Fornecedores dos Sistemas de Vigilância

Essas torres, com seus designs distintos, muitas vezes coloridos e equipados com luzes de LED, abrigam câmeras que captam imagens de calçadas, vias públicas e veículos nas imediações dos prédios. Empresas como CoSecurity (parte do Grupo Haganá), Gabriel e White Segurança estão entre as principais ofertantes desse serviço, concentrando sua atuação nas capitais e grandes centros urbanos do país. Elas promovem a promessa de monitoramento constante do perímetro dos imóveis, visando a inibição de atos criminosos e a pronta resposta a incidentes.

Os residentes dos condomínios que contratam o serviço usualmente acessam as imagens capturadas por meio de aplicativos específicos. Em certas modalidades, o histórico dessas gravações pode ser consultado por até 14 dias, fornecendo um registro para análises futuras. Adicionalmente, alguns modelos de torres incorporam botões de pânico, que, ao serem acionados, alertam centrais de monitoramento responsáveis por estabelecer contato imediato com a polícia ou o Corpo de Bombeiros em situações de emergência. Quanto aos custos, a variação é notável. O preço do serviço é determinado, entre outros fatores, pela quantidade de torres instaladas e pelos recursos oferecidos, com valores mensais por unidade flutuando entre R$ 389 e R$ 1.500, de acordo com as diferentes empresas.

Integração com Iniciativas de Segurança Pública

É importante salientar que, de modo geral, as câmeras destas torres não utilizam tecnologia de reconhecimento facial em tempo real para identificação direta de indivíduos. Contudo, as gravações realizadas por esses equipamentos podem ser disponibilizadas às autoridades policiais, mediante a apresentação de uma solicitação formal. Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, um diferencial estratégico ressaltado pelas empresas é a integração de seus sistemas a programas governamentais de segurança.

Na capital paulista, a articulação ocorre com programas como o Smart Sampa, da prefeitura, e o Muralha Paulista, iniciativa do governo estadual. Essas plataformas permitem a identificação de pessoas procuradas pela justiça e placas de veículos com registro de furto ou roubo. Condomínios e estabelecimentos comerciais podem aderir a esses programas de forma voluntária e sem custos, conectando suas câmeras privadas às centrais de monitoramento públicas. Nessas centrais, agentes policiais acompanham as imagens em tempo real. Segundo dados da prefeitura, o Smart Sampa já conta com um contingente de 40 mil câmeras, das quais pelo menos 20 mil pertencem a condomínios e empresas parceiras. A CoSecurity destaca-se como a maior colaboradora privada do programa, com cerca de 8 mil câmeras interligadas, representando 25% da rede.

No Rio de Janeiro, a empresa Gabriel relata fornecer imagens em tempo real ao Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) e garante o repasse de registros à polícia sempre que uma solicitação formal é encaminhada. As principais empresas do setor alegam ter contribuído ativamente para a resolução de crimes nas áreas onde operam. A Gabriel, fundada em 2019, informa ter colaborado na recuperação de mais de 100 veículos e na identificação de 566 suspeitos. A CoSecurity, por sua vez, atribui à sua integração com o Smart Sampa a captura de 2 mil foragidos e a efetuação de 3.245 prisões em flagrante. Questionada pelo g1, a Prefeitura de São Paulo informou que o sistema não distingue se as prisões foram viabilizadas por câmeras privadas ou públicas, uma vez que os dados são agrupados.

Transparência e Eficácia: A Visão Crítica dos Especialistas

O g1 consultou quatro pesquisadores especializados em segurança pública que levantaram sérias contestações acerca da eficácia real das torres de vigilância. As críticas fundamentam-se na falta de transparência sobre o manuseio dos dados e na ausência de normas claras que regulem a atuação dessas empresas. Segundo os especialistas, ainda não existem estudos que comprovem um impacto direto e significativo desses sistemas na redução da criminalidade. “A ausência de regulamentação implica em uma carência de transparência e de responsabilização em torno dos sistemas privados de segurança”, reitera Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP).

Torres de Vigilância: Dúvidas sobre Dados e Eficácia - Imagem do artigo original

Imagem: g1.globo.com

Edler levanta questionamentos cruciais sobre as garantias oferecidas pelas empresas para assegurar que os dados coletados não sejam utilizados para outras finalidades, como a geração de informações privadas ou para estratégias de segurança corporativa, sem o consentimento ou controle do cidadão. Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, complementa a crítica, defendendo a necessidade de um controle mais rigoroso sobre o acesso a essas informações. Ele ressalta que as empresas privadas lidam com imagens de um vasto número de pessoas, exemplificando o risco de vazamento de dados que poderiam expor a rotina diária de um comerciante, desde sua chegada ao estabelecimento até o fechamento do caixa. Para mais detalhes sobre as implicações de novas tecnologias na vida cotidiana, o site da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) oferece insights valiosos sobre governança e legislação de dados. Uma gestão ética dos dados é fundamental para a preservação da privacidade.

Apesar das promessas de eficiência, a realidade nem sempre corresponde às expectativas. Reportagem do Profissão Repórter ilustrou a frustração de moradores de um condomínio paulista que, mesmo com as torres, recorreram a medidas alternativas, como o uso de vasos de plantas, na tentativa de coibir roubos de celular na portaria, diante da continuidade dos assaltos.

Rocha aponta para a limitação estrutural da polícia, que não dispõe de efetivo ou recursos suficientes para investigar a totalidade dos crimes patrimoniais, mesmo contando com o suporte das imagens de alta resolução disponibilizadas pelas empresas. “Um delegado já se depara com milhares de casos de roubo acumulados; ele não tem meios nem estrutura para agir com a agilidade necessária quando um assalto ocorre bem em frente a um totem de vigilância”, explica. Os especialistas ainda citam a dificuldade na identificação de criminosos que usam capacetes em motocicletas, mesmo com as câmeras integradas a programas como o Smart Sampa. Thallita Lima, coordenadora do projeto O Panóptico, que monitora tecnologias de vigilância no Brasil, ressalta a ausência de padronização técnica entre os equipamentos. Ela também critica a falta de um debate aprofundado sobre os impactos do uso desses totens no espaço urbano, visto que muitos são instalados em calçadas. O g1 identificou a presença de torres de vigilância das empresas Defender, MasterCam e Gabriel em vias públicas de São Paulo, embora a instalação em calçadas exija autorização das prefeituras, o que nenhuma delas confirmou ter obtido.

Um aspecto preocupante apontado por Thallita é a circulação informal das imagens, muitas vezes na forma de prints de “suspeitos” compartilhados em grupos de WhatsApp, o que, para ela, “pode desencadear problemas sérios, com o risco de ‘justiça com as próprias mãos’ por intermédio da tecnologia”. Rafael Rocha sugere que uma regulamentação essencial deveria impedir os moradores de realizar capturas de tela das imagens para conter essa disseminação indevida. Diante dessas discussões, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) informou ao g1 que o tema é prioritário e está na pauta de discussões para o biênio 2025-2026, com atenção especial às questões relacionadas à biometria facial.

Confira também: crédito imobiliário

A proliferação das torres de vigilância em grandes centros urbanos acende um debate crucial sobre a busca por segurança e as complexas questões envolvendo privacidade de dados e a eficácia real dessas tecnologias. A discussão exige transparência, regulamentação clara e um monitoramento contínuo para equilibrar a proteção e os direitos individuais dos cidadãos. Para se manter atualizado sobre os desdobramentos urbanos e debates sociais importantes, continue acompanhando nossa cobertura na editoria de Cidades.

Crédito da imagem: Darlan Helder/g1, Reprodução/Prefeitura de São Paulo.

Deixe um comentário