Ex-Premiê Japonês Tomiichi Murayama Morre aos 101 Anos

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O ex-primeiro-ministro japonês Tomiichi Murayama, figura notável na história política recente do Japão e reconhecido globalmente por sua histórica declaração de arrependimento em relação às ações de guerra do país, faleceu nesta sexta-feira (17), aos impressionantes 101 anos de idade. Murayama liderou o governo japonês de 1994 a 1996, deixando um legado marcado não apenas pela turbulência de eventos domésticos, mas, sobretudo, por um gesto diplomático de imenso significado para a reconciliação com nações asiáticas.

Sua morte, confirmada como sendo por causas naturais em um hospital de sua região, encerra a vida de um estadista que desafiou as convenções políticas de seu tempo. À frente de uma improvável coalizão composta pelo conservador Partido Liberal Democrata e sua própria formação, o Partido Socialista, Murayama demonstrou uma capacidade de negociação e uma visão que buscavam transcender as divisões ideológicas em um período de profundas transformações no Japão pós-Guerra Fria.

Ex-Premiê Japonês Tomiichi Murayama Morre aos 101 Anos

A gestão de Tomiichi Murayama como primeiro-ministro foi notadamente desafiadora, confrontando calamidades e tragédias que testaram a resiliência do governo e da população japonesa. Entre os eventos mais críticos, destacam-se o devastador terremoto de 1995, que abalou intensamente a cidade de Kobe e regiões vizinhas no oeste do Japão, causando mais de 6.000 mortes, e o ataque com gás sarin no metrô de Tóquio, perpetrado pelo culto apocalíptico Aum Shinrikyo. Estes acontecimentos colocaram à prova a capacidade de resposta e liderança de sua administração, que, em retrospectiva, foi alvo de críticas pela demora em agir frente a tais desastres.

A Coragem de um Pedido de Desculpas Histórico

No entanto, a memória de Tomiichi Murayama será eternamente associada a uma declaração fundamental proferida em 15 de agosto de 1995. Naquele dia, em uma data simbólica que marcava o 50º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, ele utilizou uma linguagem sem precedentes para expressar um sincero pedido de desculpas pelas agressões e danos causados pelo Japão durante o conflito. Sua fala reconheceu formalmente a responsabilidade japonesa pelo sofrimento infligido a povos de diversas nações, particularmente aquelas no continente asiático, cujo passado de dominação colonial e atos de agressão ainda reverberava em suas relações bilaterais.

A declaração, transmitida em rede nacional durante uma coletiva de imprensa solene, continha passagens marcantes. “Durante um certo período, não muito distante no passado, o Japão, seguindo uma política nacional equivocada, trilhou o caminho da guerra… e, por meio de seu domínio colonial e agressão, causou imensos danos e sofrimentos aos povos de muitos países, em especial aos das nações asiáticas”, afirmou Murayama. Ele prosseguiu, articulando o cerne de seu pedido: “Reconheço, com espírito de humildade, esses fatos irrefutáveis da história e expresso aqui, mais uma vez, meus profundos sentimentos de arrependimento e apresento meu sincero pedido de desculpas.”

Este pronunciamento foi um marco, alterando significativamente o tom da diplomacia japonesa em relação à sua história de guerra. A honestidade e a profundidade de seu arrependimento foram amplamente bem recebidas pelos Estados Unidos e por importantes países asiáticos, como Coreia do Sul e China, onde as lembranças amargas da ocupação japonesa e dos crimes de guerra permaneciam como feridas abertas. A iniciativa de Murayama serviu como um pilar para a construção de uma base de confiança e para a abertura de novas possibilidades de diálogo regional, ajudando a mitigar um legado de amargura. Para um aprofundamento sobre a evolução dos pedidos de desculpas do Japão e seu contexto histórico, veja um histórico abrangente publicado por The Guardian.

Contrastes Políticos e Legado Duradouro

Anos mais tarde, as relações do Japão com seus vizinhos foram testadas por abordagens divergentes. O então premiê Shinzo Abe, com um viés mais conservador, buscou adotar um tom menos apologético em relação às ações de guerra do Japão. Sua administração também tinha como objetivo revisar a constituição pacifista do pós-guerra, que foi redigida pelos Estados Unidos, uma medida que gerou tensões consideráveis com Pequim e Seul. Diante disso, Tomiichi Murayama, cerca de 20 anos após sua histórica declaração, manifestou preocupação com os esforços de Abe para “escapar do regime do pós-guerra”, um legado da ocupação americana que, na visão de alguns conservadores, teria enfraquecido os valores tradicionais do Japão e privado o país de seu orgulho nacional. Esse contraste ressalta a complexidade e a divisão de opiniões dentro do próprio Japão sobre como lidar com o passado histórico e as implicações para sua política externa.

A relevância da perspectiva de Murayama perdurou até os últimos anos de sua vida. Em 15 de agosto de 2020, por ocasião do 25º aniversário de sua célebre declaração, o ex-primeiro-ministro reafirmou em texto a importância inabalável de manter laços amistosos com a China. Ele escreveu: “É desnecessário dizer que é extremamente importante para o Japão manter e construir uma relação de paz e prosperidade duradoura e amigável com a China, que sofreu grandes danos na guerra de agressão passada.” Esta fala, dita no ocaso de sua vida, solidificava ainda mais sua visão de uma diplomacia construída sobre a base do reconhecimento histórico e da busca contínua pela paz.

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Imagem: g1.globo.com

A Vida e Carreira do Ex-Premiê

Nascido na província de Oita, no sul do Japão, Tomiichi Murayama era um dos 11 filhos de um pescador, uma origem humilde que contrastava com os círculos da elite política japonesa. Alto e magro, o líder, que nos seus últimos anos era facilmente reconhecido pelas suas sobrancelhas brancas e espessas, teve uma jornada de vida que reflete a resiliência e a capacidade de superação. Após seus estudos noturnos em uma escola comercial em Tóquio e um período de serviço nas forças armadas do país, Murayama obteve sua graduação pela prestigiada Universidade Meiji em 1946.

Sua entrada no cenário público começou de forma gradual. Após sua formação acadêmica, ele assumiu o cargo de secretário-geral de uma cooperativa de pescadores, desempenhando um papel fundamental na sua transformação em um sindicato ativo e influente. Sua atuação no nível local pavimentou o caminho para a política, onde serviu na assembleia provincial de Oita antes de ser eleito para a Câmara dos Deputados em 1972, marcando sua ascensão ao parlamento nacional. Em 1993, seu Partido Socialista se uniu a um governo pró-reformas, após uma significativa derrota eleitoral do Partido Liberal Democrata (PLD). No mesmo ano, Murayama foi eleito líder do partido, um passo decisivo que o levaria à posição de primeiro-ministro em 1994.

Após a turbulenta gestão, marcada por seu impacto nos esforços de reconciliação pós-guerra e pela administração de desastres nacionais, Murayama renunciou ao cargo de primeiro-ministro em 1996. Em 2000, decidiu retirar-se completamente da vida política, optando por um estilo de vida mais simples e modesto. Ele passou a viver tranquilamente com sua pensão no sul do Japão, mantendo-se ativo pedalando em seus últimos anos, uma imagem que contrasta com a intensidade dos anos em que esteve à frente do governo de uma das maiores potências mundiais.

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A trajetória de Tomiichi Murayama é um testemunho da capacidade de um indivíduo de moldar a história, tanto pelos desafios que enfrentou quanto, e talvez principalmente, pelo legado moral que deixou. Seu pedido de desculpas, ousado e autêntico, continua sendo um ponto de referência crucial para o Japão e para o cenário geopolítico asiático, reiterando a importância do reconhecimento histórico para a paz duradoura. Para aprofundar-se em análises sobre política externa, eventos históricos e figuras influentes, continue acompanhando as publicações em nossa editoria de Política.

Foto: Toru Hanai/Reuters