O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) deu um passo significativo em direção à resolução e proteção dos direitos de comunidades vulneráveis ao determinar a criação de duas novas varas regionais. Essas unidades especializadas, com foco em meio ambiente, [conflitos fundiários](link para artigo relacionado sobre conflitos fundiários e povos indígenas na Bahia) e proteção de direitos dos povos originários e comunidades quilombolas, visam agilizar processos e oferecer um julgamento mais qualificado em disputas complexas no estado. A aprovação da medida pelo órgão ocorreu em 20 de agosto.
Uma das varas será estabelecida na capital baiana, Salvador, e a outra será instalada em Porto Seguro, uma cidade strategicamente localizada no extremo sul do estado. A escolha de Porto Seguro não é aleatória; essa região é historicamente marcada por uma alta intensidade de tensões e conflitos territoriais entre diferentes grupos, em especial entre populações indígenas e proprietários de terras, os fazendeiros. O objetivo central do TJBA, com a implementação dessas varas especializadas, é acelerar a tramitação e o julgamento de processos envolvendo essas intrincadas questões fundiárias e socioambientais.
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As “Varas Regionais de Meio Ambiente, Conflitos Fundiários e Proteção de Direitos dos Povos Originários e das Comunidades Quilombolas”, como foram formalmente designadas, representam uma iniciativa que busca concentrar expertise jurídica. O juiz que atuará em cada uma dessas unidades terá um conhecimento aprofundado nas particularidades dos litígios que envolvem demarcação de terras, direitos de uso e ocupação, e a interface entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental. Em Salvador, a nova instalação abrangerá um total de 46 comarcas da região, concentrando uma vasta gama de casos. Já a vara em Porto Seguro será responsável por uma área que inclui 33 comarcas do extremo sul, abrangendo, portanto, as zonas mais sensíveis às disputas. Embora a data exata para a instalação dessas novas unidades especializadas ainda não tenha sido definida oficialmente, a expectativa é que suas operações iniciem ainda durante o ano de 2025.
A presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Cynthia Maria Pina, expressou sua confiança na efetividade da medida. Ela enfatizou a importância da especialização dos magistrados que atuarão nessas novas varas, acreditando que isso será um fator crucial para a resolução mais ágil dos litígios.
> “Esses processos serão julgados por um juiz especializado na matéria. Eu acredito que muitos desses conflitos poderão ter seu julgamento acelerado para que se possa resolver isso em menos tempo”, afirmou a presidente do TJBA, Dra. Cynthia Maria Pina, sublinhando o impacto esperado da nova estrutura judiciária.
**Cenário de Intensos Conflitos no Extremo Sul da Bahia**
A decisão de criar essas varas surge em um momento de escalada das tensões na região do extremo sul da Bahia, que há anos tem sido palco de profundas e muitas vezes violentas disputas territoriais. De acordo com relatos da TV Santa Cruz, afiliada da TV Bahia, um grande número de agentes da Força Nacional, da Polícia Federal e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) está mobilizado na área desde o mês de abril. Essa presença reforçada das autoridades é uma resposta direta à intensificação dos **conflitos entre indígenas e fazendeiros** na região, onde a posse da terra é frequentemente contestada e gera atritos.
O quadro de conflitos agravou-se consideravelmente após a entrada em vigor da Lei do Marco Temporal, em setembro de 2023. Essa legislação polêmica estabelece que apenas as terras ocupadas pelos povos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas como terras indígenas. Tal interpretação tem sido amplamente questionada e rejeitada pelas comunidades originárias, que argumentam possuir direitos ancestrais sobre vastos territórios que, segundo a nova regra, estariam em risco de não reconhecimento.
Em resposta à Lei do Marco Temporal, houve uma intensificação do movimento indígena conhecido como “Retomada das Terras Ancestrais”. Por meio dessa iniciativa, comunidades buscam reocupar áreas que consideram historicamente pertencentes a elas, baseadas em suas tradições e laços com o território. Do outro lado dessa disputa, os fazendeiros e produtores rurais têm reagido com ações que denominam “Invasão Zero”, buscando conter as retomadas e manter suas propriedades, gerando um ambiente de profunda hostilidade. Os indígenas frequentemente acusam os produtores rurais de agirem de forma coordenada e, por vezes, de formarem grupos análogos a milícias para reprimir suas ações.
**O Impacto Humano dos Conflitos**
Os resultados desses embates têm sido trágicos e desiguais. Segundo informações divulgadas pela Funai, até o momento, seis indígenas foram mortos durante esses **conflitos fundiários**, incluindo algumas lideranças que atuavam na linha de frente pela defesa de seus povos e territórios. Contrastando com o número de vítimas indígenas, nenhum produtor rural veio a óbito durante essas disputas reportadas pela Funai, o que sublinha a vulnerabilidade e a assimetria de poder vivenciadas pelas comunidades originárias. Essas mortes têm gerado clamor por justiça e por medidas eficazes de proteção aos direitos humanos no campo.
As duas novas varas especializadas representam, para alguns, uma luz no fim do túnel. Para o diretor de projetos da Federação Indígena das Nações Pataxó, João Payayá, a criação dessas varas tem o potencial de promover uma efetiva garantia de direitos diante de disputas históricas. Ele acredita que a nova estrutura judiciária pode abrir canais para um diálogo mais construtivo e sensível às particularidades das questões indígenas. “Esperamos que com a criação dessa nova vara que a condução [proporcione] um diálogo aberto com os movimentos que representam, de fato, a luta dos povos indígenas aqui da região”, defendeu Payayá, expressando a esperança das comunidades em serem ouvidas e terem suas demandas consideradas de forma mais justa.
Por outro lado, Mateus Bonfim, presidente da Agronex, uma associação que representa produtores rurais na região, demonstra um ceticismo considerável quanto ao impacto das novas varas na resolução efetiva dos conflitos. A sua principal ressalva reside na percepção de que muitos dos temas centrais envolvidos nas disputas ultrapassam a esfera da competência estadual. Ele argumenta que questões relacionadas à Funai e à União, que envolvem a demarcação de terras indígenas em âmbito federal, não seriam diretamente afetadas por tribunais estaduais. “Os assuntos relacionados a Funai e a União, em geral, não são da competência estadual, então não vai mudar muita coisa para gente”, opinou Bonfim, indicando uma visão de que a medida do TJBA poderá ter um alcance limitado sobre os aspectos mais sensíveis das disputas territoriais que os envolvem.
O cenário na Bahia continua sendo um dos mais desafiadores em relação aos direitos territoriais e à proteção das populações tradicionais e indígenas. A implementação dessas **varas de conflitos fundiários** no TJBA será observada com atenção por todas as partes envolvidas, bem como por defensores dos direitos humanos e organizações socioambientais. A capacidade dessas novas estruturas de promover soluções justas e duradouras para questões que se arrastam por décadas ainda é uma expectativa, mas representa um esforço notável do judiciário baiano em atender a uma demanda crescente por mediação e julgamento especializado. A resposta à pergunta sobre o quão impactante a mudança será dependerá do desenvolvimento dos trabalhos e das sentenças proferidas.
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Assim, com a data de instalação aguardada para 2025, os olhos estão voltados para Salvador e Porto Seguro, onde a atuação desses juízes especializados poderá moldar o futuro da relação entre o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental e o respeito aos direitos ancestrais de povos originários e quilombolas na Bahia.
Fonte: g1.globo.com

Imagem: g1.globo.com
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