A constante exposição a **tiroteios afetam crianças** e adolescentes, causando severos impactos no seu desenvolvimento psicossocial em comunidades do Rio de Janeiro. A capital fluminense, historicamente marcada pela violência urbana, vive episódios que repercutem globalmente, revelando um cenário de vulnerabilidade que afeta profundamente a saúde mental da população, em particular os mais jovens.
As cenas impactantes de carros blindados, explosões por drones e intenso fogo cruzado, juntamente com veículos incendiados e ônibus que barravam vias, registraram a Operação Contenção na última terça-feira (28), deflagrada pelas forças de segurança estaduais nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte carioca. A intensa munição traçante cortando o céu nessas regiões evocava um verdadeiro teatro de guerra urbana. Essas imagens, que circularam mundialmente, apenas evidenciam uma triste realidade já consolidada por diversas pesquisas: a violência nas cidades produz consequências duradouras que transcendem o momento imediato do conflito, deteriorando o bem-estar mental de indivíduos expostos direta ou indiretamente à persistente sensação de insegurança.
Tiroteios afetam crianças: impacto da violência urbana no Rio
Especialistas que colaboraram com a Agência Brasil alertam: transformar o medo em um estado de alerta contínuo pode comprometer severamente o funcionamento do sistema nervoso, trazendo prejuízos significativos ao desenvolvimento psicossocial, especialmente entre crianças e adolescentes. O impacto é ainda mais acentuado naquelas forçadas a viver em áreas de frequentes tiroteios, seja sob controle ou disputa de grupos criminosos, que representam a linha de frente do conflito, embora sem escolha.
O Estresse Contínuo e Seus Efeitos na Saúde Mental
Conforme apontou a psicóloga Marilda Lipp, reconhecida em pesquisas sobre estresse, a vivência de violência urbana pode desencadear níveis de estresse extremamente elevados, afetando a integridade da saúde. Lipp enfatiza que a necessidade humana de segurança é fundamental, superada apenas pelas necessidades fisiológicas essenciais, como respirar, comer, beber e dormir. Diante disso, a percepção de insegurança pessoal, familiar ou comunitária é propensa a provocar graves desordens emocionais. Essas desordens, dependendo da gravidade e da persistência da situação, podem evoluir para sintomas de ansiedade crônica ou depressão, manifestados por taquicardia, pressão alta, problemas gastrointestinais, distúrbios do sono e do apetite, irritabilidade e dificuldades de concentração, entre outras condições debilitantes.
A psicóloga esclarece que a resposta ao estresse é inerentemente fisiológica. Quando indivíduos se sentem sob ameaça, o cérebro prontamente libera substâncias hormonais que preparam o corpo para a ação de “fugir ou lutar”. Isso significa que um certo nível de estresse é normal e até funcional. No entanto, ela adverte que o organismo humano, tanto físico quanto mental, não foi projetado para sustentar um estado de alerta permanente, algo que é inevitável para aqueles que são constantemente expostos à violência e a ameaças de maneira recorrente.
Marilda Lipp acrescenta que as manifestações e as repercussões da exposição à violência e ao sentimento de insegurança podem variar amplamente de uma pessoa para outra, sendo influenciadas pelo significado individual atribuído aos eventos vividos, sejam eles diretos ou indiretos. No entanto, ela argumenta que não é impreciso afirmar que indivíduos submetidos a altos níveis de estresse, de forma persistente e prolongada, tornam-se suscetíveis a adoecer. Essa vulnerabilidade se estende até mesmo às chamadas “vítimas secundárias” – pessoas que não estão diretamente expostas a riscos, nem têm familiares, amigos ou conhecidos próximos ameaçados, mas que ainda assim podem ser afetadas em algum grau, sentindo-se impotentes e desamparadas diante do cenário.
Como criadora do inovador “Treino de Controle de Estresse”, uma abordagem de autotratamento que ela desenvolveu com base em diversos métodos, Marilda defende a necessidade urgente de o Poder Público capacitar a população para lidar com o estresse de maneira mais saudável. A especialista ressalta que, além de ser fundamental o enfrentamento dos complexos aspectos políticos e estruturais da questão da violência, essa capacitação já representaria uma grande ajuda para muitas pessoas. A psicóloga pontua, em especial, para aqueles que não possuem recursos financeiros para pagar por atendimento psicológico ou psiquiátrico, ou que enfrentam longas esperas para conseguir esses serviços na rede pública de saúde. Lipp sugere que essa capacitação poderia ser amplamente oferecida em unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e também nas escolas, enfatizando que é de extrema importância ensinar às crianças as estratégias para gerenciar melhor o estresse desde cedo.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
O Sofrimento Coletivo e a Demandas na Saúde Pública
O professor associado do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), psiquiatra Octávio Domont de Serpa Júnior, atesta um aumento consistente na busca por serviços de saúde após eventos que geram grande comoção e intensificam o sentimento de insegurança na população. Na experiência do Rio de Janeiro, ele e sua equipe observam há tempos que tais situações impactam diretamente a demanda na rede de atenção primária, que serve como a porta de entrada para o sistema público de saúde. Em vista disso, Domont prevê que muitos indivíduos, direta ou indiretamente expostos aos incidentes ocorridos nos complexos do Alemão e da Penha nesta semana, deverão procurar unidades de saúde nos dias subsequentes, caso ainda não o tenham feito.
Domont salienta que a questão vai além do sofrimento individual, abordando uma dimensão muito mais ampla. Há, segundo ele, um profundo sofrimento coletivo em jogo, que se configura como uma problemática estrutural, política e social que não pode ser negligenciada. O psiquiatra alerta que, sem uma resposta adequada que contemple essa esfera coletiva, o problema da violência urbana continuará a impactar negativamente a todos. Para Octávio Domont, é crucial que os profissionais de saúde estejam preparados para oferecer uma resposta ágil e acolhedora, fornecendo o cuidado apropriado tanto às vítimas diretas da violência quanto àqueles que testemunharam tais acontecimentos. Este pronto atendimento é fundamental para prevenir a cronificação dos sintomas, especialmente considerando a grande possibilidade de que muitos desses indivíduos sejam reexpostos a situações semelhantes, uma vez que, até o presente momento, não se vislumbra uma solução efetiva para o grave problema da segurança pública.
Confira também: Imoveis em Rio das Ostras
Para mais análises aprofundadas sobre os desafios urbanos e sociais enfrentados nas grandes metrópoles, convidamos você a explorar a editoria de Cidades em nosso blog, onde publicamos regularmente conteúdos relevantes sobre o tema e o bem-estar das comunidades brasileiras. Acompanhe nossas matérias para ficar por dentro dos debates e soluções para o desenvolvimento humano.
Crédito da imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil
Edição: Kleber Sampaio



