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Tenório Jr.: Desaparecimento de Pianista Brasileiro na Argentina Esclarecido

O mistério em torno da **morte do pianista Tenório Jr.**, desaparecido em Buenos Aires em 1976, finalmente encontra esclarecimento após 49 anos de incerteza. A confirmação da identificação de seu corpo, realizada pela renomada Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), traz à tona um dos casos mais emblemáticos de desaparecimento durante o período que antecedeu […]

O mistério em torno da **morte do pianista Tenório Jr.**, desaparecido em Buenos Aires em 1976, finalmente encontra esclarecimento após 49 anos de incerteza. A confirmação da identificação de seu corpo, realizada pela renomada Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), traz à tona um dos casos mais emblemáticos de desaparecimento durante o período que antecedeu a ditadura militar argentina.

O Brasil e o mundo artístico acompanharam por décadas as tentativas de decifrar o paradeiro do talentoso músico, cuja história se entrelaça com o turbulento cenário político da Argentina. Este desfecho oferece um alívio tardio à família e aos amigos, enquanto expõe a brutalidade da repressão política que ceifou a vida de Tenório Francisco Cerqueira Júnior aos 35 anos.

Tenório Jr.: Desaparecimento de Pianista Brasileiro na Argentina Esclarecido

Os meses que antecederam o golpe militar argentino, em março de 1976, eram marcados por uma intensa violência política, frequentemente ignorada na narrativa histórica oficial. O período entre a morte de Juan Domingo Perón, em julho de 1974, e o início da ditadura, é visto por muitos como um “limbo”, obscurecendo os crimes e a conspiração que levaram à queda da presidente eleita, María Estela Martínez de Perón (Isabelita). Nesse ambiente tenso, a Alianza Anticomunista Argentina (Triple A), um esquadrão da morte peronista, já agia com truculência, perseguindo ativistas, militantes de esquerda e intelectuais, delineando um cenário de repressão estatal.

Foi nesse contexto volátil que Tenório Jr., considerado um dos maiores pianistas brasileiros de seu tempo, chegou a Buenos Aires. Ele integrava a banda de Vinicius de Moraes, que fazia uma curta temporada de shows. Na madrugada de 18 de março de 1976, após uma das apresentações, o pianista saiu do Hotel Normandie, onde estava hospedado com Toquinho, em busca de cigarros ou, possivelmente, de drogas, de acordo com relatos de amigos. Com sua aparência típica de músico – cabelos e barba longos –, ele tornou-se um alvo fácil em uma cidade sob intensa vigilância. Tenório Jr. nunca mais foi visto com vida, dando início a quase cinco décadas de perguntas sem resposta.

A Revelação de Quase Cinco Décadas

O longo mistério só começou a se desvendar na última sexta-feira (12) quando a EAAF, após minuciosa investigação, confirmou a identificação de Francisco Tenório Cerqueira Júnior. A Justiça argentina notificou a embaixada brasileira, revelando a tragédia. As informações compiladas pela EAAF, pela polícia local e outras entidades, sugerem que o pianista foi sequestrado e provavelmente confundido com um guerrilheiro do grupo Montoneros. Sua fluência em espanhol com sotaque portenho pode ter, ironicamente, dificultado sua libertação.

Após o sequestro, acredita-se que Tenório Jr. tenha sido levado a um terreno baldio próximo à rodovia Panamericana e à avenida General Belgrano, na Província de Buenos Aires. Lá, foi executado por múltiplos impactos de bala. As informações de seu exame post-mortem, realizadas por um médico policial sem a real identificação da vítima, foram registradas junto com suas impressões digitais, um detalhe crucial para o esclarecimento. Posteriormente, o corpo foi depositado em uma vala comum no cemitério municipal de Benavídez, ao lado de centenas de outras vítimas da repressão. A recuperação de seus restos mortais, contudo, é um desafio colossal devido à miscelânea de vestígios após quase 50 anos.

O processo de identificação de desaparecidos da ditadura argentina é complexo. Estima-se que mais de 20 mil pessoas tenham sido assassinadas, um número ainda em debate, mas que dimensiona a escala dos crimes. A Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas (Conadep), criada após o retorno da democracia em 1983 pelo presidente Raúl Alfonsín, iniciou o trabalho de exumação e identificação. Contudo, foi somente em 26 de agosto de 2025 que, através da comparação das impressões digitais de Tenório Jr., fornecidas por sua família, com as de cadáveres não identificados, confirmou-se seu sepultamento em Benavídez. Este caso agora integra o processo judicial “Plano Condor”, sob a tutela do juiz Sebastian Casanello, que buscará identificar os responsáveis.

A Reação da Família e o Fim das Notícias Falsas

A família de Tenório Jr. recebeu a notícia por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil. Em um comunicado emocionado, os filhos Elisa, Andrea, Francisco e Margarida expressaram: “É um alívio porque, finalmente, podemos saber com mais segurança o que aconteceu com ele naquele triste março de 1976. De alguma maneira, estaremos mais próximos. Tristeza pela confirmação de que Tenório foi vítima da violência e enterrado como um desconhecido, longe da família, dos amigos, dos parceiros de música”. Eles, através do assessor Vitor Nuzzi, aguardam a punição dos culpados. Sua esposa, Carmen, faleceu em 2019, sem a conclusão deste doloroso capítulo.

Ao longo desses quase 50 anos, uma série de informações distorcidas e falsas complicou as buscas. Dentre elas, destacou-se a entrevista de Cláudio Vallejos, ex-soldado do Serviço de Inteligência da Marinha argentina, à revista “Senhor” em 1986. Vallejos fabricou uma história de que Tenório Jr. teria sido levado à temida Escola Mecânica da Armada (Esma), torturado e executado por Alfredo Astiz, o “Anjo da Morte” da ditadura. Esta narrativa fantasiosa, criada por vaidade segundo Marta Santamaría (então namorada de Vinicius), trouxe ainda mais angústia e confusão. Pesquisadores refutam a versão de Vallejos, apontando que Astiz dificilmente executaria um prisioneiro comum e que a Esma, tal como se tornou um centro de tortura, ainda não operava nesse formato em março de 1976. Outros boatos sugeriam que o pianista estaria vivo, no Brasil ou preso com outros políticos, versões agora desmanteladas.

Busca por Pistas e Esforços de Amigos

O desaparecimento do **pianista Tenório Jr.** causou uma comoção imediata no meio artístico brasileiro. A cantora Joyce Moreno, que havia retornado de uma turnê com os músicos, descreveu a notícia como “uma bomba” e a dedicação de Vinicius de Moraes nas buscas. Amigos se mobilizaram: um show no teatro João Caetano, no Rio, organizado por Hermínio Bello de Carvalho e Joyce Moreno, arrecadou fundos para Carmen e os cinco filhos de Tenório Jr. Mais de mil pessoas lotaram o teatro, com ingressos esgotados. Contudo, o suporte financeiro principal veio do cunhado do músico, o pintor Roberto Magalhães.

Tenório Jr.: Desaparecimento de Pianista Brasileiro na Argentina Esclarecido - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

No auge do desespero, por sugestão do poeta Ferreira Gullar, familiares e amigos buscaram ajuda de uma vidente na Argentina. Entregaram a ela fotos e cartas do músico, o que explica a escassez de material iconográfico de Tenório Jr. dessa fase. As pistas esotéricas se mostraram inconclusivas, com sugestões de que o pianista estaria no sul da Argentina. Joyce Moreno recorda que a família do pianista, inclusive seu pai que era policial, fez buscas intensas, e Carmen chegou a ser procurada por médiuns e videntes de fora do Brasil, que chegaram a fazer previsões insensatas. “Naquele momento de desespero, procurou-se de tudo”, completou a cantora.

Em 1976, apesar do seu inegável talento, Tenório Jr. enfrentava desafios financeiros. Os anos dourados após o lançamento de “Embalo” (1964), seu único LP autoral, haviam passado. Ele dependia cada vez mais de trabalhos como músico de apoio, uma situação que gerava desânimo. Essa dificuldade alimentou lendas de que o sumiço seria forjado, para que pudesse ficar com uma amante rica no interior. No entanto, nenhum indício concreto jamais corroborou tais especulações, que se mantiveram no imaginário popular.

O Legado Musical e a Vida Boêmia

Com “Embalo”, Tenório Jr. alcançou o auge de sua carreira, lançando um marco na música instrumental brasileira, como analisa o escritor Ruy Castro. Celso de Almeida Brando, 85 anos, que foi violonista no álbum, e o baixista Sergio Barrozo, recordam o talento incomum do amigo. Tenório havia estudado Medicina, mas a paixão pela música o fez abandonar o curso, e Brando acredita que ele seria o maior pianista brasileiro. Eles, amigos de juventude, partilhavam a boemia e a vida cultural do Rio de Janeiro. Tenório, descrito como espirituoso e engraçado, casou-se com Carmen, e tiveram cinco filhos, morando no Cosme Velho, seu último endereço.

Conhecido por seu estilo de vida boêmio e sedutor, Tenório Jr. teve vários romances. Um deles, com a cantora Dóris Monteiro, que faleceu em 2023 aos 88 anos. Ruy Castro relata um episódio no qual Dóris, “totalmente careta”, desceu do carro abruptamente após o músico acender um baseado em um sinal de trânsito. Esses casos extramatrimoniais incomodavam Carmen. Roberto, irmão de Carmen, revelou a Joyce Moreno que, mesmo que Tenório voltasse, a esposa provavelmente não o aceitaria, tamanha a exposição das “podridões” após o desaparecimento, incluindo a revelação da amante que o acompanhava na Argentina.

O compositor e pianista Cristovão Bastos, 78, relembra o impacto do disco “Embalo” na cena musical e lamenta o fim abrupto de um talento poderoso. Tenório Jr., apelidado carinhosamente de “Tenorinho” por Vinicius de Moraes, era “um dos melhores pianistas da bossa nova e um dos principais que o Brasil já teve”, nas palavras de Ruy Castro, que também figura no documentário animado dos espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal, “Atiraram no Pianista” (2023), sobre o caso.

Justiça e a Importância da Memória

A experiência da Argentina em julgar crimes de Estado oferece lições importantes. Luis Moreno Ocampo, 73, promotor do Juicio a Las Juntas, processo que julgou os repressores da ditadura militar argentina (1976-1983) – e tema do filme “Argentina, 1985” (2022) –, enfatiza a relevância de investigar e esclarecer a verdade para as vítimas e para a sociedade. Em face dos horrores em outras partes do mundo, como Gaza ou Ucrânia, Ocampo ressalta o uso de novas tecnologias e as técnicas aprimoradas pela Argentina, com apoio de geneticistas, para recuperar e identificar restos mortais sem destruí-los, o que culminou em avanços como a identificação dos avós e netos desaparecidos. Essas conquistas permitiram que, finalmente, a família de Tenório Jr. encontre algum encerramento. Compreender a natureza do crime de desaparecimento forçado é crucial: ele priva os familiares da dignidade do enterro, mantendo uma esperança cruel. Agora, embora a tristeza pela confirmação da morte de Tenório prevaleça, há a possibilidade de concluir esse longo e doloroso capítulo na história de sua família, um testemunho do compromisso argentino com a justiça de transição.

Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona

O esclarecimento sobre a **morte do pianista Tenório Jr.**, um talento inquestionável da música brasileira, lança luz sobre os anos sombrios da repressão na Argentina, antes mesmo da ditadura de 1976. A identificação de seu corpo, quase cinco décadas depois, representa um marco na busca por justiça e memória para as vítimas dos crimes de Estado na América do Sul. Continue acompanhando a cobertura completa em nossa editoria de Política para mais análises e atualizações sobre temas históricos e sociais.

Crédito da imagem: Divulgação

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