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O **Supremo Tribunal Federal (STF)** já formou maioria interna para barrar qualquer iniciativa de anistia ou indulto que beneficie o ex-presidente Jair Bolsonaro, especialmente no contexto de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A posição da Corte vem à tona após o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), articular com o Centrão a concessão de tais prerrogativas com o objetivo de livrar Bolsonaro de uma possível prisão ou de condenações iminentes.
A articulação política encabeçada por Tarcísio de Freitas, e o ímpeto com que o assunto ganhou relevância na Câmara dos Deputados durante a semana, surpreenderam membros do Poder Judiciário. A rápida progressão do tema gerou uma reação imediata no STF, onde magistrados expressaram a nula probabilidade de tais tentativas de perdão prosperarem. A discussão gira em torno da blindagem do sistema democrático, que, segundo o entendimento predominante na mais alta corte do país, impede o esquecimento ou a remissão de certas categorias de crimes.
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**Fundamentação Jurídica e o Precedente Daniel Silveira**
A base para a postura do STF reside na interpretação da Constituição Federal, que define explicitamente que crimes contra o Estado Democrático de Direito não podem ser anistiados ou perdoados. Embora não constem em um rol taxativo, os ministros defendem que a própria essência da Carta Magna e os valores que ela protege tornam implícita a impossibilidade de indultos para condutas que atentam contra a ordem constitucional.
Essa visão foi amplamente consolidada e explicitada pela maioria dos ministros em um julgamento crucial ocorrido em 2023. Naquela ocasião, a Corte derrubou o indulto concedido por Jair Bolsonaro ao então deputado federal Daniel Silveira, que havia sido condenado por crimes como incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. A decisão no caso Silveira serve agora como um forte precedente e “vacina” para situações futuras. Um magistrado da Corte, inclusive, comentou à coluna da Mônica Bergamo que o precedente “já ali demos a vacina para o problema”, demonstrando a antecipação de tal cenário.
**Implicações de um Indulto ou Anistia**
Se porventura o Congresso Nacional aprovasse uma anistia ou o Presidente da República concedesse um indulto após a conclusão dos julgamentos envolvendo Bolsonaro, o entendimento majoritário no Supremo Tribunal Federal indica que tais atos seriam imediatamente barrados. A previsão é que ao menos seis dos onze ministros votem contra a medida, repetindo a decisão tomada no caso Daniel Silveira. A prerrogativa presidencial de conceder indultos é vasta, mas não ilimitada, e não pode se sobrepor aos fundamentos de um Estado de Direito.
No caso do ex-parlamentar Daniel Silveira, a condenação ocorreu em abril de 2022, resultando em oito anos e nove meses de prisão. Rapidamente, Bolsonaro publicou o decreto de indulto. A Corte, porém, invalidou a ação presidencial, enfatizando que crimes contra a democracia possuem um caráter diferente e inatingível pelo perdão presidencial.
**Votos e Argumentos dos Ministros do STF**
A argumentação dos ministros durante o julgamento do indulto de Daniel Silveira reforçou a tese de que crimes contra a ordem constitucional são intocáveis:
### Ministro Dias Toffoli: A Dificuldade de Perdoar Ataques à Democracia
O ministro Dias Toffoli, ao proferir seu voto no caso, sublinhou que a questão central não era a moralidade de Bolsonaro conceder um indulto a um aliado. A pauta crucial, segundo ele, era o “fato de que a benesse é concedida a pessoa que praticou crimes que atentam contra o estado democrático de direito”.
“Tenho muita dificuldade de enxergar, nesse contexto, a possibilidade de aplicação do perdão constitucional aos crimes contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito”, afirmou o ministro, reiterando a gravidade das ações.
Toffoli esclareceu que, apesar de crimes contra o Estado Democrático não estarem explicitamente listados na Constituição ao lado de tortura, tráfico de drogas, terrorismo ou crimes hediondos como passíveis de não receberem indulto ou anistia, a própria Carta Magna define condutas contra a ordem constitucional e o estado democrático como inafiançáveis e imprescritíveis. Essa interpretação aponta para uma proteção implícita e mais profunda. “Nem mesmo o decurso do tempo não é capaz de apagar, de tornar inútil ou desnecessária a punição por esses crimes”, acrescentou Toffoli, enfatizando a durabilidade da condenação moral e jurídica. Ele concluiu que “nem tudo está escrito na Constituição. É óbvio que os valores intrínsecos, que inspiraram suas disposições expressas, encontram abrigo no texto constitucional e podem dele ser extraídos mediante interpretação, do que resulta que esses valores podem se traduzir em regras implícitas tão eficazes quanto as normas expressas.”
### Ministro Alexandre de Moraes: Limitação Implícita e o Exemplo de 8 de Janeiro
Alexandre de Moraes, relator de processos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023, foi enfático ao afirmar a existência de uma “limitação constitucional implícita à concessão de indulto contra crimes atentatórios ao Estado Democrático”. Para contextualizar sua posição, o ministro questionou a possibilidade de anistia coletiva para envolvidos nos ataques à democracia:
“Seria possível o Supremo Tribunal Federal aceitar indulto coletivo para todos aqueles que eventualmente vierem a ser condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, atentados contra a própria democracia, contra a própria Constituição? Obviamente que não, isso está implícito na Constituição Federal”.
Sua argumentação fortalece a ideia de que a defesa do regime democrático se sobrepõe a prerrogativas de perdão, garantindo a solidez institucional.
### Ministro Luiz Fux: Crimes Políticos Contra Cláusula Pétrea
O ministro Luiz Fux também demonstrou clareza em seu voto, classificando crimes contra o Estado Democrático de Direito como “crime político e impassível de anistia”. Ele vinculou a impossibilidade do perdão à natureza inalterável de certas garantias constitucionais:
“Eu faço aqui uma análise também sob o ângulo político, porque eu entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”.
A argumentação de Fux reforça o status do Estado Democrático de Direito como pilar fundamental da Constituição, intangível mesmo por modificações legislativas.
### Ministro Gilmar Mendes: O Limite da Prerrogativa de Poder
Gilmar Mendes seguiu uma linha de raciocínio similar, citando o jurista Lenio Streck para embasar seu voto. Segundo Streck, “um dispositivo legal ou constitucional [o indulto] que confere uma prerrogativa a um indivíduo em posição de poder [o presidente da República] traz limites que não estão necessariamente explícitos”. Estes limites inerentes ao próprio conceito de direito como instrumento de contenção do arbítrio, incluiriam o de perdoar crimes que ameaçam a estrutura democrática.
### Ministra Cármen Lúcia: A Fortaleza do Estado de Direito
A ministra Cármen Lúcia, embora não tenha se referido explicitamente aos tipos de crimes em questão, enfatizou a vulnerabilidade de se comprometer a essência do Estado de Direito. Utilizando uma analogia forte, ela disse que:
“o Estado de Direito é uma construção de uma fortaleza contra o arbítrio e de nada valeria se a gente pudesse colocar nessa fortaleza um portão de papelão, porque então se poderia arrebentar o tempo todo com esse tipo de atitude”.
Sua fala ilustra a necessidade de proteger o sistema jurídico e institucional de atos que fragilizariam sua integridade e capacidade de resistir a arbitrariedades.
Essas manifestações conjuntas e o precedente estabelecido no julgamento do caso Daniel Silveira solidificam a posição do Supremo Tribunal Federal de que a Constituição brasileira, ao estabelecer um Estado Democrático de Direito como cláusula pétrea e atribuir inafiançabilidade e imprescritibilidade a crimes que o violam, implicitamente veda a concessão de indultos e anistias para tais atos. Qualquer tentativa futura do Legislativo ou do Executivo nesse sentido encontrará uma firme barreira no Judiciário, confirmando que a proteção da democracia prevalece.
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Diante desse cenário, a expectativa é que, mesmo com a articulação política para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, a iniciativa seja efetivamente contida no Supremo, assegurando a coerência da jurisprudência e a primazia da defesa dos princípios democráticos expressos e implícitos na Carta Magna do Brasil.
Com informações de Mônica Bergamo/Folha de S.Paulo

Imagem: redir.folha.com.br
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