STF tem maioria contra Barroso sobre aborto legal de enfermeiro

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O Supremo Tribunal Federal (STF) já possui cinco votos decisivos para revogar a liminar emitida pelo ministro Luís Roberto Barroso, que na última sexta-feira, dia 17, permitiu que profissionais de enfermagem assistam em procedimentos de aborto dentro das permissões legais. A deliberação sobre o tema prossegue em plenário virtual e deve ser concluída até o próximo dia 24, conforme o calendário do Tribunal.

Até o momento, ministros como Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Kassio Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram contrariamente à medida. Barroso, em sua decisão, também havia suspendido quaisquer ações administrativas, penais ou judiciais movidas contra essas categorias de profissionais da saúde relacionadas à interrupção da gravidez em casos permitidos pela legislação brasileira.

STF tem maioria contra Barroso sobre aborto legal de enfermeiro

A controvérsia central gira em torno do Artigo 128 do Código Penal, que historicamente estabelece a não punição de médicos que realizam o aborto nos casos previstos em lei. A liminar de Barroso visava expandir essa prerrogativa, concedendo-a também a enfermeiros e técnicos, uma medida que o restante da corte parece rejeitar. Poucas horas após a publicação da decisão inicial de Barroso, a divergência entre os ministros já se mostrava clara.

Um dos primeiros a se opor à liminar foi o decano Gilmar Mendes. Em seu entendimento, não havia justificativa para uma medida de caráter liminar, especialmente pela ausência de urgência (periculum in mora). Mendes argumentou que uma das razões fundamentais para a concessão de uma liminar é o risco de um dano grave em caso de demora na decisão, condição que, em sua visão, não se aplicava à situação apresentada. “Sem adentrar em quaisquer dos aspectos pertinentes à matéria de fundo, entendo que não se faz presente o periculum in mora. […] Nesse sentido, entendo que a ausência de qualquer fato novo que justifique a atuação monocrática do Ministro Relator”, pontuou o ministro em sua manifestação.

A sexta-feira em que a decisão de Barroso foi proferida marcou também seu último dia de trabalho como ministro do Supremo antes de sua aposentadoria. Em sua argumentação, o ministro ressaltou o “déficit assistencial” que, segundo ele, comprometia a proteção de mulheres e, em especial, meninas vítimas de estupro. Neste contexto, Barroso considerou que seria facultado aos profissionais de enfermagem auxiliar no procedimento de interrupção da gestação nos casos em que esta fosse legalmente permitida.

Em outra seção de sua decisão, Barroso abordou as barreiras impostas por exigências não previstas em lei que dificultam o acesso ao aborto legal, citando a limitação da idade gestacional como um exemplo. Ele determinou que o poder público se abstivesse de criar obstáculos desnecessários e que não exigisse boletim de ocorrência para o acesso a este tipo de atendimento de saúde.

A decisão de Barroso destacou ainda que “o Brasil ignora parâmetros científicos internacionalmente reconhecidos, mantendo uma rede pública insuficiente, desarticulada e desigual”. Ele fez menção às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022, que qualificam o aborto como uma intervenção segura e não complexa, manejável por medicamentos, principalmente nos estágios iniciais da gravidez. Para aprofundar-se nessas diretrizes globais, é possível consultar as publicações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da OMS sobre o tema.

Barroso criticou a “ausência de políticas públicas que assegurem o acesso efetivo ao aborto legal”, afirmando que essa falha “obriga meninas e mulheres a suportar uma gestação forçada, configurando revitimização e sofrimento contínuo”. Para ele, a dificuldade de acesso ao procedimento legal representa uma violação da vedação à tortura e a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O ministro sublinhou que “a mulher que, após sofrer estupro, é compelida a manter uma gravidez indesejada, experimenta uma forma de tortura psicológica”.

Além disso, Barroso trouxe à discussão a proteção das crianças, citando dados alarmantes de mais de 16 mil partos por ano de meninas com menos de 14 anos no Brasil, chegando a 49.325 partos nesse grupo etário entre 2020 e 2022. “O cenário brasileiro evidencia uma grave omissão estrutural do Estado na garantia do aborto lícito no Brasil, em especial a meninas, mulheres e homens transsexuais vítimas de estupro. Embora o direito esteja assegurado em lei, o acesso efetivo é limitado e desigual”, declarou o ministro.

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Imagem: www1.folha.uol.com.br

Dados do Cadastro Nacional de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, referenciados por Barroso, indicam a existência de apenas 166 hospitais habilitados para realizar abortos legais em todo o país. Essas unidades de saúde estão localizadas em meros 3,6% dos municípios brasileiros, com mais de 40% delas concentradas na região Sudeste. A própria manifestação do Ministério da Saúde na ação revelou que, entre 2008 e 2015, ocorreram em média 200 mil internações anuais relacionadas a procedimentos de aborto, e de 2006 a 2015, registraram-se 770 óbitos maternos causados por aborto. O documento ainda ressalta que a maioria dessas mortes maternas seriam evitáveis.

Paralelamente, em seus atos finais na corte, o ministro também votou na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que busca a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Barroso acompanhou o voto da relatora original, Rosa Weber, posicionando-se favoravelmente à legalidade do procedimento.

Na ADPF 442, Barroso salientou a importância de registrar os elementos fundamentais de seu posicionamento de forma concisa, acompanhando o voto mais detalhado e fundamentado de Rosa Weber. Como relator em outras duas ações relacionadas ao tema (ADPF 1207 e ADPF 989), suas decisões demandaram maior pormenorização.

A ADPF 1207 especificamente solicita a permissão para que outros profissionais da saúde, incluindo enfermeiros, possam realizar o aborto legal. Já a ADPF 989 pleiteava que o Supremo estabelecesse mecanismos para assegurar o direito à interrupção da gravidez nas situações já amparadas pelo Código Penal – risco à vida da gestante e gestação resultante de estupro – e nos casos de fetos anencéfalos. Essa ação também requeria a declaração de um estado de coisas inconstitucional por parte da corte, o que resultaria em um acompanhamento e definição de diretrizes pelo tribunal no assunto, um pedido que o ministro, contudo, não acolheu em sua totalidade.

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Em suma, a decisão liminar do ministro Barroso, que visava expandir a participação de enfermeiros em procedimentos de aborto legal e remover barreiras adicionais ao acesso, está agora diante de uma possível reversão pela maioria do Supremo. Este desenvolvimento marca um ponto crucial na discussão sobre a interrupção da gravidez no Brasil, evidenciando as complexas intersecções entre legislação, saúde pública e direitos fundamentais. Para continuar acompanhando os desdobramentos de casos importantes no Supremo e análises aprofundadas sobre política nacional, explore mais em nossa editoria de Política.

Crédito da imagem: Evaristo Sá -29.set.2025/AFP