Onipresente nas paisagens urbanas sul-coreanas, desde os tradicionais bares até os restaurantes mais modernos, o soju, um destilado típico do país, transcende sua condição de bebida para se estabelecer como um ícone cultural. Sua presença é sentida de maneira expressiva em diversas manifestações da cultura popular contemporânea do país. Nas batidas contagiantes do K-pop, o soju frequentemente emerge como protagonista de famosos “drinking games”, momentos de diversão coletiva que reforçam sua integração ao lazer coreano. Do mesmo modo, as populares produções televisivas, conhecidas globalmente como K-dramas, destacam a bebida em cenas emblemáticas, seja em celebrações e encontros descontraídos ou em momentos de reflexão e desabafo. A íntima relação do soju com a rotina e o entretenimento dos sul-coreanos cimenta sua imagem como parte indissociável da vida diária e da experiência cultural nacional, expandindo sua notoriedade muito além das fronteiras físicas do país.
Esta inserção profunda na identidade sul-coreana pavimentou o caminho para que o soju começasse a conquistar uma forte presença nos mercados internacionais. No ano de 2024, as exportações do destilado sul-coreano alcançaram um patamar histórico, registrando um volume sem precedentes de US$ 104 milhões em vendas globais. Esse resultado representa o quarto ano consecutivo de elevação nas exportações, evidenciando uma tendência consolidada de crescimento e aceitação em outros países. Quando se analisam os dados de exportação com maior detalhe, percebe-se um impulsionamento ainda mais notável por parte da versão saborizada da bebida. O soju frutado, em particular, gerou US$ 96 milhões em vendas externas no mesmo período. Esse montante representa um salto exponencial se comparado aos números de 2019, quando o soju saborizado somava apenas US$ 29 milhões, ressaltando a crescente popularidade e o potencial de mercado dos produtos com variantes de sabor.
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A crescente projeção internacional do soju solidifica seu status como mais uma potente ferramenta no arsenal do soft power sul-coreano, a habilidade de um país influenciar a cena global por meio da atração e da persuasão cultural. Esse fenômeno, que já se manifesta vigorosamente em setores como a música pop (K-pop), o cinema, as aclamadas séries e novelas televisivas (K-dramas), a diversificada gastronomia e o design de moda, agora encontra no destilado uma nova expressão. A dimensão cultural do soju é intrinsecamente ligada à sua ascensão global. Mais do que o paladar que proporciona, a relevância do soju reside em seu profundo enraizamento na identidade coletiva da Coreia do Sul. Ele está presente e simbolicamente associado a momentos de profunda significância na vida dos indivíduos, marcando tanto celebrações vibrantes quanto períodos de reflexão e lamento.
Nesse contexto cultural, o soju adquire uma função vital de facilitador social, especialmente em uma região onde a formalidade nas interações humanas é uma característica proeminente. Kil Seon Kyeong, uma professora de ensino infantil de 42 anos que reside em Seul, a capital sul-coreana, descreve o soju com clareza e afeto como um “lubrificante social”. Sua observação enfatiza como a bebida pode descontrair ambientes, tornando os encontros mais leves e as conversas mais fluídas. Conforme explica Kyeong, “quando você se sente desconfortável com colegas de trabalho, uma dose faz com que um encontro fique mais leve”. A sua versatilidade emocional é igualmente notável; ela pontua que “e soju vai bem sempre. Nos dias tristes, bebo porque estou triste. Nos dias felizes, tomo porque estou feliz”, o que ressalta o papel multifacetado da bebida como companheira em todas as circunstâncias da vida, proporcionando conforto e celebrando a alegria, e efetivamente rompendo barreiras de comunicação. O soju atua, portanto, como um catalisador de conexão humana, facilitando a abertura e o engajamento pessoal e profissional.
A produção do soju se baseia em uma rica tradição, embora tenha evoluído ao longo do tempo. Tradicionalmente, este destilado é confeccionado a partir do arroz, grão fundamental na cultura e alimentação asiática. Contudo, a flexibilidade da sua fabricação permite que o soju seja produzido a partir de uma gama diversificada de bases, incluindo outros cereais como a cevada, ou mesmo a batata-doce. Essa variedade de insumos contribui para a vasta paleta de sabores e texturas encontradas nas diferentes marcas. No que tange ao seu teor alcoólico, as marcas de soju mais comercializadas e populares geralmente apresentam um volume que varia entre 12% e 24%. Essa faixa posiciona a bebida em um patamar de intensidade alcoólica ligeiramente superior ao das cervejas comerciais mais consumidas, que tipicamente possuem um teor alcoólico menor. Por outro lado, o soju se mantém significativamente mais leve e com teor alcoólico inferior se comparado a destilados mais potentes e difundidos globalmente, como o gin e a vodka, que usualmente exibem percentagens muito mais elevadas de álcool.
A popularidade contemporânea e a projeção internacional do soju estão inegavelmente entrelaçadas com o fenômeno da “onda cultural” sul-coreana, também conhecida como Hallyu. Essa perspectiva é reforçada por Irene Yoo, uma influente proprietária de um bar coreano-americano localizado em Nova York e autora do aguardado livro “How to Drink (and Eat!) Like a Korean”, programado para ser lançado em setembro. Yoo atribui de forma contundente o crescimento da popularidade do soju à vasta exposição cultural que a Coreia do Sul tem experimentado. Ela observa, com base em sua experiência e análise, que “parece que todo k-drama tem uma cena em que o protagonista chora o amor perdido bebendo soju”. Essa representação constante nas narrativas visuais do país contribui para a familiarização e para a construção de uma imagem associativa da bebida com momentos intensos e emocionais, conectando-a a sentimentos universais vivenciados pelos personagens. Além dos K-dramas, o destilado marca presença no universo musical. Yoo recorda o sucesso estrondoso da música “APT.”, uma colaboração entre a renomada cantora Rosé, membro da banda Blackpink, e o astro internacional Bruno Mars. A canção faz referência direta a um “drinking game” amplamente praticado na Coreia do Sul, evidenciando como o soju permeia diferentes formas de entretenimento e cultura pop.
A menção à canção “APT.” serve para ilustrar a relevância cultural do soju na vida social coreana, já que o título da música, “APT.”, é uma abreviação da palavra em inglês “apartment”, ou “apateu”, na fonética coreana. Essa designação é comumente utilizada para batizar um dos mais difundidos e populares “drinking games” praticados no país. Este é apenas um entre as muitas brincadeiras e rituais que envolvem a bebida, que são celebrados com entusiasmo pelos consumidores. A própria Irene Yoo, com um toque de humor e perícia, autodefine-se em sua conta no Instagram como uma “mestre em fazer redemoinhos de soju”. Essa habilidade consiste em agitar o líquido dentro da garrafa de forma a criar um efeito visual semelhante a um minitornado. Para amplificar a beleza desse redemoinho e destacar a coloração verde característica da maioria das garrafinhas de soju, alguns entusiastas chegam a usar a lanterna de seus telefones celulares para iluminar a bebida, transformando um simples ato de agitação em um espetáculo visual divertido.
As formas de interação lúdica com o soju não se limitam apenas ao “redemoinho”. O destilado é protagonista de uma miríade de brincadeiras e desafios sociais que se difundem, inclusive, através de vídeos populares na internet. Nestes vídeos, é possível observar exemplos de inventividade, como a construção de impressionantes “torres de shots”, onde os pequenos copos de soju são cuidadosamente equilibrados sobre hashis, demonstrando destreza e coordenação. Outra demonstração clássica de sua versatilidade e integração cultural é o ato de preparar o somaek, uma mistura extremamente popular de soju com cerveja, que é desfrutada amplamente na Coreia do Sul. Registros mostram até figuras proeminentes, como o presidente Lee Jae-myung, sendo filmado enquanto ele mesmo montava esse drinque tão apreciado, atestando a popularidade transversal da bebida, que transcende classes sociais e cargos. A variedade de preparos e o espírito comunitário em torno do soju demonstram o quão enraizado ele está na cultura sul-coreana, não apenas como um destilado, mas como um elemento agregador e de entretenimento.
Adicionalmente às brincadeiras e misturas, existe uma rica e específica etiqueta para consumir o soju, pautada por profundas raízes na filosofia confuciana, que historicamente moldou as interações sociais e hierarquias na Coreia. Esta filosofia enfatiza o senso de comunidade, o respeito aos mais velhos e às diferentes posições sociais. De acordo com esses rituais, os indivíduos mais velhos ou com maior status devem ser servidos antes dos mais jovens, uma demonstração de respeito e deferência. A forma de servir também é importante: se a pessoa que oferece a bebida for mais jovem ou tiver um status hierárquico inferior, ela deve segurar o copo com ambas as mãos ao recebê-lo. Em contextos mais formais, a garrafa de soju deve ser segurada com a mão direita, enquanto a mão esquerda repousa de forma discreta sobre o braço direito, um gesto que denota respeito e que é igualmente comum em situações como apertos de mão. Além dessas particularidades, um aspecto fundamental é que, independentemente da quantidade de vezes que a bebida for servida em uma rodada, um brinde cerimonial é sempre obrigatório. Essa ritualização da bebida reforça os laços sociais e mantém a coesão de grupo, ao mesmo tempo em que preserva as tradições culturais ancestrais, mesmo em tempos modernos.
A trajetória das exportações de soju tem se expandido significativamente para além de suas fronteiras históricas. Antigamente, a distribuição externa da bebida estava majoritariamente concentrada no mercado japonês, que servia como o principal destino internacional para o destilado. Contudo, essa dinâmica tem passado por uma notável transformação. No ano passado, as exportações de soju alcançaram impressionantes 95 países diferentes, um indicativo claro de sua crescente aceitação e demanda global. Os Estados Unidos emergiram como o principal importador, respondendo por 24,3% do total das vendas, seguidos de perto pela China, com uma participação de 19,9%. O Japão, embora tenha cedido a liderança, ainda figura como um comprador substancial, detendo 19,2% das exportações. As tendências iniciais de 2025 já indicam uma performance de vendas robusta para os meses de fevereiro. Diante desses números fortes e consistentes, a expectativa na Coreia do Sul é de que o ano de 2025 venha a superar, uma vez mais, o recorde estabelecido no ano anterior, solidificando ainda mais a presença internacional do soju no cenário global de bebidas alcoólicas.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O aumento notável da popularidade do soju no mercado global pode ser atribuído a uma combinação de fatores práticos e intrínsecos à bebida. Um dos elementos cruciais é o seu preço acessível, o que o torna um produto convidativo para um amplo espectro de consumidores em diversas economias. No Brasil, por exemplo, uma garrafa padrão de 360 ml pode ser encontrada por um valor aproximado de R$ 30, o que a posiciona competitivamente em relação a outras opções de destilados. Além do fator custo-benefício, o sabor neutro do soju contribui significativamente para sua aceitação generalizada. Vanessa Nakamura, uma respeitada sommelier especializada em saquê, oferece uma perspectiva interessante sobre o apelo da bebida. Ela descreve o soju como uma “bebida leve”, enfatizando sua característica de não sobrecarregar o paladar. A sommelier também destaca a proliferação das versões frutadas do soju, que, em suas palavras, o tornam “muito palatável” e ampliam seu espectro de consumidores, incluindo aqueles que talvez não sejam adeptos de destilados mais fortes ou com sabores mais complexos. Nakamura, no entanto, oferece uma visão sincera sobre o motivo do consumo predominante da bebida, afirmando que “as pessoas não tomam soju para degustar algo, é mais para ficar bêbado”. Essa franqueza revela que, para muitos, o soju cumpre uma função social de facilitação do consumo alcoólico, sem necessariamente o foco na apreciação profunda das nuances de sabor, um fator que pode ser mais prevalente em destilados de alto custo e produção sofisticada.
Embora ocasionalmente possa haver confusão, o soju e o saquê, um tradicional destilado japonês, são bebidas essencialmente diferentes, não apenas em termos de sabor e perfil aromático, mas principalmente no processo de fabricação. O soju é um destilado, o que implica em um processo de separação de álcool por meio de vaporização e condensação. Por outro lado, o saquê é uma bebida fermentada, processo no qual os açúcares presentes na matéria-prima são convertidos em álcool e gás carbônico por leveduras. Essas distinções técnicas resultam em características organolépticas bastante distintas para cada bebida. Adicionalmente, o alcance de mercado dessas bebidas no cenário global ainda exibe uma considerável discrepância. Em comparação, o saquê, no ano passado, alcançou uma exportação global de US$ 294,3 milhões. Esse volume substancial é um reflexo direto da ampla e crescente popularidade da culinária japonesa em escala mundial, que frequentemente impulsiona a demanda por suas bebidas tradicionais como um acompanhamento natural. A penetração global do soju, embora em franco crescimento, ainda não alcançou o patamar do saquê, ilustrando diferentes níveis de reconhecimento e consumo no cenário internacional.
A mencionada diferença de patamar no alcance internacional entre o soju e o saquê deve-se em grande parte ao fato de que, por um período considerável, a indústria sul-coreana não estava tão orientada ou focada em expandir sua atuação para o mercado exterior. No entanto, se o saquê não serve como a comparação mais exata em termos de técnica de produção, o destilado japonês que estabelece um paralelo mais preciso com o soju é o shochu. Ambas as bebidas compartilham a mesma etimologia e significado fundamental: “bebida destilada”. Há, inclusive, uma fascinante conexão histórica entre os dois. Os coreanos foram os pioneiros no desenvolvimento da técnica de destilação de grãos e foram fundamentais em introduzir essa inovação no Japão. Contudo, as trajetórias de desenvolvimento dessas bebidas divergiram. Conforme explica a especialista Irene Yoo, enquanto o shochu “preservou mais do método tradicional” de produção, o soju, por outro lado, adotou um perfil mais comercial e passou por uma transformação em seu perfil de sabor, adaptando-se a novas demandas e tecnologias de fabricação. Complementando essa análise, a sommelier Vanessa Nakamura destaca que o shochu se distingue por possuir “mais complexidades aromáticas”, o que confere a ele uma experiência sensorial mais rica. Além disso, Nakamura pontua a versatilidade do shochu, que pode ser desfrutado em diferentes temperaturas – quente, frio e até diluído em água – e também incorporado a uma vasta gama de drinques, de maneira similar à multifuncionalidade que o soju apresenta na mixologia.
A crescente presença do soju tem alcançado metrópoles globais, e em São Paulo, Brasil, a bebida sul-coreana já encontra um lar vibrante e diversas formas de consumo. Em casas de alta gastronomia, como o aclamado restaurante Komah, por exemplo, os apreciadores podem escolher entre um cardápio que oferece pelo menos cinco diferentes opções de coquetéis ou shots de soju, mostrando sua versatilidade em ambientes mais sofisticados. Para aqueles que buscam uma experiência mais autêntica e conectada à comunidade coreana local, o bairro do Bom Retiro se destaca como um reduto cultural. Ali, a “sojurinha” surge como uma alternativa de drinque particularmente popular e inovadora. E sim, como o nome sugere e a associação mental já induz, a sojurinha nada mais é do que uma releitura criativa da tradicional caipirinha brasileira, onde a cachaça é habilmente substituída pelo soju. Esta adaptação local do destilado sul-coreano para o paladar brasileiro ilustra a forma como o soju transcende suas origens e se mescla a novas culturas.
A inventiva mistura da sojurinha não se confinou às fronteiras brasileiras, expandindo-se para além do imaginado. A receita desta peculiar variação da caipirinha cativou tanto a especialista Irene Yoo que, após uma viagem de descoberta pelo Brasil, ela fez questão de incluir a sua versão no seu livro “How to Drink (and Eat!) Like a Korean”, introduzindo assim o conceito para um público global. No que diz respeito a harmonizações gastronômicas, Yoo recomenda que o soju seja acompanhado por comidas de sabor forte e marcante, criando um contraste interessante que complementa a bebida sem sobrecarregá-la. Suas sugestões incluem pratos apimentados, que ressaltam a neutralidade da bebida, frutos do mar frescos e saborosos, bem como uma variedade de carnes grelhadas. Em particular, o tradicional churrasco coreano, conhecido por seus cortes de carne, especialmente a barriga de porco (samgyeopsal), é apontado como um acompanhamento perfeito para o soju, uma combinação clássica que exalta os sabores de ambos. Essa sinergia entre soju e a culinária coreana robusta ressalta o seu papel como um elo entre a gastronomia e o prazer de beber.
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Apesar de todas as qualidades que o soju apresenta — a sua leveza, palatabilidade e capacidade de atuar como um elo social — é importante adotar uma postura de moderação ao degustar a bebida. Vanessa Nakamura, com um toque de humor e a sabedoria da experiência, alerta sobre as consequências de um consumo excessivo. Ela brinca, afirmando que “o soju é fácil de gostar, mas a verdade é que ele dá uma baita dor de cabeça”. A especialista prossegue, em tom sério, ao descrever o impacto pós-consumo: “a ressaca que ele dá depois não é legal, não”. Esse conselho final serve como uma ressalva para os entusiastas da bebida, um lembrete bem-humorado, mas fundamental, de que o prazer de desfrutar do soju deve ser sempre equilibrado com o bom senso e o cuidado com o bem-estar, a fim de evitar as repercussões menos agradáveis de uma indulgência desmedida.
Com informações de Folha de S.Paulo
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