Servidor Detran-SP Condenado: Códigos de Animais em Propina

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As investigações sobre esquemas de propina no Detran-SP em Saltinho, interior paulista, culminaram na condenação de um ex-servidor do órgão. O caso ganhou destaque pela forma como os valores eram combinados: através de um elaborado sistema de códigos que utilizava nomes de animais e doces para disfarçar o pagamento de vantagens ilícitas. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o funcionário público facilitava trâmites documentais de veículos de forma irregular em troca de dinheiro, movimentando um escritório de despachantes sediado em Campinas.

A trama revelou a complexidade de operações corruptas em unidades administrativas estaduais. O ex-servidor, que atuava como oficial administrativo, e três indivíduos associados ao escritório de despachantes foram considerados culpados em um processo judicial que detalhou a utilização de termos como “peixe” para se referir a cédulas de R$ 100, e “onça” para R$ 50. Além desses códigos, a palavra “chocolates” era frequentemente empregada para designar o dinheiro das propinas, conforme apurado pelas autoridades durante a fase de inquérito.

Servidor Detran-SP Condenado: Códigos de Animais em Propina

As conversas entre os acusados, acessadas no curso das investigações, demonstraram a naturalidade com que o sistema de codinomes era empregado para combinar os pagamentos ilícitos. Um grupo específico foi criado em aplicativo de mensagens com a finalidade exclusiva de negociar os subornos, garantindo que os acertos ocorressem de maneira aparentemente inofensiva. A naturalidade era tanta que, em algumas trocas, os envolvidos até faziam piadas sobre os termos, reforçando o conhecimento mútuo sobre a ilicitude das transações. Um despachante, por exemplo, chegou a brincar sobre a abertura de uma conhecida rede de lojas de chocolates em Saltinho, enquanto o servidor respondeu de forma cúmplice.

Após um dos acertos, o servidor, conforme os registros, manifestou contentamento: “A caça foi mto boa, peixes e onças. Mto obg”. Essa troca, entre outras, reforçou a convicção do MP-SP sobre a prática criminosa. As evidências colhidas incluíam não apenas a linguagem cifrada, mas também a constatação de um volume atípico de transações efetuadas pelo servidor no sistema do Detran-SP, desproporcional à demanda de uma cidade do porte de Saltinho, que conta com aproximadamente 8,3 mil habitantes.

Apesar da aparente informalidade, as mensagens também expunham as preocupações do servidor quanto à possibilidade de suas ações serem descobertas. Em alguns momentos, ele expressava receio de repreensões de seu superior direto ou de precisar desfazer procedimentos no sistema, o que evidenciaria a ausência de processo regular. “Só espero pelo amor de Deus q n desfaçam o negócio, pq quem desfaz no sistema e o diretor é vou tomar bronca por fazer sem processo rs”, dizia em uma das mensagens, sinalizando sua ciência das irregularidades.

Em outro diálogo, a atenção do servidor se voltava para a Ouvidoria, temendo questionamentos sobre procedimentos incompletos. Ele afirmava que, por precaução, passaria a lidar apenas com processos totalmente regulares naquele dia, evitando “dar brecha” para investigações. Tais mensagens foram interpretadas como prova de que ele tinha plena consciência da ilegalidade de suas ações e agia para mitigar os riscos de ser descoberto por suas falhas e transgressões funcionais dentro do Detran-SP.

O promotor de Justiça Dênis Parron, responsável pela denúncia, sublinhou que o ex-servidor “infringia dever funcional, fazia vista grossa dos documentos apresentados abstendo-se da necessária conferência e adequação – e realizava as baixas e autorizações solicitadas pelos corruptores”. As investigações detalharam que os integrantes do esquema chegaram a organizar-se em um grupo de aplicativo de mensagens, no qual o servidor de Saltinho funcionava como uma extensão do escritório de despachantes, executando suas solicitações ilícitas com prontidão. Mesmo estando em Campinas, os despachantes direcionavam a maioria de seus procedimentos para a unidade de trânsito de Saltinho, devido à corrupção com o funcionário cooptado.

A auditoria interna realizada pelo Detran-SP foi fundamental para desmascarar o esquema, ao identificar um volume de movimentações no sistema totalmente incompatível com a capacidade normal da unidade. Um marco significativo foi a constatação de que o acusado chegou a realizar mais de 700 transações em um único dia, uma evidência contundente da abrangência e intensidade da irregularidade. Essa capacidade de processar um volume tão elevado de solicitações em tão pouco tempo já indicava um método acelerado e sem o devido controle, configurando grave quebra de procedimento padrão.

As buscas e apreensões na residência e no local de trabalho do ex-servidor corroboraram as suspeitas. As autoridades encontraram e apreenderam R$ 168,2 mil em espécie, além de equipamentos. Na fase inicial do inquérito policial, o réu chegou a confessar que recebia R$ 10 por cada processo “agilizado” e que, quinzenalmente, acumulava cerca de R$ 6 mil em espécie, valor pago em praça pública na cidade. Ele ainda afirmou que a quantia apreendida em sua casa, aferida como recebida entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, era fruto desses acordos de propina com os outros acusados.

Servidor Detran-SP Condenado: Códigos de Animais em Propina - Imagem do artigo original

Imagem: g1.globo.com

A juíza Flavia de Cassia Gonzales de Oliveira, da 2ª Vara Criminal de Piracicaba, destacou na sentença a natureza inequívoca dos contatos, refutando qualquer alegação de que as mensagens se referiam a caçadas ou pescarias, em vez de propina. Ela enfatizou as frases do servidor como “pagando bem, ele executaria o trabalho” e a menção ao “Pix”, bem como o uso consistente do código “chocolates” ou “caixa de chocolates” para se referir ao pagamento. A magistrada também chamou atenção para o montante expressivo de dinheiro apreendido na casa do réu, que “não é comumente guardada em casa, a menos que se trate de valores que não podem ser movimentados em instituição financeira, para não levantarem suspeitas, em razão de serem ilícitos”. Para saber mais sobre como auditorias ajudam no controle de irregularidades, pode-se consultar materiais sobre auditoria e fiscalização de contas públicas.

Os dados do sistema mostraram que o servidor efetuava a liberação de documentações com intervalos de segundos entre uma e outra, um ritmo impossível para conferências e análises adequadas. A juíza argumentou que, “verificam-se nas conversas que ele sabia que havia ausência de documentação, mas, com a insistência dos corréus, acabou liberando a placa”, reforçando a sua culpa no esquema de corrupção.

Diante das provas, o servidor foi demitido de seu cargo público e condenado a uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão. Os demais réus, os despachantes, receberam pena de 3 anos de reclusão, contudo, a Justiça converteu as suas penas em prestação de serviços à comunidade e na obrigação de cada um pagar cinco salários mínimos como reparação. A decisão da magistrada levou em conta os pormenores do crime e o papel de cada envolvido, embora o ex-funcionário público tivesse uma responsabilidade adicional por sua posição no órgão.

Em nota oficial, o Detran-SP afirmou que, ao identificar a situação em janeiro de 2023, imediatamente reportou o caso à Polícia Civil e à Controladoria-Geral do Estado (CGE), iniciando todas as providências para a devida apuração dos fatos. Internamente, o órgão instaurou um processo disciplinar que culminou na demissão do servidor, com seu vínculo funcional encerrado em abril de 2024. O Detran-SP reiterou seu compromisso com a integridade e controle, informando a criação da Diretoria de Controle e Integridade em janeiro de 2025, um departamento técnico e autônomo responsável por auditoria, correição, gestão de riscos, transparência e acesso à informação. O departamento frisou ainda que intensificou sua atuação na prevenção e combate a irregularidades, adotando uma postura mais técnica e rigorosa.

A defesa do ex-servidor, em depoimento à Justiça, recuou da confissão feita inicialmente à polícia, alegando coação psicológica, mas a juíza desconsiderou tal alegação por falta de evidências. Os advogados do réu negaram todas as acusações, insistindo que não houve recebimento de valores indevidos ou favorecimento. Os réus ligados ao escritório de despachantes também mantiveram a negativa de terem pago propina, justificando que seus contatos eram meramente profissionais e necessários para esclarecer dúvidas e gerir processos transferidos para Saltinho em razão do aumento da demanda autorizada pelo Detran após o período de pandemia. A magistrada, contudo, avaliou que o conjunto de provas era contundente e suficiente para sustentar a condenação, baseando sua decisão em elementos sólidos das investigações.

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A condenação por propina no Detran-SP ressalta a importância da vigilância e das auditorias internas para coibir a corrupção em órgãos públicos. A complexidade do esquema, envolvendo códigos e diálogos velados, evidencia a tentativa dos envolvidos de mascarar a ilicitude. Continue acompanhando outras análises e notícias relevantes sobre transparência e combate à corrupção em nosso portal, acessando nossa seção de política para se manter informado.

Foto: Reprodução

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