O sentimento anti-Israel no Sudeste Asiático tem demonstrado uma crescente intensificação, um fenômeno amplificado significativamente pela propagação massiva de desinformação em diversas plataformas de redes sociais. Esse aumento de aversão vem à tona à medida que a severa crise humanitária na Faixa de Gaza reascende ressentimentos subjacentes contra turistas israelenses em diferentes nações da região.
Um exemplo notável dessa tendência surgiu em 29 de outubro, na ilha de Koh Phangan, localizada no sul da Tailândia. A aproximadamente três horas de viagem de Bangcoc, que inclui avião e barco, a ilha é mundialmente conhecida por sua Festa da Lua Cheia, evento que atrai até 40 mil visitantes internacionais por mês – um número que supera em mais que o dobro a população local. Contudo, em uma atmosfera já carregada, um restaurante na ilha surpreendeu ao exibir uma placa inequívoca: “Turistas israelenses não são permitidos”.
Pradinan Suksabai, o proprietário do estabelecimento em questão, detalhou à imprensa que, embora os israelenses representem aproximadamente 5% de sua clientela total, seus “maus modos” frequentemente se sobressaíam, citando como exemplo o hábito de ocupar mais assentos do que o necessário, mesmo em horários de pico. Ele iniciou a política de negar a entrada a indivíduos de nacionalidade israelense no começo de outubro, implementando um sistema de verificação que inclui a observação da placa e questionamentos diretos. Imediatamente após a adoção dessa medida, o restaurante enfrentou uma onda de críticas online, com mais de 4 mil avaliações negativas inundando sua página no Google Maps, fazendo sua classificação cair abruptamente de 4,8 para 2,3 estrelas em cinco. Entretanto, a situação reverteu-se com a repercussão da notícia nas redes sociais, que gerou uma enxurrada de avaliações positivas de tailandeses que manifestaram apoio à sua decisão. Pradinan reafirmou sua posição, declarando: “Temos o direito de escolher nossos clientes. Estrangeiros que respeitam o povo tailandês e a cultura local são bem-vindos.” Ele concluiu categoricamente: “Não tenho intenção de remover a placa, independentemente do assédio que eu receba.”
Sentimento Anti-Israel Aumenta no Sudeste Asiático
A ilha de Koh Phangan é, de fato, um polo turístico para visitantes israelenses. Dados do departamento de imigração da Tailândia revelam que cerca de 3 mil turistas de Israel estiveram na ilha entre janeiro e outubro, posicionando essa nacionalidade como a terceira em número de visitantes, atrás apenas de russos e britânicos. É importante notar que, após a pandemia de COVID-19, uma sinagoga foi construída na ilha para atender à comunidade. Narumol Maisopha, presidente da Associação de Hotéis e Turismo de Koh Phangan, corroborou o crescente desconforto, afirmando que “muitos empresários locais há muito consideram o comportamento dos turistas israelenses problemático.” Ela citou diversos exemplos de conduta, incluindo desrespeito às regras de trânsito, atitudes intimidatórias em relação a lojistas e a perturbação do sossego público, indicando que “a insatisfação dos moradores está vindo à tona”.
A situação foi exacerbada por um incidente de desinformação no início de outubro, quando uma influenciadora tailandesa propagou alegações infundadas nas redes sociais. A influenciadora divulgou que grande parte de israelenses estava comprando terrenos em Koh Phangan com o objetivo de inaugurar restaurantes e hotéis, com o suposto plano de transformar a ilha em uma “segunda Tel Aviv”. A publicação viralizou, sendo compartilhada por mais de 4 mil usuários, e a seção de comentários rapidamente se encheu de indivíduos que aceitaram a narrativa sem questionar. Muitas dessas mensagens expressavam temores de que “a Tailândia se tornará a terra prometida”, uma comparação à terra que Deus prometeu aos israelitas no Antigo Testamento, e que “os tailandeses não podem mais desfrutar da ilha”.
Apesar do crescente atrito, o fluxo turístico de Israel para a Tailândia mantém-se significativo. Entre janeiro e setembro, aproximadamente 310 mil turistas israelenses visitaram o país, colocando Israel na 20ª posição entre as nações e regiões em termos de número de visitantes, conforme o Ministério do Turismo e Esportes da Tailândia. O mais impressionante, porém, é que o aumento de 58% no fluxo de visitantes de Israel em comparação com o ano anterior representa a maior taxa de crescimento entre os 20 principais países e regiões de origem. Adicionalmente, a Tailândia e Israel mantêm laços profundos e complexos, especialmente com muitos imigrantes tailandeses encontrando emprego nos setores de agricultura e construção civil em Israel. É relevante destacar que, enquanto Israel não possui relações diplomáticas com países do Sudeste Asiático de maioria muçulmana, como Indonésia e Malásia, sua relação com a Tailândia, um país de maioria budista, é amigável.
Contudo, os eventos no Oriente Médio impactaram essa dinâmica. Durante os intensos confrontos entre o exército israelense e o Hamas, ocorridos em outubro de 2023, muitos trabalhadores tailandeses se viram tragicamente apanhados no fogo cruzado, resultando em pelo menos 40 mortes. A escalada do conflito no Oriente Médio transformou-se em uma preocupação premente para a sociedade tailandesa, o que, por sua vez, levou a opinião pública a se tornar consideravelmente mais sensível e crítica em relação ao comportamento dos turistas israelenses.

Imagem: Reprodução Nikkei Asia via valor.globo.com
A propagação de desinformação não se restringiu a Koh Phangan. Em fevereiro, a cidade de Pai, no noroeste da Tailândia, foi alvo de outra onda de notícias falsas. Veículos de comunicação tailandeses circularam alegações de que Pai estaria a caminho de se tornar um “assentamento israelense”. Apesar da prontidão do governo em desmentir essas informações, classificando-as como “infundadas”, a repercussão resultou em uma perceptível queda no número de turistas israelenses, que temiam possíveis hostilidades por parte dos moradores locais. A importância do turismo para a economia tailandesa é inegável, representando aproximadamente 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Diante da complexidade da situação, a Embaixada de Israel na Tailândia emitiu um comunicado oficial, exortando seus cidadãos a respeitarem as leis e costumes tailandeses. Contudo, o crescente atrito cultural e a disseminação de narrativas distorcidas estão catalisando um ciclo vicioso de desinformação, cujas consequências diretas incluem um impacto negativo e preocupante na economia do país. A situação reflete o sentimento generalizado, amplificado pela crise humanitária e pelas tensões globais. A intensificação das discussões sobre o conflito israelo-palestino, incluindo acusações formais em cortes internacionais, ilustra a sensibilidade global sobre o tema.
O sentimento anti-Israel no Sudeste Asiático não se limita à Tailândia, ecoando em outras nações da região. Na Malásia, um significativo protesto foi organizado em 26 de outubro contra a presença do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que participava de uma cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Centenas de manifestantes empunhavam cartazes que pediam a Trump para “parar de apoiar Netanyahu”, expressando forte desaprovação ao suporte americano ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Na Indonésia, país com a maior população muçulmana do mundo (aproximadamente 200 milhões de pessoas), o sentimento anti-Israel influenciou uma decisão política de peso. Em 19 de outubro, o país anunciou que não concederia vistos a atletas israelenses que estavam previstos para participar do Campeonato Mundial de Ginástica Artística, sediado em Jacarta. Essa decisão refletia a profunda sensibilidade do governo indonésio em relação à opinião pública de sua vasta comunidade muçulmana. Em resposta, o Comitê Olímpico Internacional (COI) declarou ter decidido “encerrar qualquer forma de diálogo” com a Indonésia sobre a possibilidade de sediar futuros eventos olímpicos. Erick Thohir, Ministro da Juventude e Esportes da Indonésia, justificou a posição do governo, afirmando: “Nós, do Ministério da Juventude e Esportes, como representantes do governo indonésio, aderimos ao princípio de manter a segurança, a ordem pública e o interesse público em todos os eventos internacionais.”
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Em suma, a crescente propagação de desinformação, aliada à intensificação da crise humanitária em Gaza e a incidentes específicos de comportamento, tem alimentado um aumento do sentimento anti-Israel no Sudeste Asiático. Essa dinâmica afeta desde a percepção de turistas até decisões políticas e econômicas, gerando atritos com potencial de impactar o turismo e as relações internacionais. Mantenha-se informado sobre os desdobramentos na editoria de Política em nosso blog.
Credito: Agence France-Presse
