Um estudo recente publicado na renomada revista *Science Advances* lança novas perspectivas sobre os fatores que contribuíram para o colapso parcial do mundo maia, apontando para uma prolongada seca de 13 anos consecutivos como um evento precipitador. O período crítico, compreendido entre os anos de 929 e 942 d.C., representa a mais extensa estiagem já documentada, cuja duração coincide precisamente com fases de significativa instabilidade política e um visível declínio urbano que afetaram intensamente o norte da península de Yucatán, na região onde hoje se localiza o México.
Esta análise detalhada revelou que a megasseca em questão se destacou como a mais rigorosa dentre um total de oito secas prolongadas identificadas e registradas há aproximadamente mil anos. Para as comunidades maias, cujas subsistências eram fundamentalmente dependentes de sistemas agrícolas voltados para o cultivo de culturas essenciais como milho, feijão e abóbora, a reincidência de crises climáticas dessa magnitude tinha implicações desastrosas. A repetição desses fenômenos significava não apenas a devastação sistemática de colheitas, mas também a emergência de períodos de fome estendida e o progressivo enfraquecimento do poder e da legitimidade dos seus líderes governamentais. Pesquisas anteriores, incluindo um estudo de 2023, já haviam estabelecido uma clara associação entre a ocorrência de secas de caráter extremo e episódios de desestabilização social, bem como um declínio político acentuado em toda a região maia.
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O mais recente trabalho, divulgado em 13 de agosto, aprofunda-se na compreensão de como a produtividade agrícola era intimamente ligada à previsibilidade e regularidade dos padrões pluviométricos. Esta dependência era particularmente crítica no cultivo do milho, um alimento central na dieta maia e na sua economia. Investigações precedentes indicam que, em cenários de estiagem severa, a quantidade de plantas comestíveis disponíveis em Yucatán podia experimentar uma redução drástica, chegando a até 89%. Esse cenário impactava diretamente a capacidade de sustentar grandes populações e manter a ordem social.
Segundo o arqueólogo Daniel H. James, pesquisador principal do estudo e ligado à University College London, no Reino Unido, as crises de tal longevidade tinham um efeito corrosivo sobre a legitimidade dos governantes maias. Estes líderes eram frequentemente vistos pela população como intermediários divinos, responsáveis por garantir a prosperidade e a ordem natural, incluindo as chuvas essenciais. James, em declaração à *Folha de S.Paulo*, enfatizou que “secas prolongadas minavam a autoridade dos reis sagrados maias e podiam desencadear uma espiral letal de risco, com consequências sociais extremas”. A percepção de que os reis falhavam em sua função divina desestabilizava a estrutura de poder, fomentando descontentamento e eventual revolta.
A descoberta fundamental que permitiu a reconstrução do regime de chuvas durante o período de declínio maia surgiu da análise de uma estalagmite, localizada em 2006 nas profundezas das Grutas Tzabnah, situadas na localidade de Tecoh, na região norte de Yucatán. Esse espécime natural, formado gradualmente gota a gota pela infiltração da água da chuva no solo acima da caverna, ao longo de séculos, foi moldando camadas de carbonato de cálcio. Essas camadas atuam como um arquivo geoquímico natural, preservando as assinaturas químicas da água da chuva em diferentes períodos, e assim, funcionando como um registro fidedigno do clima do passado.
No processo de investigação, a estalagmite foi meticulosamente fatiada em lâminas finíssimas e subsequentemente examinada em laboratório com técnicas avançadas. Essa abordagem possibilitou a detecção de padrões climáticos e a identificação precisa dos períodos de estiagem que afetaram a região. Daniel James, em seus comentários, destacou a impressionante resolução da análise, afirmando que “foi possível distinguir até estações chuvosas e secas individuais”. Essa granularidade na informação permitiu aos pesquisadores montar uma cronologia inédita e altamente detalhada das variações pluviométricas em um milênio de história climática maia.
Paralelamente, o paleoclimatologista Heitor Evangelista, que atua na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), complementou o panorama ao salientar que a incidência dessas secas se alinhou com um período globalmente reconhecido como Período Quente Medieval. Este período de temperaturas elevadas no Hemisfério Norte, ocorrido há cerca de mil anos, não apenas impactou a Península de Yucatán, mas também afetou de maneira significativa outras regiões do globo, indicando um contexto climático mais amplo que influenciou os fenômenos observados no território maia. Ainda nos dias de hoje, a variação e a imprevisibilidade dos regimes de chuvas representam uma constante preocupação central para os agricultores de etnia maia em Yucatán, conforme evidenciado por uma pesquisa contemporânea de origem mexicana, que ressalta a continuidade de desafios ambientais seculares.
Em sua engenhosidade, os maias não tardaram a desenvolver uma gama de soluções adaptativas e engenhosas para mitigar a crônica escassez de água que permeava seu ambiente. Entre suas notáveis inovações, encontram-se a escavação de extensos reservatórios, a construção de complexas cisternas subterrâneas para armazenamento de água da chuva, a implementação de sofisticados sistemas de irrigação e a diversificação de suas fontes de alimento, com a introdução da mandioca em suas dietas – uma cultura notavelmente mais resistente à seca em comparação com o milho, sua base alimentar tradicional.
No entanto, a eficácia dessas técnicas e inovações hidráulicas e agrícolas revelou-se limitada. Embora as estratégias funcionassem adequadamente e garantissem a subsistência durante secas de curta duração ou em anos de irregularidade climática menos intensa, elas se mostraram insuficientes diante dos “longos períodos de estiagem” que o estudo aponta. O manejo hídrico, por mais sofisticado que fosse, encontrava seus limites quando confrontado com a ausência prolongada de chuvas, que durava por mais de uma década, superando a capacidade de armazenamento e regeneração dos recursos hídricos.
A resposta e a resiliência à crise climática variaram notavelmente entre as distintas cidades-estados maias, evidenciando uma adaptação diversificada conforme suas características geográficas e econômicas. A cidade de Uxmal, situada em uma região particularmente fértil, conhecida como Puuc, exemplifica o impacto direto da megasseca. Registros arqueológicos indicam que por volta de 950 d.C., apenas oito anos após o fim da intensa estiagem de 13 anos, a construção de novos monumentos em Uxmal foi drasticamente interrompida. Este fato é interpretado como um sinal inequívoco de uma severa perda de força política e de recursos, sinalizando o início de um declínio acelerado.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Em contraste, a cidade de Chichén Itzá, localizada a uma distância de aproximadamente 90 quilômetros a leste de Tecoh, demonstrou uma capacidade superior de sustentação de suas obras e de sua complexa vida política por um período mais extenso. A resiliência de Chichén Itzá pode ser atribuída à sua bem-estabelecida e vasta rede de comércio e arrecadação de tributos. Essa estrutura permitia à cidade importar milho e outros recursos vitais de regiões mais distantes ou menos afetadas, fornecendo um mecanismo de segurança quando a produção agrícola local se mostrava insuficiente devido às condições climáticas adversas.
A pesquisadora Fernanda Lases Hernández, membro da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM) e coautora do estudo, aprofunda essa distinção, enfatizando o contraste percebido até mesmo dentro da própria Chichén Itzá. Segundo Hernández, o que ela denomina como o “Chichén Itzá velho”, caracterizado por seu estilo arquitetônico Puuc mais antigo, não conseguiu resistir eficazmente às crescentes pressões ambientais e sucumbiu de forma mais abrupta. Em contrapartida, o “Chichén Itzá novo” — uma fase posterior e mais adaptada da cidade — conseguiu ajustar-se melhor aos desafios. Essa adaptação foi em grande parte impulsionada por inovações significativas em suas obras hidráulicas e por uma notável expansão de sua rede de comércio de milho, envolvendo interações com diversas outras regiões. Apesar de todas essas estratégias e resiliência comparativa, o estudo sublinha que mesmo Chichén Itzá não pôde suportar indefinidamente a megasseca em toda a sua extensão e intensidade, eventualmente entrando em um processo de declínio, embora a cidade não tenha sido completamente abandonada, demonstrando uma persistência parcial.
O paleolimnólogo Mark Brenner, pesquisador da Universidade da Flórida (Estados Unidos) e também coautor do estudo, adverte para a necessidade de cautela ao estabelecer comparações diretas entre as secas históricas do passado e os desafios hídricos e climáticos da contemporaneidade. Ele ressalta que as sociedades modernas se beneficiam de avanços tecnológicos e de intrincadas redes globais de abastecimento, elementos ausentes nos tempos maias, que alteram o cenário de vulnerabilidade. No entanto, os registros históricos servem como um poderoso lembrete de que as vulnerabilidades humanas diante de eventos climáticos extremos persistiram por séculos após o colapso maia. Documentos coloniais, por exemplo, narram a ocorrência de secas severas entre os anos de 1648 e 1653, as quais precipitaram significativas quebras de safra de milho e resultaram em perdas populacionais dramáticas, estimadas entre 20% e 50%, conforme evidenciado por um estudo americano específico desse período.
No contexto atual, Fernanda Hernández reitera uma preocupação urgente: as tendências de aquecimento global projetam uma intensificação das estiagens na península de Yucatán nas próximas décadas. Para ela, a mensagem fundamental da pesquisa transcende a análise histórica e ressoa com clareza nos debates contemporâneos sobre resiliência climática. A resiliência não pode depender unicamente da implementação de grandiosas obras hidráulicas ou do avanço tecnológico isolado, mas exige um alicerce sólido de coesão social e cooperação comunitária. Complementando esse ponto, Daniel James reforça que a dependência excessiva de soluções técnicas que são complexas e dispendiosas acarreta o risco inerente de que estas permaneçam inacessíveis a uma vasta parcela da população global, exacerbando desigualdades existentes.
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Apesar das narrativas sobre rupturas populacionais e a desintegração de estruturas sociais, é crucial sublinhar que o povo maia não desapareceu de forma definitiva. Mark Brenner lembra enfaticamente que “Eles continuam a prosperar hoje e a manter muitos aspectos de sua língua e cultura”. Da mesma forma, Fernanda Hernández adiciona uma nuance importante: nem toda ocorrência de seca extrema resultou em abandono total de povoados ou colapso irreversível. Em muitos cenários, o que se observou foi uma notável capacidade de adaptação e uma persistência contínua, desmentindo a ideia de um fim absoluto da civilização maia.
O novo estudo, ao descodificar e apresentar uma cronologia inédita dos padrões pluviométricos de um milênio atrás, oferece uma contribuição valiosa para a compreensão de como o clima exerceu uma influência decisiva, moldando os destinos políticos e os desenvolvimentos urbanos nas regiões do norte maia. Além de elucidar o passado, a pesquisa serve como um alerta contemporâneo inequívoco. Ela reafirma a capacidade que o clima possui de reorganizar e redefinir sociedades inteiras, um fenômeno cuja relevância se mantém urgente frente aos desafios ambientais da atualidade.
Com informações de Folha de S.Paulo
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