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São Francisco de Assis: vida e legado do padroeiro da ecologia

Em 4 de outubro, católicos em todo o mundo celebram o dia de São Francisco de Assis, uma figura central e amplamente venerada da Igreja Católica. Reconhecido por sua devoção inabalável e por um respeito profundo por todas as formas de vida, São Francisco se tornou um símbolo duradouro da luta ambiental, inspirando a popularização […]

Em 4 de outubro, católicos em todo o mundo celebram o dia de São Francisco de Assis, uma figura central e amplamente venerada da Igreja Católica. Reconhecido por sua devoção inabalável e por um respeito profundo por todas as formas de vida, São Francisco se tornou um símbolo duradouro da luta ambiental, inspirando a popularização da visão de que todos os seres vivos são “irmãos na criação”. Essa perspectiva ecológica, embora considerada uma construção recente pelos pesquisadores da época medieval, firmou-se como um pilar de seu legado, associando-o intrinsecamente à ecologia e ao cuidado com os animais, refletindo seu reverente apreço por cada ser vivente.

De acordo com frei Mario Tagliari, reitor do Santuário São Francisco, em São Paulo, o relacionamento de Francisco com o mundo natural transcende a mera coexistência, configurando-se como uma fraternidade intrínseca. Para ele, animais e plantas são criações divinas, assim como os seres humanos, e, portanto, partilham uma mesma origem fraternal. A tradição católica estabelece que São Francisco faleceu na noite de 3 para 4 de outubro de 1226, motivo pelo qual a data é observada como seu dia comemorativo.

São Francisco de Assis: vida e legado do padroeiro da ecologia

Giovanni di Pietro di Bernardone nasceu em Assis, no território que hoje corresponde à Itália, por volta de 1181 ou 1182. Oriundo de uma família com certo prestígio e recursos, seu pai, Pietro di Bernardone dei Moriconi, era um bem-sucedido comerciante têxtil com conexões na burguesia da época. Sua mãe, Pica Bourlemont, tinha raízes francesas. A origem de seu apelido “Francisco” ainda gera debate entre os biógrafos, mas a hipótese mais aceita é que seria uma alusão à França. Alguns sugerem que ele, desde a infância, demonstrava uma admiração pela cultura, idioma e música francesa, enquanto outros defendem que seria uma homenagem familiar aos parentes franceses de sua mãe. Independentemente da exata motivação, há um consenso de que o nome Francesco (Francisco em português) já era utilizado por amigos desde sua juventude, antes de ele abraçar a vida religiosa.

Sua juventude é descrita como bastante efervescente. Francisco, caracterizado por sua natureza excêntrica e, por vezes, indisciplinada, nutria apreço por celebrações e bebidas, e não hesitava em usar a fortuna de seu pai para custear seus divertimentos. No entanto, por volta dos 23 anos, ele iniciou uma fase de profunda transformação, marcada por visões místicas recorrentes. Paulatinamente, Francisco começou a se desapegar dos prazeres mundanos, convicto de que um estilo de vida mais simples, próximo aos desfavorecidos, era o caminho a ser trilhado. Após um período de reclusão em uma caverna, ele decidiu renunciar ao matrimônio em favor de uma vida dedicada à religiosidade. Uma experiência particularmente tocante o levou a abordar um leproso — ao invés de evitá-lo, como era comum — oferecendo-lhe seu manto e sentindo uma alegria imensa ao testemunhar a gratidão nos olhos do homem. Este episódio, segundo seus biógrafos, marcou o ponto decisivo em sua jornada, culminando em sua dedicação total aos mais necessitados.

A Transformação e o Desapego Material

Após a profunda experiência, São Francisco tomou uma decisão drástica que exemplifica seu total desapego: ele vendeu os tecidos do estoque de seu pai a preços acessíveis na cidade e doou todo o montante à Igreja. Tal atitude provocou a ira de Pietro, que, ao encontrá-lo escondido em um celeiro, o levou de volta para casa, onde o aprisionou acorrentado no porão. Contudo, com a assistência de sua mãe, Francisco conseguiu escapar e procurou refúgio junto ao bispo local. O pai o seguiu, buscando não apenas explicações do filho, mas também do líder religioso.

Em um embate surpreendente e público, Francisco não apenas confrontou o pai, mas, num gesto de renúncia total, despiu-se de todas as suas vestes e as devolveu a ele, simbolizando o abandono de qualquer direito de herança. Partiu, então, sem nada, para uma vida dedicada aos pobres. A postura do jovem foi, segundo os relatos, admirada e abençoada pelo bispo presente. Esse evento teria ocorrido por volta de 1208. No ano seguinte, em 1209, São Francisco de Assis fundaria a Ordem dos Frades Menores, alicerçada em princípios claros de humildade, serviço aos pobres e uma conexão espiritual profunda com a natureza, definindo assim um novo caminho para a fé católica.

A Fundação da Ordem Franciscana e seu Caráter Reformador

A postura de Francisco, caracterizada por uma certa rebeldia em suas condutas para alcançar seus elevados ideais humanitários, levou muitos a enxergar seu papel como o de um genuíno reformador dos valores da Igreja Católica. Thiago Maerki, pesquisador de hagiologias da Universidade Federal de São Paulo e associado da Hagiography Society, nos Estados Unidos, analisa a figura de Francisco de Assis como um homem extraordinário. Ele argumenta que Francisco, muito antes de Martinho Lutero, “questionou a Igreja. Alguns pesquisadores dizem que ele foi um reformador sem sair da Igreja, pois questionava a riqueza e via a pobreza como algo significativo.”

Maerki enfatiza a postura humilde do santo, a quem se refere como o “santo da alegria”, sempre em busca da paz, da empatia, e com uma preocupação intrínseca pelos que sofriam. Essa preocupação com o sofrimento alheio, que São Francisco articulava já na Idade Média, criticando a miséria e a posição privilegiada do clero que frequentemente ignorava os necessitados, ressoa com grande atualidade. Suas ideias, segundo Maerki, “vão ao encontro daquilo que geralmente se prega no mundo contemporâneo, cada vez mais capitalista, material e do ‘eu sem pensar no outro'”. O pesquisador descreve a figura de Francisco de Assis como “extremamente simbólica”, especialmente porque, numa era onde muitos, inclusive a hierarquia eclesiástica, defendiam a riqueza, ele impôs em sua ordem uma vida de simplicidade, com frades habitando em moradias modestas e vestindo-se com o hábito franciscano, que correspondia à vestimenta dos pobres da época.

Frei Marcelo Toyansk Guimarães, da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos e assessor da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, complementa, chamando Francisco de Assis de uma pessoa “antissistema, uma pessoa desconcertante. Estava sempre ao lado dos pobres, mas conseguia dialogar e trazer essa vida para o seio da Igreja.” Guimarães conclui que São Francisco realizou um “processo radical de fraternidade com os mais pobres, mudando seu status de vida para ser pobre, e isso é sempre significativo.”

As Múltiplas Narrativas da Vida de São Francisco

A pesquisa sobre a vida e a obra de São Francisco de Assis revela um universo multifacetado. Embora muitos de seus contemporâneos tenham registrado sua trajetória em hagiografias escritas logo após sua morte em 1226, os primeiros franciscanos foram também palco de uma verdadeira disputa de narrativas. O estudioso Thiago Maerki, cuja trajetória acadêmica é dedicada a esse tema, aponta que a vida de Francisco “está envolta em polêmicas, e isso perpassa toda sua trajetória”. Ele menciona Tomás de Celano (c. 1200-1265) como autor do primeiro relato da vida do santo, que se tornou uma espécie de “legenda oficial”.

Contudo, outras narrativas começaram a surgir, redigidas por companheiros próximos de Francisco, revelando diferentes aspectos do santo. “São várias hagiografias e escritos que começam a apresentar versões e outras facetas do santo. O que a gente conhece hoje é fruto de uma tradição, uma construção de ‘muitos Franciscos’”, explica Maerki. Essa multiplicidade de visões gerou disputas internas dentro da ordem franciscana pela narrativa oficial. Por esse motivo, em 1260, João Boaventura (posteriormente São Boaventura) foi incumbido de “escrever uma nova vida [de São Francisco] para apaziguar os anônimos” e estabelecer uma “biografia oficial”. Consequentemente, foi emitido um decreto que desconsiderava todas as narrativas anteriores, e, segundo se acredita, muitos desses textos foram destruídos. No entanto, Maerki observa que alguns desses escritos sobreviveram por estarem guardados em bibliotecas de outras ordens religiosas ou em mãos de particulares que não acataram o decreto franciscano.

A versão oficial prevaleceu até o século XVII, quando estudiosos começaram a resgatar antigos relatos sobre São Francisco, buscando compor um quadro mais completo de sua vida. Atualmente, Maerki está engajado na edição de uma biografia de São Francisco, escrita originalmente em português no século XVI, por Marcos de Lisboa (1511-1591), intitulada “Crônicas da Ordem dos Frades Menores” (1557). O autor quinhentista, conforme revela Maerki, dedicou-se a viajar pela Europa para coletar textos sobre Francisco, um processo que demonstrava “um caráter científico de construção da história, não queria construir a história baseada em achismos ou naquilo que ouvia falar, não queria depender da tradição oral.”

A Ligação com a Natureza: Um Santo Ecológico na Percepção Moderna

Se, nos dias atuais, São Francisco de Assis é amplamente reconhecido como o patrono mais conectado ao meio ambiente, é fundamental ressaltar que essa interpretação não encontra ressonância direta nos discursos de sua época. Thiago Maerki enfatiza que essa associação “é uma construção muito recente”, e que a preocupação ambiental como a conhecemos “não era uma preocupação, uma demanda do mundo medieval”. O que se verifica nas primeiras “legendas” sobre São Francisco é, de fato, seu imenso respeito pela natureza, manifestado ao chamar o sol de “irmão”, a lua de “irmã”, e os pássaros de “irmãos”, referindo-se à Terra como uma “grande mãe”. Essa reverência fraterna foi, ao longo do tempo, reinterpretada sob uma lente ecológica, conferindo a ele o título de patrono do meio ambiente. No entanto, o estudioso reafirma que “essa não foi obviamente uma preocupação de São Francisco nem dos primeiros franciscanos.”

O teólogo e frade franciscano Luiz Carlos Susin destaca que a associação de São Francisco com a natureza está enraizada na iconografia. É, de fato, “muito difícil a gente ver uma representação dele sem um passarinho, sem um animal junto.” Susin aponta que a interpretação romântica do século XIX contribuiu para centralizar o sentimento na espiritualidade de Francisco, em oposição à racionalidade científica. Frei Mario Tagliari ilustra a profundidade de seu cuidado citando um biógrafo que relata o ato de Francisco em remover uma minhoca de um caminho para que não fosse pisoteada por uma cavalaria. Ele “pre রিൗ os peixes, aos pássaros. Por isso, tornou-se protetor da natureza e padroeiro da ecologia”, afirma Tagliari, reiterando que essa ecologia franciscana não é meramente utilitarista, mas fraterna, fundada na crença de que animais, plantas e humanos são criações divinas, formando uma irmandade universal. Essa visão foi oficialmente reconhecida pelo Papa João Paulo II, que, em novembro de 1999, por meio de carta apostólica, proclamou São Francisco como “o celeste padroeiro dos cultores da ecologia”. Frei Guimarães adiciona que Francisco “abre a ideia de sermos irmãos de toda a criação”, sendo o “santo das relações saudáveis e integradas”, que nos convida a reajustar nossas relações com a sociedade, Deus e a criação.

A Literatura e a Inspiração Italiana

Além de seu profundo legado religioso e ambiental, Francisco de Assis também deixou uma marca indelével na literatura. Sua obra mais celebrada é o famoso “Cântico das Criaturas”, também conhecido como “Cântico do Irmão Sol”. Este texto, originalmente redigido no dialeto da região da Úmbria, é apontado como um dos mais antigos registros escritos no idioma italiano, marcando um momento crucial para a emergência da língua. Thiago Maerki salienta a importância dessa contribuição: “Francisco é considerado por muitos teóricos como o primeiro poeta italiano, e isso não é pouca coisa. Foi um dos primeiros a escrever poesia no vernáculo italiano, no dialeto umbro. Torna-se muito importante para a literatura italiana.” O reconhecimento de sua grandeza literária não se restringe aos dias atuais. O próprio Dante Alighieri (1265-1321), considerado o maior poeta da língua italiana, dedicou a São Francisco todo o Cântico 11, referente ao Paraíso de sua obra-prima, A Divina Comédia, um testemunho eloquente de sua relevância e influência cultural.

A devoção a São Francisco se manifesta também nos mais altos cargos da Igreja. Quando, em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio foi apresentado ao mundo como o sucessor de Bento XVI na Praça de São Pedro, a escolha de seu nome pontifício gerou grande expectativa. Papas, pela tradição, adotam uma nova identidade que simboliza a mensagem e os objetivos de seu pontificado. Jorge Bergoglio se tornou Francisco, o primeiro papa da história da Igreja a escolher esse nome. Sua decisão, naquele instante, sinalizou ao mundo sua proposta, como um plano de governo que delinearia a tônica de seu papado, marcado pelo “cuidado com a casa comum”, proteção ecológica e pela caridade.

A Continuidade do Legado no Pontificado

O pontífice Francisco, conhecido por seu forte clamor pela necessidade de proteção ecológica e pelo “cuidado com a casa comum”, constantemente sublinha, em momentos de crise humanitária, a importância vital do acolhimento, da caridade e da inclusão dos mais pobres. Dessa forma, a atuação do Papa Francisco, oito séculos após São Francisco de Assis, ecoou diretamente os princípios de seu inspirador.

De acordo com o frei Mario Tagliari, a ligação entre o Papa Francisco e São Francisco de Assis é profunda, sendo este último uma fonte de inspiração crucial para a forma como o atual pontificado tem conduzido a Igreja. Tagliari explica que o Papa Francisco resgata uma Igreja mais alinhada com o evangelho, mais próxima dos ensinamentos de Jesus, ao se espelhar na radicalidade com que São Francisco viveu o Evangelho, provocando uma grande mudança, sempre em comunhão com a Igreja.

O teólogo Luiz Carlos Susin recorda que, hoje, muitos traçam um paralelo entre o “Francisco de Assis” e o “Francisco de Roma”, e tudo indica que a inspiração para a escolha do nome do pontífice veio, de fato, do santo de Assis. Susin aponta três eixos de conexão, evidentes na homilia de inauguração do pontificado: a busca por uma Igreja mais despojada, simples e pobre; o compromisso com o diálogo ecumênico e a defesa da paz; e o profundo cuidado com a criação e o meio ambiente.

Ainda segundo o artigo original, em uma atualização mais recente dos acontecimentos do Vaticano, o pontífice Francisco faleceu em 21 de abril, e seu sucessor, após um conclave de dois dias, foi Robert Prevost, dos Estados Unidos, que escolheu o nome Leão 14. O Papa Leão 14 tem, ao que indica a notícia, dado continuidade ao trabalho de seu antecessor, e, por extensão, ao legado de São Francisco de Assis em prol da natureza.

A matéria cita que, em uma quarta-feira (1º), o novo pontífice conclamou católicos e cidadãos globais a persistirem na defesa ambiental iniciada pelo Papa Francisco, ressaltando que essa causa não deve ser tratada como um ponto “divisivo”. A fala de Leão 14 ocorreu durante a cerimônia de abertura de uma conferência climática que celebra o décimo aniversário da “Laudato Si'”, o influente documento papal sobre a urgência de proteger a saúde planetária. Para aprofundar no tema, a encíclica “Laudato Si'” do Papa Francisco pode ser consultada no site oficial do Vaticano: Documento Laudato Si’.

Em seu discurso, o pontífice Leão 14 reforçou a indivisibilidade da ecologia integral em relação à justiça social e à assistência aos mais pobres, declarando: “Não se pode amar o Deus que não se vê desprezando suas criaturas”. Ele acrescentou que somos “uma única família, com um Pai comum; habitamos um mesmo planeta, do qual devemos cuidar juntos”. O pontífice também destacou a importância de futuros encontros internacionais, como a COP30, a sessão da FAO sobre segurança alimentar e a Cúpula da Água da ONU em 2026, atenderem ao “grito da Terra e o grito dos pobres”. Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, visitou o Vaticano durante o evento recente e estendeu o convite oficial ao Papa Leão 14 para participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, agendada para novembro em Belém.

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A trajetória de São Francisco de Assis, do jovem burguês rebelde ao padroeiro da ecologia, permanece um farol de inspiração para milhões de pessoas. Seu profundo respeito pela natureza e sua dedicação inabalável aos mais vulneráveis ressoam ainda hoje, inspirando não apenas movimentos ecológicos, mas também a própria liderança da Igreja Católica. Sua vida é um convite constante à simplicidade, à fraternidade e ao cuidado com a “casa comum”. Continue explorando histórias de fé e legado em nossa editoria de Análises para mais conteúdo instigante e bem pesquisado.

Crédito da imagem: Domínio Público via BBC / Edison Veiga via BBC / EPA via BBC

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