A persistente desigualdade na matemática tem sido uma das preocupações centrais no cenário educacional brasileiro, especialmente após os efeitos da pandemia de Covid-19. Os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), administrado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), demonstram um retrocesso significativo no desempenho de estudantes dos ensinos fundamental e médio, conforme ressaltado pela Dra. Lorena Hakak, doutora em economia e professora da FGV.
Os resultados, observados entre 2019 e 2021, evidenciam uma queda generalizada nas pontuações médias da disciplina. No 5º ano, as notas recuaram de 227,9 para 216,9. Já no 9º ano, o declínio foi de 263 para 256,3, enquanto no 3º ano do ensino médio, a média passou de 280,5 para 276,9. Esses números refletem o longo período de escolas fechadas no Brasil, um dos países com maior duração de paralisação educacional. Embora houvesse uma recuperação em 2023 em comparação a 2021, os índices ainda não alcançaram os patamares pré-pandemia de 2019. A próxima bateria de avaliações do Saeb ocorrerá no mês subsequente, com divulgação de dados prevista para 2026.
Saeb revela a desigualdade na matemática no ensino brasileiro
Um fator crucial que acentua a desigualdade na matemática é a lacuna de gênero que se manifesta ao longo de toda a jornada escolar. Esta disparidade tem repercussões significativas nas escolhas profissionais das alunas e, por conseguinte, na sua renda futura. Áreas com forte ligação à matemática tendem a oferecer remunerações médias mais elevadas. Apesar da crescente participação feminina no ensino superior, campos como finanças, ciência, tecnologia, engenharia e economia continuam com sub-representação feminina. Uma das explicações mais robustas para essa condição reside no desempenho historicamente inferior das meninas em matemática durante os anos de educação básica.
As análises detalhadas das provas do Saeb de 2023 revelam que a piora nos resultados não se distribui de maneira uniforme, apresentando claras clivagens de gênero e raça. Essas disparidades educacionais em matemática são visíveis já no final do ensino fundamental I. Enquanto a média nacional para o 5º ano foi de 224,8 pontos, a diferença entre meninos e meninas alcançou 2,9%. A distinção entre estudantes pretos, pardos e indígenas (PPI) e brancos e amarelos foi ainda maior, atingindo 6,6%. Ao se considerar a interseção de gênero e raça, a distância aumenta para expressivos 9,2%.
No 3º ano do ensino médio, que engloba as modalidades tradicional e integrada, a média nacional foi de 274,1 pontos, mas as disparidades persistem com números igualmente alarmantes. A diferença de gênero registra 2,6%, e a lacuna entre PPI e brancos e amarelos chega a 7,3%. Em uma comparação ainda mais marcante, a distância entre meninos brancos e amarelos e meninas PPI alcança 10% no desempenho em matemática, sublinhando a urgência em abordar a desigualdade no aprendizado da matemática de forma multidimensional.
Para mitigar esses desafios, a literatura pedagógica sugere diversas abordagens, entre as quais o “growth mindset” (mentalidade de crescimento) ganha destaque. Essa perspectiva defende que a crença na maleabilidade da inteligência pode impulsionar o desempenho acadêmico dos estudantes. Estimular uma mentalidade de crescimento fortalece a resiliência dos alunos, minimiza a ansiedade em relação à disciplina e solidifica a convicção de que o progresso é possível mediante esforço e dedicação. A presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero), Dra. Hakak, frisa a importância dessa metodologia. Para aprofundar-se sobre o Sistema de Avaliação da Educação Básica e seus resultados, acesse o portal do Inep.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Pesquisas indicam que estudantes inseridos em ambientes que promovem o “fixed mindset” (mentalidade fixa) estão mais suscetíveis a altos níveis de ansiedade e à “ameaça de estereótipo”. Este fenômeno descreve o receio de confirmar um estereótipo negativo associado ao seu grupo social através do próprio desempenho, e afeta, em média, meninas e estudantes PPI de forma mais intensa. Portanto, a implementação de práticas pedagógicas que valorizem e incentivem uma mentalidade de crescimento é essencial para edificar uma identidade matemática robusta em todos os alunos, independentemente de gênero ou origem étnico-racial, combatendo a desigualdade no acesso à matemática de qualidade.
Apesar da notável redução na taxa de natalidade no Brasil, o que teoricamente permitiria um aumento no investimento per capita por aluno e, consequentemente, uma melhora no desempenho escolar, o cenário ainda é distante do ideal. O país enfrenta a persistência de severas desigualdades educacionais na matemática e ocupa uma posição preocupante em comparação com outras nações. É imperativo que o Brasil priorize o investimento na qualidade do ensino, pois o atual desperdício de talentos representa uma das maiores perdas para o desenvolvimento nacional.
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As estatísticas evidenciam um retrato complexo da educação em matemática no Brasil, destacando a necessidade urgente de políticas públicas eficazes e de uma revisão nas metodologias de ensino para superar as lacunas educacionais na matemática. Aumentar o investimento na qualidade da educação básica e combater as desigualdades estruturais são passos cruciais para que o país reverta o quadro de desperdício de potencial humano e construa um futuro mais equitativo. Continue acompanhando a seção de Análises para mais informações e aprofundamentos sobre temas relevantes para o cenário brasileiro.
Crédito da imagem: Zanone Fraissat/Folhapress
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