Propriedade do Restaurante Jamile: Entenda o Labirinto Societário

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Após a tragédia que abalou o Restaurante Jamile em outubro de 2025, quando o desabamento de um mezanino vitimou a cozinheira Suênia Maria Tomé Bezerra e feriu outras cinco pessoas, a verdade por trás da propriedade do estabelecimento emergiu como um complexo enredo de trocas de donos e CNPJs. O local, situado na Bela Vista, em São Paulo, também esteve no centro de uma controversa ação que o isentou de acusações de estar sendo utilizado para blindar patrimônio da Cavalera, grife que se encontra sob processo de recuperação judicial em meio às cobranças de seus credores.

A identidade dos verdadeiros proprietários do espaço gastronômico parecia ser um tema simples antes da fatídica data de 8 de outubro. Publicamente, o chef Henrique Fogaça era associado ao Jamile, frequentemente afirmando ser sócio do empreendimento ao lado de Alberto Hiar, fundador da marca de vestuário Cavalera. Contudo, as declarações e a realidade legal se dissociaram drasticamente após o incidente.

Propriedade do Restaurante Jamile: Entenda o Labirinto Societário

O Restaurante Jamile, foco desta intricada investigação, foi um epicentro de polêmicas recentes. Em seguida ao desabamento, Henrique Fogaça se retratou publicamente, negando qualquer vínculo societário oficial com o restaurante, enquanto Alberto Hiar optou pelo silêncio, imerso nas repercussões. Conforme apurado, nenhum dos dois estava, de fato, oficialmente registrado como administrador ou sócio do Jamile. Essa reviravolta de versões está profundamente interligada a uma série de processos judiciais, alterações de CNPJ, registros junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e embates surgidos na recuperação judicial da Cavalera, tornando a estrutura societária do Jamile um verdadeiro quebra-cabeças.

Incidente e Negação de Vínculo

A fatalidade ocorrida no estabelecimento gerou uma rápida onda de esclarecimentos e contradições. Dias após o colapso do mezanino, as manifestações dos envolvidos foram alvo de escrutínio. Representantes da família Hiar, contatados reiteradas vezes por advogados ou diretamente, mantiveram-se em completo silêncio diante dos questionamentos sobre a propriedade do Restaurante Jamile. Já o chef Fogaça alegou ter participado de discussões sobre uma possível sociedade, mas que os planos não foram formalizados nem levados adiante, qualificando suas declarações anteriores como meramente “informais” e decorrentes de “afinidade” com o projeto e com Alberto Hiar.

Origem e Gestão Inicial do Jamile

A história oficial do Jamile começa em setembro de 2015 com sua inauguração. À época, o restaurante pertencia a Viviane Esteque, cunhada de Alberto Hiar, através da razão social Tredici Bar. Um mês após a abertura, em outubro do mesmo ano, Viviane concedeu uma procuração que delegava amplos poderes ao filho de Alberto, Hanna Hiar, para a gestão completa do estabelecimento. Esse mandato permitia a Hanna realizar diversas operações administrativas, incluindo abertura e fechamento de contas bancárias, efetuar retiradas e gerenciar contratações e demissões de funcionários. Esse arranjo de gestão persistiu até o final de 2020, quando Viviane registrou em ata a sua desistência do ponto comercial, realocando a empresa para outro endereço e alterando seu objeto social para serviços de hospedagem de internet.

O registro dessa ata, datado de outubro de 2020 na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e efetuado em 18 de janeiro de 2021, aconteceu poucos dias após a empresa Tredici Bar receber R$ 333 mil em transferências monetárias da K2, principal entidade controladora da Cavalera. Tal fluxo financeiro viria a ser um ponto chave em investigações futuras.

Acusação de Fraude e Ligação com a Cavalera

Em maio de 2021, a K2 solicitou recuperação judicial, obtendo suspensão de suas ações de execução após a aprovação do plano de reestruturação. Contudo, extratos bancários anexados ao processo de recuperação levantaram suspeitas no banco Santander, um dos maiores credores da controladora da Cavalera. A instituição bancária acusou judicialmente a K2 de transferir R$ 6,8 milhões para um grupo de terceiros que, embora relacionados à família fundadora da Cavalera, nunca haviam sido oficialmente integrados ao seu grupo econômico.

Segundo o Santander, essa movimentação financeira estratégica visava a blindagem do patrimônio da Cavalera, impossibilitando a liquidação forçada de suas dívidas por outros credores, configurando um “verdadeiro calote no mercado financeiro”. Na ação, Viviane Esteque e o Tredici Bar estavam entre os 24 alvos da acusação, sendo o restaurante expressamente referido como “do conhecido chef de cozinha Henrique Fogaça”. A argumentação do banco focou em dois elementos centrais que indicariam a confusão patrimonial entre o Jamile e a Cavalera: a procuração que conferia amplos poderes a Hanna Hiar e, subsequentemente, os repasses financeiros que a K2 realizou para a empresa de Viviane Esteque.

Em sua defesa judicial, Viviane declarou ser a única proprietária da empresa Tredici Bar, justificando a procuração concedida ao sobrinho como uma medida decorrente de problemas de saúde que enfrentava. A decisão judicial final inocentou Viviane e sua empresa das acusações. No entanto, metade dos 24 acusados, 12 ao total, foi punida e passou a responder solidariamente pela dívida com o Santander. O banco tentou, sem sucesso, recorrer para estender a responsabilização a todos os envolvidos. O processo foi definitivamente encerrado em 30 de setembro de 2025, nove dias antes da queda do mezanino no Restaurante Jamile.

Transfência da Marca Jamile

Desde que mudou seu endereço, a empresa de Viviane Hiar já não atua mais no mesmo ponto comercial do Jamile. O local físico opera agora sob o nome Studio Bar e Restaurante, utilizando um CNPJ registrado em nome de Mislaine Monteiro da Silva, residente de um conjunto habitacional na cidade de Itapevi (SP), que está à frente da gestão operacional do espaço. No entanto, “Jamile” é também uma marca registrada no INPI que, até julho de 2024, era propriedade do Tredici Bar de Viviane. Essa marca foi então transferida, de forma gratuita, para uma holding formada por dois novos sócios: Maria Luiza Hiar, filha de Alberto Hiar, e José Genilson Tomé Bezerra, irmão da cozinheira Suênia, a vítima fatal do desabamento.

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Imagem: www1.folha.uol.com.br

Essa transação de titularidade ocorreu strategicamente um mês antes do julgamento da ação do Santander, que havia investigado a suposta confusão patrimonial do Jamile com a Cavalera. A decisão judicial, apesar de isentar a proprietária anterior, Viviane Esteque, e sua empresa Tredici Bar, afetou Maria Luiza Hiar, que à época já era sócia da holding que detinha a marca Jamile no INPI.

Dúvidas sobre Credores e Ligações Atuais

O atual contador do Jamile, Maurício Pinheiro Lopes, segundo documentos da recuperação judicial da Cavalera, também prestou serviços à grife. Ele refutou a informação, afirmando não trabalhar para a Cavalera há mais de uma década. Atualmente, tanto a empresa Tredici Bar quanto o Studio Bar figuram como credoras da grife no processo de recuperação judicial, sendo representadas pela mesma advogada e declarando o mesmo endereço na Rua 13 de Maio. Essa petição foi assinada em 2022, embora o Tredici Bar não estivesse naquele endereço desde 2021.

Para um entendimento aprofundado sobre o processo de recuperação judicial, um mecanismo crucial para empresas em crise financeira no Brasil, diversas fontes confiáveis como o Jusbrasil oferecem informações detalhadas.

Posicionamentos dos Envolvidos

O Restaurante Jamile, por meio de sua assessoria, informou que sua prioridade, neste momento, é o acolhimento das vítimas do incidente e a colaboração integral com as autoridades. A instituição afirmou ainda que prestará os esclarecimentos necessários à Justiça quando for devidamente requisitada. A assessoria do chef Henrique Fogaça reiterou que sua participação limitou-se à identidade culinária e à assinatura do cardápio do Jamile. Segundo a assessoria, as declarações anteriores de Fogaça sobre ser sócio da empresa, inclusive com a citação de Anuar Tach como outro parceiro em entrevistas, foram apenas uma questão de afinidade e um sentido de colaboração, e não um vínculo jurídico formal. Fogaça “não possui qualquer relação com processos judiciais ou alegações de natureza patrimonial envolvendo terceiros”, concluiu a assessoria.

Tentativas de contato com Anuar Tach, citado em entrevistas de Fogaça, por meio de redes sociais não foram bem-sucedidas. A advogada responsável pela representação do Tredici e do Studio Bar na recuperação judicial da Cavalera também não atendeu às chamadas. O número de telefone cadastrado por Mislaine Monteiro da Silva, proprietária do Studio Bar, em um documento do processo de recuperação judicial, foi verificado como inexistente. Similarmente, o escritório jurídico que representa o grupo Cavalera no processo de recuperação judicial foi procurado por e-mail, mas não forneceu retorno.

Linha do Tempo: Os Fatos Detalhados

A complexidade da propriedade e das questões legais envolvendo o Restaurante Jamile e a Cavalera pode ser melhor compreendida por meio de uma cronologia:

  • Junho de 2015: O Tredici Bar, sob a titularidade de Viviane Esteque, é formalizado como microempresa (ME) e solicita o registro da marca Jamile junto ao INPI.
  • Setembro de 2015: O restaurante Jamile é oficialmente aberto ao público.
  • Outubro de 2015: Viviane Esteque, proprietária do Jamile, outorga uma procuração concedendo amplos poderes de gestão a seu sobrinho, Hanna Hiar, filho de Alberto Hiar.
  • Julho de 2019: O Studio Bar é registrado na Jucesp em nome de Mislaine Monteiro da Silva, e o CNPJ associado passa a operar o restaurante Jamile no local físico. O contador que assinou o requerimento de abertura é Maurício Pinheiro Lopes, que à época, de acordo com documentos, também prestava serviços para empresas ligadas à Cavalera, algo que ele nega.
  • Janeiro de 2021: O Tredici Bar recebe R$ 333 mil em transferências da K2, principal controladora da Cavalera. No mesmo mês, o Tredici Bar formaliza a renúncia do ponto comercial do restaurante e se redefine como uma empresa de hospedagem de internet, com sua sede alterada para um apartamento, mantendo o Studio Bar na gestão do negócio físico.
  • Maio de 2021: As controladoras da Cavalera ingressam com pedido de recuperação judicial.
  • Julho de 2021: O Santander, um dos principais credores do grupo, acusa 25 entidades, entre pessoas físicas e jurídicas – incluindo o Tredici Bar – de formarem parte de um grupo oculto da Cavalera com o propósito de blindagem patrimonial.
  • Junho de 2023: O Tredici Bar e Viviane Esteque se manifestam no processo judicial, com Viviane afirmando ser a única proprietária da empresa e refutando as alegações de blindagem patrimonial.
  • Julho de 2024: O Tredici Bar de Viviane Esteque transfere gratuitamente a patente da marca Jamile para a holding MG Gestão, cujos sócios são Maria Luiza Hiar, filha de Alberto, e José Genilson Bezerra, irmão da cozinheira vítima do desabamento.
  • Agosto de 2024: A Justiça acolhe parcialmente o pedido do Santander, reconhecendo que 12 dos envolvidos deveriam responder solidariamente pela dívida da K2 com o banco. A decisão negou o pedido contra Viviane Esteque e o Tredici, mas acatou contra Maria Luiza Hiar.
  • Outubro de 2025: O mezanino do Restaurante Jamile desaba, resultando na morte de Suênia Maria Tomé Bezerra, cozinheira e irmã de Genilson.
  • Outubro de 2025: O chef Henrique Fogaça, que ao longo dos anos fez várias declarações indicando sua sociedade no Jamile, passa a negar qualquer vínculo oficial de propriedade. Em entrevista, ele afirma que as declarações anteriores eram fruto de afinidade e caráter colaborativo, sem base jurídica.
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A intricada trajetória do Restaurante Jamile e suas conexões com a recuperação judicial da Cavalera revelam um complexo panorama societário e legal. O incidente fatal no Jamile, ocorrido em outubro de 2025, lançou luz sobre uma rede de mudanças de CNPJ, disputas patrimoniais e declarações conflitantes. Para continuar explorando temas de impacto nas finanças e nas empresas de grandes cidades, convidamos você a acessar a nossa editoria de Economia.

Crédito da imagem: Rafaela Araújo/Folhapress

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