A resiliência da democracia brasileira foi testada por ações associadas a um possível golpe de estado no país, que, no entanto, foi abortado por forças internas. Essa é a conclusão principal do professor Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, que também foi professor visitante no MIT e na Universidade Yale (EUA). Segundo Melo, a sobrevivência do regime democrático não se deu por um triz e não foi diretamente creditada às instituições tradicionalmente associadas à sua defesa no controle dessas ações, sublinhando a natureza “endógena” do seu impedimento.
O conhecimento detalhado sobre os planos e as manobras relacionadas a essa possível ruptura institucional só se tornou público por intermédio da delação premiada do Tenente-Coronel Mauro Cid. Esse fato é crucial para compreender que o desmantelamento da ameaça golpista ocorreu de maneira autônoma, sem que as instituições de controle, como se esperaria em uma situação de defesa democrática clássica, atuassem de forma imediata e determinante. A qualificação “direta” ou “diretamente” utilizada nas sentenças do professor Melo é vital para discernir o papel desempenhado por cada esfera durante esse período delicado.
Resiliência da Democracia Brasileira Frente a Ações Golpistas
A dinâmica observada se distancia do conceito de resistência ou “democratic backsliding” (retrocesso democrático) usualmente descrito na literatura. O professor Melo aponta que o retrocesso democrático, conforme tipicamente estudado, se manifesta através de ações cumulativas, ocorrendo em uma área cinzenta da legalidade ou por meio de violações abertas das regras institucionais perpetradas por líderes em exercício do poder. Contudo, o caso brasileiro apresentou características distintas, o que o torna um objeto de estudo incomum na ciência política.
Essa singularidade se evidencia quando comparamos a situação com cenários onde instituições atuaram proativamente, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE, por exemplo, tomou medidas contundentes contra iniciativas do presidente e seu partido que buscavam deslegitimar o processo eleitoral. Essas ações resultaram em sanções significativas, incluindo a inabilitação eleitoral de figuras importantes e a imposição de multas de valores inéditos. De forma semelhante, o Supremo Tribunal Federal (STF) interveio para suspender medidas do Poder Executivo, demonstrando capacidade de contenção.
A verdadeira força das instituições reside na contemporaneidade da ação e reação a abusos. O controle e a resistência são mais eficazes quando operam simultaneamente com a ocorrência dos atos ilícitos. Analogamente, a eficácia das punições também se difere. A responsabilização “ex post” (após o exercício do poder) de governantes, embora importante pelos impactos que gera na estrutura de incentivos para futuros agentes, é considerada uma forma mais frágil de controle. O professor Melo ressalta que a forma “robusta” de responsabilização se dá através do controle concomitante, ou seja, enquanto os detentores do poder ainda estão em suas funções.
A afirmação de que o plano golpista foi abortado endogenamente não implica que o resultado se deu por decisões isoladas de militares ou por um “triz”, como muitos poderiam crer. Marcus André Melo argumenta que a dinâmica da democracia brasileira foi moldada por fatores institucionais, sociais e estratégicos robustos. Dentre eles, destaca-se a atuação de um presidente que se encontrava em posição hiperminoritária tanto na Câmara quanto no Senado. Essa condição o limitou severamente, sendo contido por um Poder Legislativo que, em sua autonomia, se mostrou forte, e por um Poder Judiciário independente – independentemente de juízos de valor sobre suas ações específicas.
Outro ponto fundamental reside no perfil dos militares brasileiros, que se mostram razoavelmente profissionalizados. Além disso, o cenário geopolítico atual difere drasticamente do período da Guerra Fria, não havendo riscos críveis que pudessem justificar ou fomentar uma intervenção militar nos moldes passados. Isso criou um ambiente onde a aventura golpista possuía baixa probabilidade de sucesso.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Adicionalmente, a complexidade da sociedade civil brasileira, juntamente com a postura majoritariamente contrária de elites empresariais e políticas à quebra da ordem institucional, atuou como um freio significativo. Essa articulação de forças impediu que os desígnios antidemocráticos pudessem prosperar. A participação da sociedade civil e de setores influentes demonstra um amadurecimento que fortalece os alicerces democráticos, evidenciando uma verdadeira resiliência da democracia brasileira.
O julgamento e a responsabilização de atores individuais servem principalmente para sanções penais, mas possuem um valor limitado para análises comparativas sobre a longevidade democrática. As decisões individuais adquirem significado em seu contexto. Em nações empobrecidas, com instituições frágeis e sociedades civis debilitadas, a equação e o cálculo estratégico dos atores são completamente diferentes dos de um país como o Brasil, onde parâmetros como experiência democrática e complexidade social são outros.
Como anteriormente argumentado pelo professor em suas colunas, a não adesão a um golpe, seja pelo risco iminente de punição futura, pela baixa probabilidade de sucesso da empreitada, ou mesmo pelas preferências normativas pela democracia de alguns agentes-chave, é o resultado que verdadeiramente interessa. O evento, a “morte da democracia”, foi impedido. A não consumação dessa aventura, em si, não significa que, caso tivesse sido tentada, ela teria sido bem-sucedida, mas sim que a democracia brasileira possui mecanismos e fatores que atuaram como uma barreira protetora.
Para uma análise aprofundada sobre as instituições que sustentam a democracia brasileira, é crucial entender as bases constitucionais e as reformas históricas. As forças que impediram o retrocesso não operaram isoladamente, mas como um intrincado sistema de contrapesos, apoiado por uma sociedade em evolução, conforme discutido em análises políticas mais amplas.
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A compreensão dos múltiplos fatores que asseguram a estabilidade institucional é vital para que os cidadãos e as instituições continuem vigilantes e ativos na preservação dos princípios democráticos. Para mais conteúdo sobre o panorama político nacional e a dinâmica das instituições, convidamos você a explorar outras análises em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Divulgação/Marcus André Melo
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