TÍTULO: Resgate em MT: 96% dos trabalhadores negros explorados
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META DESCRIÇÃO: Relatório chocante revela que 96% dos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão em MT eram negros. Saiba os detalhes da operação em Porto Alegre do Norte.
Uma recente investigação revelou um cenário alarmante de trabalho análogo à escravidão em Porto Alegre do Norte, a 1.143 km de Cuiabá, no Mato Grosso, onde impressionantes 96% dos 586 trabalhadores resgatados eram negros. O dado foi divulgado nesta quarta-feira (8) em um relatório conjunto da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso e do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), acendendo o debate sobre a interseccionalidade entre raça e exploração trabalhista no país.
A operação que culminou nos resgates teve início em 20 de julho e trouxe à luz a situação degradante vivida por centenas de trabalhadores, recrutados principalmente das regiões Norte e Nordeste. Eles foram encontrados em um canteiro de obras localizado na zona rural do município, onde uma usina de etanol estava sendo construída. As autoridades, que contaram com o apoio essencial do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal, desvelaram um ambiente com condições insalubres e subumanas.
Resgate em MT: 96% dos trabalhadores negros explorados
A força-tarefa identificou um total de 586 indivíduos submetidos a essas condições, dos quais apenas três eram mulheres, atuando como cozinheiras. A maior parte dos trabalhadores era proveniente do Maranhão (70%), seguido por Piauí (9%), Mato Grosso (8%), Pará (6%) e Ceará (2%), refletindo um padrão de aliciamento em áreas com menor desenvolvimento econômico e maior vulnerabilidade social. Este perfil geográfico e racial sublinha a urgência de políticas públicas mais eficazes no combate à exploração e na garantia de direitos fundamentais.
As infrações apuradas foram graves e sistemáticas. Os alojamentos, instalados dentro do próprio canteiro de obras, estavam perigosamente superlotados. Vídeos chocantes registrados pelos próprios trabalhadores mostravam beliches desabando durante a noite devido à precariedade e ao tempo de uso, colocando em risco a vida dos ocupantes. Além disso, a constante falta de água e energia elétrica tornava o ambiente insuportável. Em uma das ocorrências mais chocantes, após a interrupção no abastecimento de água para mais de 500 trabalhadores, a empresa teria utilizado caminhões-pipa para encher as caixas d’água com líquido captado diretamente de um rio e sem qualquer tipo de tratamento, expondo a todos a sérios riscos sanitários. A ausência de ventiladores suficientes em um calor intenso completava o cenário de desamparo e desrespeito à dignidade humana.
A obra em questão era a construção de uma usina de etanol, sob a responsabilidade da empresa 3Tentos e executada pela TAO Construtora. A 3Tentos, que mantém outras quatro obras em andamento no estado, empregando cerca de 1.200 pessoas, destacou que a unidade em Porto Alegre do Norte representava o seu maior empreendimento na região. Após a repercussão da investigação, a 3Tentos declarou ter iniciado uma série de apurações internas para avaliar os fatos e definir medidas cabíveis, reforçando seu compromisso em colaborar plenamente com as autoridades investigadoras.
Por sua vez, a TAO Construtora informou estar cooperando com a Polícia Federal na investigação, e até o momento, não havia recebido nenhuma autuação formal relativa ao caso. A empresa alegou que alguns trabalhadores foram realocados devido a um incêndio em um dos alojamentos, supostamente provocado por colegas. A construtora mencionou ainda a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, de caráter emergencial e reparatório, mas sem, contudo, confessar culpa pelos eventos.
A investigação também levantou a hipótese de que o incêndio nos alojamentos, que causou perdas significativas para os trabalhadores, incluindo a totalidade de seus pertences, possa ter sido um ato de protesto contra as repetidas interrupções no fornecimento de água potável e energia elétrica. No dia do incidente, a Polícia Militar teria chegado ao local antes do Corpo de Bombeiros, utilizando balas de borracha e ameaçando os trabalhadores. Alguns deles foram detidos na delegacia local por até três dias e forçados a apresentar conversas de celular para provar sua inocência no incêndio, antes de serem liberados.
Conforme apontado pelos auditores, a empresa procedeu com a demissão de 17 trabalhadores por justa causa e impediu que outros, desejosos de retornar às suas cidades de origem, pudessem ser formalmente desligados. Essa prática coercitiva obrigou os trabalhadores a pedir demissão, abrindo mão de seus direitos, uma vez que estavam sem documentos e impossibilitados de prosseguir as atividades laborais. Durante o período de espera pelos trâmites de desligamento, muitos deles ficaram hospedados em casas ou em um ginásio da cidade, dependendo da boa vontade local.

Imagem: incêndio via g1.globo.com
Prejuízos e Fraudes Trabalhistas Identificados
A análise da auditoria fiscal revelou que, entre fevereiro de 2024 e julho de 2025, houve uma sonegação de aproximadamente R$ 3,9 milhões em verbas trabalhistas, resultantes de jornadas não declaradas. Esse montante inclui Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e os reflexos sobre outros benefícios salariais importantes como 13º salário, férias e descanso semanal remunerado, além dos prejuízos à Previdência Social. A investigação apontou que a sistemática de pagamentos “por fora”, que incluía o uso de cheques, era uma estratégia deliberada para evadir obrigações empresariais e negar os direitos legítimos dos trabalhadores. Essa conduta agrava ainda mais a exploração e precarização das relações de trabalho.
Detalhes das condições degradantes que os auditores identificaram na obra ilustram a dimensão do descaso:
- Alojamentos: Dormitórios com meros 12 m², projetados para até quatro pessoas por quarto, carecendo de ventilação adequada e climatização. Apenas um ventilador era disponibilizado para cada grupo de quatro trabalhadores. A superlotação era evidente, com alguns operários forçados a dormir no chão ou debaixo de mesas devido à ausência de camas. Colchões eram velhos, de baixa qualidade e cobertos apenas por um lençol fino, sem travesseiros, fronhas ou roupas de cama apropriadas. A inexistência de espaço para guardar pertences pessoais completava o quadro de desorganização e desrespeito.
- Infraestrutura e Saneamento: As falhas contínuas no fornecimento de energia elétrica resultavam na interrupção do abastecimento de água dos poços artesianos, obrigando os trabalhadores a tomar banhos com canecas, diante da ausência de água corrente e higiene. Longas filas para banheiros sujos eram a norma. Após o incêndio nos alojamentos, foi registrado o uso de água turva e não tratada, retirada diretamente do Rio Tapirapé, absolutamente imprópria para o consumo humano, configurando um risco grave à saúde.
- Condições de Trabalho: O canteiro de obras apresentava excesso de poeira e ambientes sem ventilação. Os refeitórios eram inadequados para o número de trabalhadores. A ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para a manipulação de produtos químicos era recorrente, expondo os empregados a perigos iminentes. Houve relatos de acidentes de trabalho não comunicados oficialmente e casos de lesões nas mãos e nos pés, além de doenças de pele. A empresa também deixou de emitir as Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), impedindo que os afetados tivessem acesso aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao atendimento médico necessário.
Definição Legal e Direitos dos Trabalhadores Resgatados
O conceito de trabalho análogo à escravidão é claramente tipificado no Código Penal brasileiro. Ele abrange a submissão de um indivíduo a trabalhos forçados ou a uma jornada exaustiva, bem como a sua manutenção em condições degradantes de trabalho. A restrição da locomoção por dívidas contraídas com o empregador ou seu preposto também se enquadra nessa definição, ressaltando a amplitude legal que busca proteger o trabalhador contra diversas formas de exploração. O combate a essa chaga social é uma prioridade para órgãos como o Ministério do Trabalho e Emprego, cuja atuação foi crucial neste resgate. Para aprofundar a compreensão sobre os esforços do governo brasileiro no combate a esta prática, é possível consultar o portal oficial do Ministério do Trabalho e Emprego. Para mais informações, acesse a seção dedicada ao combate ao trabalho escravo no Brasil.
Todo trabalhador que é resgatado por um auditor-fiscal do Trabalho tem o direito garantido por lei ao benefício denominado Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (SDTR). Este auxílio é pago em três parcelas, cada uma correspondente ao valor de um salário-mínimo. O SDTR, em conjunto com a garantia dos direitos trabalhistas devidos e cobrados dos empregadores, visa proporcionar condições mínimas para que o indivíduo possa reconstruir sua vida após vivenciar uma grave violação de seus direitos. Além disso, a pessoa resgatada é imediatamente encaminhada à rede de Assistência Social, onde recebe acolhimento e é direcionada para as políticas públicas mais adequadas às suas necessidades e ao seu perfil específico, garantindo um suporte essencial para a reintegração social.
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Diante da gravidade dos fatos e da reincidência de casos de trabalho análogo à escravidão, a denúncia se faz um instrumento vital. Para denunciar qualquer situação suspeita de exploração trabalhista, existe o Sistema Ipê, uma plataforma online onde o denunciante não precisa se identificar, podendo inserir o maior número possível de informações. Esse sistema permite que a fiscalização analise a pertinência do caso e realize as devidas verificações no local. Manter-se informado sobre as ações de combate à exploração e sobre como as políticas públicas estão sendo aplicadas é fundamental para todos. Acompanhe a editoria de Política de Goiás em nosso portal para mais análises e notícias sobre os desafios sociais e os avanços legislativos em nosso estado e no país, e continue lendo para entender as dinâmicas sociais e econômicas que impactam nossa sociedade.
Crédito da imagem: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/Ministério Público do Trabalho
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