O universo das emoções humanas e a forma como os indivíduos se relacionam com elas têm sido objeto de constantes ponderações. Recentemente, a noção de ‘coisar’ a vida emerge como um peculiar mecanismo de enfrentamento, uma tentativa de simplificar a complexidade inerente à existência. Essa abordagem descreve um fenômeno no qual sensações, sentimentos e até mesmo a própria rotina são despojados de suas designações específicas, sendo categorizados sob a denominação genérica de “coisa”. A prática revela uma profunda discussão sobre a busca por sentido, a negação de rótulos e as consequências de se viver em uma zona de indefinição.
A percepção individual da realidade, conforme esta linha de pensamento, é muitas vezes marcada por um estado de torpor existencial. Um indivíduo que adota essa filosofia pode, por exemplo, experimentar sentimentos difusos ao acordar, incapaz de distinguir entre fome, sede, saudade ou simples indolência. Tudo se condensa em uma única “coisa”. A justificativa para tal postura reside na aversão ao trabalho de nomear, um esforço que, para essa visão, é percebido como inútil, já que implica “coisar muitas coisas por coisa alguma”. O consumo matinal de uma bebida quente e escura, que pode ser café ou chá, é meramente o consumo de “coisa”, sem a necessidade de identificação ou memória da sua origem. Essa vivência se desenrola em um cenário agridoce e indefinido, onde tudo é permeado por essa indefinição singular.
Reflexão sobre o ato de ‘coisar’ a vida e seus dilemas
A comunicação social, sob a ótica de quem “coisa” a vida, também assume um padrão singular. Diante de perguntas sobre o próprio bem-estar, a resposta habitual é “Ah, tô naquela coisa, sabe?”. A reação do interlocutor, frequentemente de constrangimento, evolui para uma cumplicidade implícita na ignorância. Esse cenário evidenciaria uma característica humana profunda: a de que poucos realmente compreendem as complexidades da vida, mas quase todos se veem na posição de fingir que sim. Este tipo de interação valida a premissa de que a vida é um emaranhado de convenções sociais e suposições tácitas, onde a verdadeira essência muitas vezes permanece oculta sob camadas de evasivas.
A indiferença perante os sentimentos torna-se um traço marcante. Dias de tristeza são repelidos, com a alegação de estar “ocupado com outra coisa”. Alegria e aflição, outrora experiências distintas, são agora confundidas e misturadas sob o mesmo epíteto genérico. Nesse contexto, sentimentos deixam de ser forças motrizes para se tornarem um aglomerado de sensações desprovidas de manual de instruções. Eles perdem sua individualidade, diluindo-se na uniformidade do “coisa”, o que impede uma análise mais aprofundada das causas e efeitos dessas emoções na trajetória individual.
Contudo, viver incessantemente sob o véu do “coisar” carrega consigo um ônus considerável. O impacto mais alarmante recai sobre a saúde emocional e existencial. Um coração, habituado a ritmar amor, raiva ou esperança, passa a bater no compasso da “coisa”. Essa batida despersonalizada representa um risco intrínseco: a possibilidade de uma cessação abrupta sem aviso prévio, de uma explosão desprovida de motivo ou, mais dramaticamente, de um silêncio total e inesperado. A metáfora do “coração coisado” sugere uma alma em risco, onde a capacidade de sentir em sua plenitude é mitigada pela resignação e pela generalização excessiva.
Apesar dos riscos, há uma corrente de pensamento que percebe um certo grau de libertação nessa visão. Se tudo é meramente “coisa”, a necessidade de explicações detalhadas desaparece. Não há imperativo em justificar um choro inesperado em público ou um riso inoportuno. Tais manifestações são, afinal, apenas “coisas”, eventos aleatórios em um fluxo contínuo e sem lógica aparente. Essa ausência de explicação estende-se a reações intrínsecas, como o nó na garganta diante da vergonha ou a espontaneidade de um riso inadequado. Essa perspectiva oferece um refúgio da pesada carga da significação.

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No cerne dessa postura existencial, reside a crença de que apelidar o mundo de “coisa” é uma estratégia para lidar com o fardo imposto pelas palavras. A atribuição de nomes confere existência, e a existência, para alguns, é inerentemente dolorosa. Optar pela indefinição seria, assim, uma forma de permanecer no “limbo confortável do indizível”, preferindo a neutralidade do “coisar” à dura realidade de uma existência nomeada e, portanto, plena. Segundo estudiosos da filosofia existencialista, como pode ser visto em abordagens sobre o existencialismo, a liberdade e a responsabilidade de nomear a própria vida são temas centrais, mas também desafiadores.
Em momentos de solitude, particularmente antes de dormir, essa visão é confrontada por questionamentos internos. Surge a reflexão: e se a vida fosse, de fato, apenas uma sequência de “coisas”? Um ciclo que se inicia, outro que termina, e entre eles, uma infinidade de percalços rotulados como destino, amor, fracasso ou glória, mas que, na sua essência, seriam apenas “coisas”? Embora o desejo de justificar essa perspectiva como um método para aliviar o peso da vida seja forte, uma voz interna pode sussurrar a verdade incômoda: o ato de não nomear deriva do medo — medo de se expor como ridículo, insignificante, humano. Medo de admitir e processar sentimentos, e, no fundo, um medo profundo de vivenciar plenamente a própria existência.
Esse embate interno, entre o desejo de abstrair e a realidade da experiência, persiste. A pessoa “virava pro lado, ajeitava o travesseiro e suspirava”. O próprio sono torna-se uma “coisa” indistinta. A vida, nesse processo contínuo, navega entre o impulso de nomear e o esquecimento deliberado, entre o riso e o choro, e entre a dualidade de “coisa e coisar”. O ciclo da vida se manifesta em uma série interminável de “coisas”, onde a dificuldade em discernir a “coisa certa” leva à decisão de “coisar” de maneira contínua, uma ação de cada vez. Essa sucessão de atos gera uma sensação anônima, mas peculiar, que impede o indivíduo de se sentir completamente destituído de humanidade, pois “coisas” não sentem.
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A constante prática de “coisar” a vida, conforme a reflexão aqui abordada, destaca uma complexa dinâmica humana de enfrentamento diante da vastidão e ambiguidade da existência. Mais do que uma mera omissão de rótulos, é um espelho das profundas angústias sobre a identidade, a emoção e o verdadeiro significado de ser. Para mais análises aprofundadas sobre os diversos aspectos do comportamento humano e da sociedade, convidamos você a explorar outros artigos em nossa editoria de Análises.
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