A Receita Federal instituiu nesta sexta-feira (31) uma nova exigência que determina a identificação dos CPFs dos cotistas finais em fundos de investimento. A medida é uma iniciativa estratégica para incrementar a transparência do sistema financeiro nacional e fortalecer o combate a delitos graves, como lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio, atividades frequentemente ligadas ao crime organizado.
De acordo com Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, a resolução atual visa especificamente desarticular esquemas de lavagem operados por facções criminosas. Em declaração a jornalistas na cidade de São Paulo, o ministro esclareceu que a legislação atual permitia a criação de estruturas complexas, onde um fundo investia em outros fundos, que por sua vez eram cotistas de novas entidades, dificultando a identificação da pessoa física beneficiária.
Receita Exige CPF em Fundos para Rastrear Facções
“Atualmente, sabemos que, para camuflar a origem do dinheiro, diversos estratagemas são empregados. Uma tática comum envolve a criação de fundos em camadas, onde um fundo é cotista de outro, que é cotista de um terceiro, impedindo o acesso à pessoa física que detém a riqueza real”, detalhou Haddad. Com a implementação da nova norma, todos os fundos de investimento serão obrigados a reportar o CPF das pessoas físicas diretamente envolvidas, independentemente das camadas de investimento. Essa regulamentação visa, segundo Haddad, “desmantelar esquemas de pirâmide financeira e de controle mútuo de fundos, permitindo que as autoridades cheguem à pessoa física por trás da operação.”
O ministro enfatizou que o cenário em que “o cotista de um fundo é apenas outro fundo” será superado. A Receita Federal assegurou, por meio de nota oficial, que passará a coletar mensalmente, dos administradores de fundos de investimento, dados pormenorizados sobre todos os fundos e seus cotistas. Estas informações incluirão identificação completa dos participantes, valor do patrimônio líquido, quantidade de cotas detidas e a respectiva identificação (CPF ou CNPJ), entre outros dados cruciais. A coleta dessas informações será realizada através do sistema Coleta Nacional, já utilizado para envios regulares de dados ao Banco Central do Brasil (BC).
A Receita Federal classificou esses relatórios como “um avanço significativo, garantindo acesso a dados abrangentes e analíticos sobre fundos de investimento”, um passo importante na promoção da fiscalização e da transparência. Para mais detalhes sobre as normativas da Receita, os contribuintes podem acessar o site oficial da Receita Federal.
A Medida e a Megaoperação Contra o PCC
A formulação e a subsequente publicação desta resolução foram aceleradas após uma megaoperação conduzida pela Polícia Federal (PF) e o Ministério Público (MP) em agosto, que revelou a extensa infiltração de organizações criminosas no setor financeiro do país. Esta operação, direcionada ao Primeiro Comando da Capital (PCC), trouxe à tona como o crime organizado explorava brechas para lavar dinheiro e ocultar patrimônio.
As investigações detalhadas revelaram que o esquema empregava um mínimo de 40 fundos de investimento, além de diversas fintechs – empresas de serviços financeiros digitais – para executar a lavagem de dinheiro, dissimular transações complexas e efetivar a ocultação de ativos ilícitos. Além do financiamento das atividades criminosas do PCC, as apurações indicaram que o esquema gerava vultosos lucros na cadeia de combustíveis, estabelecendo uma intrincada rede de centenas de empresas abertas com o propósito de mascarar a verdadeira origem e destino dos recursos.
O Papel Crucial das Fintechs no Esquema de Lavagem de Dinheiro
A Polícia Federal constatou que a preferência por fintechs, em detrimento dos bancos tradicionais, era uma estratégia deliberada para dificultar o rastreamento dos valores financeiros ligados ao PCC. Em particular, a Receita Federal identificou uma dessas fintechs que operava como um “banco paralelo” para a facção, realizando a movimentação de mais de R$ 46 bilhões no período compreendido entre 2020 e 2024. Os mesmos operadores financeiros dessa estrutura central também controlavam um conjunto de fintechs menores, estabelecendo uma segunda camada de ocultação de capital e dificultando ainda mais as investigações. Parte significativa dos recursos cuja origem não foi comprovada foi destinada à aquisição de usinas sucroalcooleiras e à expansão do grupo criminoso, que assim passou a controlar também distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis. Os lucros provenientes dessas operações e o dinheiro lavado eram então investidos em fundos de investimento, cuidadosamente estruturados em múltiplas camadas de ocultação para escamotear os verdadeiros beneficiários.
Nesse cenário, a Receita Federal foi capaz de identificar pelo menos 40 fundos, tanto multimercado quanto imobiliários, com um patrimônio conjunto avaliado em R$ 30 bilhões, todos sob o controle do grupo criminoso. Uma característica notável é que muitos desses fundos operavam como entidades fechadas, com apenas um cotista, o que acentuava a dificuldade de rastrear os beneficiários reais sem a nova exigência do CPF.
Estratégia da “Asfixia Financeira”
Em sua fala na sexta-feira, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad reiterou a urgência de “asfixiar financeiramente o crime organizado”. Haddad fez um apelo público ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), solicitando sua influência para mobilizar a bancada de seu partido na Câmara dos Deputados em apoio à aprovação de um projeto de lei que endurece as regras contra o chamado “devedor contumaz”.
O devedor contumaz, conforme a legislação, é um contribuinte que, de forma consciente e persistente, deixa de quitar seus tributos com a finalidade de subverter a legislação fiscal. No contexto das operações de grande escala contra organizações criminosas – como o Comando Vermelho no Rio de Janeiro e o PCC na região da Faria Lima em São Paulo –, o ministro da Fazenda apontou uma ligação direta entre esses sonegadores habituais e a estrutura do crime organizado.
Segundo Haddad, há uma série de iniciativas em curso, em âmbito federal, direcionadas a sufocar as fontes de lucro das facções criminosas, incluindo as obtidas por meio de suas atividades ilícitas no setor de combustíveis. “Esta é uma das principais fontes de financiamento do crime organizado no Rio”, salientou. “Além da abordagem territorial, que consiste no cumprimento de mandados de prisão, sem a asfixia financeira, não alcançaremos o sucesso desejado. Precisamos agir estrategicamente na cúpula, combatendo e privando-os de seus recursos.”
Haddad defendeu que o projeto que visa apertar as rédeas sobre o devedor contumaz é uma medida crucial para combater eficazmente a atuação dessas facções. “Essa é uma expressão sofisticada para se referir a sonegadores. E por trás do sonegador, na verdade, reside o crime organizado”, declarou. “Eles se utilizam de manobras jurídicas fraudulentas para impedir que as autoridades alcancem as pessoas que estão envolvidas na lavagem de dinheiro por meio de supostas atividades lícitas.”
O ministro ainda salientou que a origem dos recursos do crime organizado é predominantemente ilícita, mas a estratégia passa por se misturar a atividades lícitas para branquear o capital. Como exemplos, citou a utilização de postos de gasolina, motéis e franquias de lojas para a ocultação de dinheiro. “Portanto, é imperativo que o partido do governador Cláudio Castro [PL] não se oponha ao projeto referente ao devedor contumaz, como o fez na semana passada”, frisou Haddad.
Na quinta-feira (30), a Câmara dos Deputados concedeu urgência à tramitação do projeto de lei que tem como meta o combate aos grandes devedores de impostos. O texto, que já havia sido endossado pelo Senado, deve ser pautado em breve para votação em plenário pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), segundo previsão do ministro Haddad. Na deliberação sobre a urgência do projeto, o Partido Liberal (PL) registrou o maior número de votos contrários: 35 deputados do PL votaram contra a proposta, enquanto 30 foram favoráveis.
“Gostaria de me dirigir ao governador Cláudio Castro com total clareza: uma parcela significativa do crime organizado atuante no estado do Rio de Janeiro está se protegendo por trás dessas estratégias jurídicas que esta legislação visa coibir”, afirmou o ministro da Fazenda, ressaltando a importância do apoio político para a efetividade das medidas propostas.
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Em suma, a nova exigência da Receita Federal para identificar o CPF de cotistas em fundos de investimento representa um passo crucial na estratégia nacional de combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, buscando maior transparência e eficácia nas investigações. Essa iniciativa, somada às discussões sobre o devedor contumaz, reflete o compromisso governamental em desmantelar as estruturas financeiras ilícitas. Mantenha-se atualizado com as últimas novidades sobre economia e política em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


