Os Protestos da Geração Z, grupo demográfico composto por indivíduos nascidos entre meados de 1990 e o início da década de 2010, estão ganhando destaque global. Esses movimentos de manifestação, predominantemente juvenis, já provocaram significativas alterações em diversos cenários políticos internacionais, culminando inclusive na derrubada de governos em nações como Nepal e Madagascar.
No Peru, a crescente onda de violência desencadeada por tais manifestações levou o presidente recém-empossado a instituir um estado de emergência com duração de 30 dias. A insatisfação juvenil também se fez presente em nações como Indonésia, Filipinas e Marrocos, com pautas variadas, mas todas ecoando um sentimento coletivo de descontentamento. Mas o que, afinal, unifica essa parcela jovem em tantos países distintos, fomentando tais mobilizações em escala mundial?
Protestos da Geração Z: Motivações Globais por Trás dos Atos
De acordo com análises do Professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, em entrevista a Natuza Nery no podcast “O Assunto”, esses movimentos são impulsionados por um pessimismo palpável e uma maciça presença de jovens que expressam profunda insatisfação com as elites tanto políticas quanto econômicas. A conectividade digital, aliada a outras percepções e demandas comuns, configura a base dessas articulações globais. Oliver Stuenkel delineou várias razões que solidificam a união desses jovens ao redor do planeta.
Entre as principais causas que congregam esses jovens estão a percepção disseminada de que as elites políticas se encontram drasticamente desconectadas dos problemas cotidianos e reais enfrentados pela população. Soma-se a isso uma desconfiança crescente nas instituições tradicionais, vista como incapazes de representar e atender aos anseios de uma nova geração. A insatisfação é igualmente alta em relação à qualidade dos serviços públicos, bem como à incapacidade do Estado de prover respostas efetivas às demandas emergentes.
A desigualdade econômica é apontada como uma fonte primária de mal-estar, corroendo as perspectivas de futuro. Muitos jovens da Geração Z carregam a sensação de que o esforço individual, diferentemente de gerações anteriores, já não é mais um garante de ascensão social. Há uma latente diferença geracional, onde a crença de que terão acesso às mesmas oportunidades de seus antecessores é praticamente inexistente, agravando o cenário de incerteza. Esse contexto é ainda mais complexo pela crescente instabilidade econômica e geopolítica global. O rápido avanço das novas tecnologias também desempenha um papel, introduzindo mudanças vertiginosas que, embora prometam progresso, podem intensificar a insegurança quanto ao futuro do trabalho e a estabilidade profissional.
O Simbolismo por Trás do Mangá One Piece
Um aspecto peculiar e de grande relevância nas manifestações é a adoção de um símbolo unificador em meio à interconectividade digital: a bandeira do mangá japonês “One Piece”. Oliver Stuenkel enfatiza que, embora o pessimismo seja um traço marcante em todos os protestos, a cultura pop atua como um elemento aglutinador. A narrativa de “One Piece”, lançada em mangá em 1997 e adaptada para anime em 1999, centra-se em piratas que combatem uma oligarquia corrupta. Essa simbologia não é exclusiva do chamado Sul Global, tendo sido observada, inclusive, em recentes manifestações nos Estados Unidos, conforme relatou o professor. É, portanto, um fenômeno verdadeiramente global que, apesar das diferenças regionais, consegue conectar profundamente os jovens manifestantes.
A história de “One Piece” retrata um mundo essencialmente aquático onde o protagonista almeja ser o “Rei dos Piratas”. A bandeira associada a essa saga se tornou, para os manifestantes, um poderoso ícone de insurreição contra regimes e poderes autoritários. Stuenkel ressalta que essa bandeira não simboliza apenas resistência e insatisfação; ela também pode evocar um otimismo contido. Um otimismo que reside na convicção de que, através das manifestações e da pressão popular, é factível gerar uma mudança positiva. Este ideal é um motivador central para a participação em protestos.

Imagem: g1.globo.com
Desafios e Lições: Do Vácuo Político ao Exemplo do Chile
Apesar da energia transformadora que as manifestações juvenis carregam, Oliver Stuenkel também alertou sobre os potenciais impactos negativos. É um desafio considerável traduzir a força e a mobilização das ruas em avanços institucionais concretos. Além disso, a derrubada de um governo, como exemplificado em Madagascar, pode gerar um perigoso vácuo político, que muitas vezes é rapidamente preenchido por Forças Armadas, instaurando um ciclo de instabilidade e repressão. A ausência de estabilidade política é um terreno fértil para o aumento do risco de medidas repressivas.
Contudo, existem exemplos que indicam caminhos mais promissores. O Chile, nesse sentido, é citado como um modelo de país que demonstrou capacidade para gerenciar a instabilidade gerada pelos protestos, promovendo a participação cívica e abrindo as portas do poder para uma nova geração. Embora as tentativas de reformular a Constituição chilena não tenham se concretizado, o processo levou figuras como o atual presidente Gabriel Boric, que representa essa nova leva de líderes, ao comando do país. O Chile tem presenciado um debate político organizado e maduro, com candidatos jovens à direita e à esquerda, refletindo uma sociedade engajada na discussão sobre o futuro da nação. Este cenário chileno é, para Stuenkel, o “melhor cenário”, pois ilustra como manifestações podem pavimentar o caminho para a renovação política e o fortalecimento democrático.
Em suma, os protestos da Geração Z ao redor do globo, embora diversificados em suas especificidades nacionais, compartilham um alicerce comum de descontentamento com as estruturas políticas e econômicas vigentes. Da desconexão das elites à insatisfação com serviços públicos e a um futuro incerto, a voz dos jovens se ergue, buscando na conectividade e em símbolos como “One Piece” formas de expressão e união. Os desafios são claros, mas a história do Chile oferece um vislumbre de como a mobilização pode, sob certas condições, catalisar mudanças positivas e promover a renovação política.
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Crédito da Imagem: Um manifestante usa uma máscara enquanto olha perto de uma bandeira de ‘One Piece’ durante um protesto em Madagascar, em 3 de outubro de 2025 Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters / Jovens tiram selfie com o palácio do governo do Nepal em chamas ao fundo, em 9 de setembro de 2025 Foto: AP Photo/Niranjan Shrestha




