Protestos contra Trump tomam ruas dos EUA em clima de festa

Últimas Notícias

Milhares de cidadãos saíram às ruas em diversas cidades dos Estados Unidos neste sábado, 18 de janeiro, em amplos protestos contra Trump, marcados pelo lema “No Kings” (“Sem Reis”). As manifestações, que se estenderam por diversas metrópoles americanas e também em partes da Europa, expressaram uma profunda desaprovação à gestão do então presidente Donald Trump, com muitos eventos adotando um tom de festa de rua, apesar da seriedade das críticas direcionadas ao que os participantes consideram uma guinada autoritária no governo.

Grandes multidões se reuniram, preenchendo locais icônicos como a Times Square, em Nova York, e parques centrais de Boston, Atlanta e Chicago. A capital Washington, assim como o centro de Los Angeles, também foi palco de atos massivos. Os manifestantes carregavam faixas gigantes com o preâmbulo “We, the people” (“Nós, o povo”) da Constituição dos EUA, desfilavam com bandas marciais e vestiam fantasias criativas, conferindo aos eventos um ambiente visualmente marcante. Estas demonstrações representaram a terceira mobilização em larga escala desde o retorno de Trump à Casa Branca, ocorrendo em um momento de profunda paralisação governamental. A suspensão de serviços federais aprofundou uma crise de equilíbrio de poderes, com o Executivo confrontando agressivamente o Congresso e os tribunais, o que os organizadores dos protestos denunciam como um “deslize rumo ao autoritarismo”.

Protestos contra Trump tomam ruas dos EUA em clima de festa

O Partido Republicano, por sua vez, tentou minimizar a relevância desses movimentos, classificando-os como “protestos antiamericanos”. No entanto, a mensagem dos manifestantes foi ecoada por diversas vozes, incluindo a de Shawn Howard, um veterano da Guerra do Iraque que, em Washington, revelou à Associated Press que era sua primeira vez em um protesto. Motivado pelo que percebeu como o desrespeito à lei por parte da administração Trump, Howard destacou práticas como detenções migratórias sem o devido processo legal e a mobilização de tropas em cidades americanas como sinais alarmantes de erosão democrática e atitudes “antiamericanas”. “Lutei pela liberdade e contra esse tipo de extremismo no exterior”, declarou Howard, que trabalhou 20 anos na CIA em operações antiterroristas. Ele acrescentou ainda: “E agora vejo um momento na América em que temos extremistas por toda parte que, na minha opinião, estão nos empurrando para algum tipo de conflito civil”.

Enquanto as manifestações tomavam conta do país, o então presidente Donald Trump passou o fim de semana em sua residência em Mar-a-Lago, Flórida. Em uma entrevista à Fox News exibida na sexta-feira de manhã, antes de embarcar para um jantar de arrecadação que valia US$ 1 milhão por prato em seu clube, Trump abordou diretamente a retórica “No Kings” dos protestos, afirmando: “Dizem que estão se referindo a mim como um rei. Eu não sou um rei”. A campanha de Trump também utilizou as redes sociais para debochar dos protestos, publicando um vídeo gerado por computador que retratava o presidente em vestes monárquicas, com coroa e acenando de uma sacada, ironizando a pauta dos manifestantes.

Além das grandes cidades, os protestos nos EUA espalharam-se por todo o país, evidenciando uma insatisfação disseminada. Em São Francisco, centenas de pessoas se uniram em Ocean Beach para formar, com os próprios corpos, as palavras “No King!” e outras mensagens, em um gesto de resistência. Hayley Wingard, que participou vestida como a Estátua da Liberdade, relatou que também era sua primeira vez em um ato político, e sua percepção sobre Trump mudou recentemente, ao ponto de considerá-lo um ditador. Sua preocupação central era a presença militar em Los Angeles, Chicago e Portland. “Eu estava até ok com tudo até descobrir a invasão militar em Los Angeles, Chicago e Portland. Portland me incomodou mais, porque sou de lá e não quero militares nas minhas cidades. Isso é assustador”, declarou Wingard.

A situação em Portland foi um dos focos de tensão. Dezenas de milhares de pessoas reuniram-se no centro da cidade para um ato que começou pacífico, mas escalou em confrontos perto de um prédio do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). Agentes federais intervieram em diversos momentos com gás lacrimogêneo para dispersar a multidão, enquanto a polícia local ameaçou com prisões caso as ruas fossem bloqueadas. Este prédio do ICE já era cenário de pequenos protestos noturnos desde junho, o que havia motivado a tentativa do governo Trump de enviar a Guarda Nacional a Portland – uma medida temporariamente barrada por um juiz federal.

No oeste do país, cerca de 3.500 pessoas se aglomeraram em Salt Lake City, em frente ao Capitólio de Utah, em um ato que combinou mensagens de esperança e cura. A mobilização em Salt Lake City teve um tom especialmente comovente, pois ocorreu após um manifestante ter sido fatalmente atingido a tiros durante a primeira marcha “No Kings” da cidade, em junho. No sul, em Birmingham, Alabama, mais de 1.500 pessoas se uniram, evocando a rica história de protestos da cidade e seu papel fundamental no Movimento dos Direitos Civis duas gerações atrás. Jessica Yother, mãe de quatro filhos e uma das participantes, resumiu o sentimento de muitos: “Parece que estamos vivendo em uma América que não reconheço”. Ela e outros manifestantes expressaram um forte senso de camaradagem ao se reunir em um estado onde Trump havia obtido quase 65% dos votos nas eleições anteriores.

Os organizadores do movimento anti-Trump buscam consolidar uma oposição unificada e robusta. Segundo o senador democrata Chris Murphy, grandes manifestações como estas são cruciais para “dar confiança a pessoas que estavam à margem, mas prontas para se manifestar”. Enquanto protestos anteriores no ano, como os direcionados aos cortes de Elon Musk e ao desfile militar proposto por Trump, já haviam reunido multidões, os organizadores veem os eventos “No Kings” como um catalisador capaz de unificar as diversas frentes de oposição. Líderes democratas como o chefe da minoria no Senado, Chuck Schumer, e o senador independente Bernie Sanders se juntaram ao que é percebido como um “antídoto” às políticas de Trump, que vão desde a repressão à liberdade de expressão até as operações migratórias de caráter militarista.

Os números de adesão indicaram um crescimento significativo na capacidade de mobilização. Segundo os organizadores, mais de 2.600 atos estavam planejados para o sábado, superando as 1.300 localidades registradas na marcha nacional contra Trump e Musk na primavera e os 2.100 eventos do primeiro “No Kings Day” em junho. Em seu discurso em Washington, Bernie Sanders, ao lado de outros líderes dos democratas, reafirmou: “Estamos aqui porque amamos os Estados Unidos”. Ele alertou que “o experimento americano está em perigo sob Trump”, mas insistiu que “Nós, o povo, vamos governar”, ecoando o preâmbulo constitucional que se tornou um símbolo nos atos.

A resposta dos republicanos foi marcada por tentativas de desqualificar os manifestantes, retratando-os como “radicais fora da corrente principal” e atribuindo a eles a culpa pela então contínua paralisação do governo, que já se estendia por 18 dias. De diversos pontos, desde a Casa Branca até o Capitólio, líderes do Partido Republicano não hesitaram em rotular os ativistas de “comunistas e marxistas”. Eles também alegaram que figuras democráticas, como Chuck Schumer, estariam reféns da ala mais à esquerda de seu partido, e que estariam dispostos a manter o governo fechado para agradar a essas “forças liberais”. Mike Johnson, presidente da Câmara da Louisiana na época, chamou explicitamente os eventos de “protesto Odeiam a América”, afirmando que “Vamos ver quem aparece”, e listou “tipos antifa, pessoas que odeiam o capitalismo e marxistas em plena exibição”.

Muitos manifestantes, contudo, responderam a essa retórica polarizadora com bom humor, notando que Trump frequentemente apelava para o teatro político ao descrever cidades com tropas como “zonas de guerra”. Glen Kalbaugh, um manifestante em Washington que vestia um chapéu de mago e carregava um cartaz com um sapo, exemplificou essa abordagem: “Muito do que vimos desta administração tem sido tão pouco sério e ridículo que precisamos responder na mesma energia”. É notável que a polícia de Nova York não registrou qualquer prisão durante os protestos na cidade, apesar da grande concentração de pessoas.

Em meio ao impasse governamental, com democratas se recusando a votar projetos de reabertura do governo enquanto exigiam verbas para a saúde, e republicanos insistindo em discutir o tema somente após a reabertura, a dinâmica política americana apresentava uma virada. O que era, há seis meses, uma divisão e desânimo entre democratas e aliados, agora dava lugar a uma postura mais firme. Schumer, anteriormente criticado por permitir que uma lei de verbas passasse no Senado sem confrontar Trump, exibia, com outros membros dos democratas, o que Ezra Levin, cofundador do Indivisible – um dos principais grupos organizadores – chamou de “espinha dorsal”. “A pior coisa que os democratas poderiam fazer agora é se render”, afirmou Levin, sublinhando a determinação em manter a oposição.

Confira também: crédito imobiliário

Os “protestos contra Trump” do dia 18 de janeiro, embora rotulados de diversas formas, representaram um marco na crescente insatisfação popular e na articulação de uma oposição política significativa nos Estados Unidos. O tom das manifestações, oscilando entre a gravidade das acusações e a leveza festiva, refletiu a complexidade de um cenário político profundamente polarizado. Para mais notícias e análises sobre o cenário político americano e suas ramificações globais, continue acompanhando nossa editoria de Política.

Crédito da imagem: Alex Brandon/AP Photo, Olga Fedorova/AP Photo, REUTERS/Carlos Barria

Deixe um comentário