A tensão cresce em Camarões após confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança, resultando em pelo menos quatro mortes. A escalada ocorre enquanto o país aguarda a divulgação oficial dos resultados da recente eleição presidencial, com a oposição clamando por transparência e alegando tentativa de fraude eleitoral.
A mobilização da população começou no último domingo (26), à noite, impulsionada por um apelo do candidato da oposição Issa Tchiroma Bakary, que disputou o pleito em 12 de outubro. Centenas de pessoas saíram às ruas em diversas cidades camaronesas, exigindo a proclamação de resultados eleitorais confiáveis em meio a dias de crescente agitação social e política.
Protestos em Camarões: Quatro mortos e tensão pós-eleição
O governador da Região do Littoral, Samuel Dieudonné Ivaha Diboua, cuja jurisdição abrange Douala, o principal centro econômico do país, confirmou oficialmente as fatalidades. Segundo Diboua, quatro manifestantes perderam a vida em choques com as forças de segurança, enquanto diversos policiais e membros de delegacias foram alvo de ataques, resultando em ferimentos. As acusações da oposição sobre a manipulação do processo eleitoral pelas autoridades apenas intensificam o clima já carregado.
Imagens e relatos divulgados demonstram a intensidade dos confrontos, com o uso de gás lacrimogêneo por parte das forças de segurança contra manifestantes que bloqueavam importantes vias. Cidades como Douala, Garoua e Maroua, no norte, registraram cenas de grande agitação. Adicionalmente, dezenas de ativistas e apoiadores da oposição foram detidos nos dias recentes, com o Ministro da Administração Territorial, Paul Atanga Nji, confirmando prisões de indivíduos envolvidos em supostos planejamentos de ataques violentos.
O cenário de apreensão já antecedia as eleições. O país, lar de quase 30 milhões de habitantes, testemunhou uma exacerbação da tensão após o anúncio da candidatura à reeleição do presidente Paul Biya, de 92 anos. Com quase metade de sua vida à frente do governo camaronês, a decisão de Biya de buscar mais um mandato gerou ampla insatisfação entre a juventude e as alas opositoras, que veem em sua longa permanência um obstáculo ao desenvolvimento democrático.
A oposição camaronense tem sido vocal em suas críticas, acusando o presidente Biya de orquestrar uma série de manobras para fraudar o processo eleitoral. Alega-se que ele estaria utilizando a vasta máquina estatal e recursos públicos para influenciar o resultado da votação e perpetuar seu domínio político, distorcendo a vontade popular manifestada nas urnas, um cenário que, infelizmente, ecoa muitas disputas eleitorais em África.
À frente do Estado desde 1982, quando assumiu o poder após depor e exilar seu antecessor Ahmadou Ahidjo, Paul Biya é o chefe de Estado mais idoso em atividade no mundo. Sua gestão, que já se estende por 43 anos, é frequentemente caracterizada por um pulso firme no comando do país, mas também por recorrentes denúncias de clientelismo, práticas de intimidação política e irregularidades eleitorais. Ele buscaria o seu oitavo mandato consecutivo.
Um dos movimentos controversos durante sua liderança foi a eliminação de uma emenda constitucional que impunha um limite de dois mandatos presidenciais. Além disso, em julho, a corte principal do país declarou inelegível a candidatura de Maurice Kamto, principal oponente de Biya na eleição de 2018, sob a alegação de que seu partido já apoiava outro candidato, sufocando vozes dissonantes e limitando a competição.

Imagem: g1.globo.com
Apesar da robusta estrutura de poder, o governo de Biya enfrenta um movimento sem precedentes que clama por sua saída. Figuras de destaque, como sua própria filha, Brenda Biya, de 27 anos, usaram plataformas sociais como o TikTok para expressar descontentamento, afirmando que o pai “fez muita gente sofrer” e incitando os camaroneses a votarem em outros nomes. O influente arcebispo camaronês Samuel Kleda e ex-membros do gabinete presidencial de regiões importantes também questionaram publicamente sua capacidade de liderança, enfrentando deserção do poder.
Em sua campanha, o presidente fez aparições públicas raras, em meio a especulações sobre sua saúde, para tentar angariar apoio. Em um ato realizado em um estádio na região norte, majoritariamente muçulmana e frequentemente atingida por ataques do grupo extremista Boko Haram, Biya prometeu reforçar a segurança local, combater o desemprego juvenil e aprimorar a infraestrutura rodoviária do país, caso consiga a reeleição.
O pesquisador sênior Raoul Sumo Tayo, do Instituto de Estudos de Segurança na África do Sul, ressaltou o papel do temor na manutenção do poder de Biya. Segundo Tayo, o regime conta com um “exército” de agentes de inteligência infiltrados na sociedade. Esta presença ostensiva impede a manifestação de opositores e da população geral, que teme represálias e se mantém em silêncio para proteger seus interesses e famílias.
Arrey Ntui, analista sênior do International Crisis Group, complementa essa análise, observando que a lealdade ao presidente e ao sistema é amplamente imposta. Há poucas pessoas dispostas a se expor e desafiar a ordem vigente. Essa dinâmica resulta em uma narrativa unilateral, onde a figura do presidente é intocável, e a possibilidade de reeleição é tratada como um dado inquestionável, eliminando o pensamento independente dentro da estrutura de poder.
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A expectativa pela divulgação dos resultados finais pelo conselho constitucional nesta segunda-feira (27) mantém Camarões em um ponto de inflexão política. Acompanhe o desenrolar desta notícia e as repercussões das eleições em Camarões para o futuro político da nação africana. Para se aprofundar nas dinâmicas políticas regionais e internacionais, convidamos você a explorar mais conteúdo em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: AFP



