O projeto da dosimetria, que busca reformar o Código Penal com a potencial finalidade de mitigar as penas de indivíduos envolvidos em ações consideradas golpistas pelo Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal, perdeu ritmo na Câmara dos Deputados. Embora a tramitação urgente tenha sido aprovada há aproximadamente um mês, o texto ainda não obteve pauta para votação no plenário da Casa, sinalizando um cenário de estagnação política.
Este esfriamento da discussão, liderado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, deve-se a uma conjunção de fatores. Dentre eles, a ausência de um acordo consolidado com o Senado Federal, a inexistência de uma proposta legislativa definitiva, as ações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) nos Estados Unidos e as expectativas relacionadas às eleições de 2026.
Projeto da Dosimetria ‘esfria’ na Câmara após urgência
O relator da matéria, deputado Paulinho da Força (SD-SP), manteve reuniões com diversas bancadas parlamentares na tentativa de articular o apoio necessário. Contudo, uma das principais críticas dos legisladores consultados é a ausência de um texto oficial apresentado, permanecendo a discussão apenas no campo das ideias e das possibilidades hipotéticas, o que dificulta o engajamento e a consolidação de apoio para o projeto de lei de dosimetria.
Obstáculos e Resistências Políticas ao Projeto
Dentro da Câmara, observa-se que parte significativa dos parlamentares interpreta a perda de fôlego do projeto como consequência da impossibilidade jurídica de anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, reduzindo, assim, o interesse de parcelas da oposição. Partidos como o Partido Liberal (PL), legenda do ex-presidente, e o Partido dos Trabalhadores (PT) posicionam-se contrários às propostas atualmente discutidas, especialmente a que prevê a redução de até 11 anos nas penas para aqueles acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A bancada de esquerda, em particular, rechaça qualquer iniciativa que busque anistia ou diminuição de sentenças nesse contexto. Paralelamente, parlamentares do chamado centro político identificam as articulações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) nos Estados Unidos como um complicador central. Ele tem atuado em uma frente que pressionaria pela imposição de taxas ao Brasil para forçar a anistia de seu pai, Jair Bolsonaro, cuja condenação soma mais de 27 anos de prisão. Esta postura do filho do ex-presidente, que insiste na anistia e resiste à proposta de mera redução de penas, tem distanciado aliados do ex-mandatário de um debate mais equilibrado sobre a questão no Congresso.
Ações da Família Bolsonaro e as Eleições de 2026
Aliados políticos de Jair Bolsonaro expressam receio de que as iniciativas de Eduardo Bolsonaro possam comprometer eventuais acordos que venham a ser firmados no Congresso para auxiliar o ex-presidente. A insistência na anistia em detrimento da redução de penas tem criado um dilema entre os parlamentares que desejam encontrar uma solução jurídica. A complexidade do cenário fica evidente quando os próprios integrantes do PL e a família Bolsonaro manifestam resistência à ideia de dosimetria, esvaziando o apoio que seria crucial para o avanço da pauta. Segundo relatos de deputados, a falta de uma sinalização clara da cúpula do partido e da família leva outros parlamentares a questionar a motivação de se engajar na discussão.
Outro elemento de peso no freio da discussão na Câmara dos Deputados são as próximas eleições, agendadas para 2026. A proximidade do pleito faz com que muitos aliados do bolsonarismo evitem pautas controversas que possam gerar descontentamento em parte do eleitorado, potencialmente custando-lhes votos. Parlamentares que emergiram politicamente impulsionados pelo fenômeno bolsonarista aguardam orientações diretas do líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para definir suas posições em relação ao projeto de revisão de penas.
Estratégia do Presidente da Câmara: Foco em Consenso
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, tem sinalizado a seus pares a preferência por pautas que gerem maior consenso entre os parlamentares e apresentem impacto positivo junto à sociedade. Essa estratégia ficou evidente em sessões recentes, quando Motta priorizou projetos focados em educação e direitos dos professores. A preocupação de Motta com a percepção pública intensificou-se após a ampla rejeição à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, aprovada na Câmara mas barrada no Senado. Na sequência de sua agenda de prioridades, Motta anunciou a intenção de pautar a urgência de um projeto que busca proibir a cobrança por bagagens de mão em voos nacionais e internacionais.
Aliados também têm aconselhado Motta a buscar uma aproximação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um olho nas eleições do próximo ano. A Paraíba, estado de origem do deputado, possui um eleitorado predominantemente petista, e a aliança política é vista como estratégica. Um indicativo dessa aproximação foi a presença de Motta em um evento do Dia dos Professores no Rio de Janeiro, onde o presidente Lula esteve presente. Contudo, durante o evento, Motta foi vaiado por parte dos apoiadores do governo, assim como o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), evidenciando a sensibilidade das movimentações políticas.
Impasses com o Senado e o Futuro do Projeto
Além das questões internas da Câmara, a falta de alinhamento com o Senado Federal é um fator crucial. Parlamentares lembraram que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), indicou que a própria casa legislativa também possui um projeto sobre dosimetrias. Tal fato poderia centralizar a discussão no Senado, desviando o protagonismo da Câmara e inviabilizando o projeto em curso. A busca por um consenso inter-Câmaras é, portanto, vital para evitar novos impasses legislativos, especialmente após a experiência da PEC da Blindagem, cuja aprovação pela Câmara gerou um desgaste político evitado pelos senadores, que optaram pelo seu arquivamento.
Apesar de todas as dificuldades e do cenário de paralisação atual, os deputados consultados descartam que a proposta de dosimetria de penas esteja completamente engavetada. Há uma avaliação de que o tema pode, eventualmente, recuperar força e ganhar um novo impulso na agenda legislativa após o trânsito em julgado de condenações específicas e eventuais prisões de envolvidos, como a do ex-presidente Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal, o que alteraria a dinâmica do debate e a pressão sobre os parlamentares para se posicionarem. É crucial, contudo, que haja uma clareza sobre o texto e o escopo exato do projeto para que a discussão avance.
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O caminho para o projeto da dosimetria na Câmara dos Deputados segue incerto, marcado por intensas articulações políticas, resistências partidárias e cálculos eleitorais. Acompanhe a nossa editoria de notícias de política brasileira para se manter atualizado sobre o desenrolar desta e de outras pautas relevantes que impactam o cenário nacional.
Crédito da imagem: Humberto Sousa/ TV Globo

