A nova versão do Projeto Antifacção, proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido alvo de intensas discussões e revisões nos últimos cinco dias, culminando em três redações distintas. Elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), atualmente secretário licenciado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), um adversário político do presidente, o projeto passou por uma remodelação significativa após fortes objeções de integrantes do Ministério da Justiça, da Polícia Federal e de renomados especialistas em segurança pública. Na noite da última terça-feira, o relator apresentou o texto considerado final, que agora aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados, prevista para esta semana.
A urgência na tramitação deste projeto surgiu como uma resposta direta à megaoperação realizada no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 indivíduos e na prisão de 113 pessoas nos Complexos da Penha e do Alemão. Diante da operação, que visava conter o avanço do Comando Vermelho (CV) na dominação territorial, tanto o governo federal quanto o Parlamento foram pressionados a apresentar soluções concretas à população, considerando que a crise de segurança pública se configura como um dos temas centrais da campanha eleitoral de 2026.
Projeto Antifacção: Veja As Mudanças da Nova Versão Final
As discussões em torno do **Projeto Antifacção: Veja As Mudanças da Nova Versão Final** destacaram divergências cruciais sobre a classificação jurídica de crimes e as competências policiais, levando à apresentação de quatro diferentes concepções do texto. Inicialmente, nas duas primeiras propostas, o deputado Derrite propôs incluir crimes cometidos por facções criminosas diretamente na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016). O argumento do relator era de que, embora a intenção não fosse categorizar grupos como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC) como terroristas em si, as ações dessas organizações produziam efeitos equivalentes, tais como o controle territorial armado, ataques deliberados a forças de segurança e a sabotagem de serviços públicos essenciais à população.
O Debate Sobre a Inclusão na Lei Antiterrorismo
Paralelamente, a equipe do Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, desenvolveu um texto alternativo. Esta proposta oficial criava a figura da “organização criminosa qualificada” e inseria as suas respectivas qualificadoras dentro da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), opting para não classificá-las sob a égide da Lei Antiterrorismo. A alteração inicialmente proposta por Derrite, com o apoio de deputados da oposição, foi amplamente criticada por representantes do governo Lula, da Polícia Federal e do Ministério Público. Estes setores argumentaram que tal medida abriria perigosas brechas para ameaças à soberania nacional, visto que a rotulação de um grupo como terrorista poderia ser usada como pretexto para a aplicação de sanções financeiras ou, ainda mais grave, ações militares extraterritoriais por parte de outras nações, como já ocorreu no caso dos Estados Unidos. Para contornar este impasse e encontrar um terreno comum, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o relator Guilherme Derrite optaram por recuar da ideia de integrar as facções na Lei Antiterrorismo. A solução encontrada na terceira versão do projeto, divulgada na terça-feira, foi a criação de um novo arcabouço legislativo especificamente voltado para este enquadramento: o chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.
A Questão da Competência Investigativa da Polícia Federal
Outro ponto de extrema sensibilidade e foco de críticas nas duas primeiras versões do texto de Derrite dizia respeito à delimitação da competência da Polícia Federal para investigar organizações criminosas. Na redação inicial, a atuação da PF contra o crime organizado estava estritamente condicionada a uma provocação explícita do governador do Estado. Além disso, conferia às Polícias Civis estaduais a prerrogativa de investigar crimes atribuídos a facções, caso fossem enquadrados na Lei Antiterrorismo. Na segunda versão apresentada, a previsão era de que o acionamento da Polícia Federal ocorresse mediante uma solicitação fundamentada do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou até por iniciativa própria da PF, desde que houvesse comunicação prévia às autoridades estaduais competentes.
Essas proposições foram veementemente consideradas inconstitucionais por integrantes da Polícia Federal e do Ministério da Justiça. Segundo eles, tais medidas esvaziariam as funções intrínsecas e interfeririam de maneira indevida na corporação federal. Existia também a percepção generalizada de que a mudança criaria uma profunda confusão jurídica entre as competências federal e estadual, o que poderia, potencialmente, gerar nulidades em importantes processos em andamento, como os que investigam o assassinato de Marielle Franco, casos envolvendo o delator do PCC e a Operação Carbono Oculto. Diante da intensidade das críticas e da fragilidade jurídica apontada, Derrite optou por remover esses trechos do texto. Assim, as prerrogativas das Polícias Federal e Civil foram mantidas em conformidade com o que já está estabelecido na Constituição Federal, garantindo a continuidade do trabalho das forças de segurança sem ambiguidades. Vale ressaltar que a proposta inicial do governo federal também não almejava alterar a atribuição de cada força policial.
Definição de Crimes e Aumento de Penas Propostos
O projeto encaminhado originalmente pelo governo federal propunha a criação, na Lei de Organizações Criminosas (já existente desde 2013), do tipo penal de “facção criminosa” como uma forma qualificada de organização criminosa. De acordo com esta proposta governamental, haveria um aumento das penas para aqueles que financiam ou participam de organizações criminosas. As penas atuais, que variam de 3 a 8 anos de reclusão e multa, passariam para 5 a 10 anos em casos de organizações criminosas em geral, e de 8 a 15 anos especificamente para o caso de facções criminosas. Além disso, o texto do governo permitia a redução de penas — de um sexto a dois terços — caso os condenados fossem réus primários com bons antecedentes e não tivessem envolvimento na liderança, promoção ou financiamento da organização criminosa em qualquer de suas modalidades. Para líderes de facções, o projeto original previa um aumento da metade até o dobro da pena. Havia, também, a previsão de um aumento de dois terços até o dobro caso houvesse a participação de menores de idade, funcionários públicos, ou o emprego de arma de fogo na prática dos crimes.
Nos seus relatórios, Derrite optou por não empregar a expressão “facção criminosa”. Na sua versão mais recente, ao instituir o que denomina Marco Legal de Combate ao Crime Organizado, o deputado detalha punições para condutas praticadas por organizações criminosas, grupos paramilitares ou milícias privadas que, mediante o uso de violência ou grave ameaça, atentem contra a paz pública, a segurança da coletividade ou o regular funcionamento de instituições públicas ou privadas. Nos seus três relatórios, Derrite consistentemente propõe penas que variam de 20 a 40 anos de prisão para o pertencimento a organizações criminosas. Adicionalmente, há previsão de aumento da pena para os líderes dessas organizações. O relator também classifica esses crimes como hediondos, o que acarreta um endurecimento significativo na progressão da pena. Essa classificação impede, ainda, que condenados por esses delitos tenham direito a benefícios como graça, anistia, indulto ou liberdade condicional, refletindo uma postura mais rigorosa no enfrentamento ao crime organizado.
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O Projeto Antifacção, em sua mais recente versão, demonstra a complexidade de se legislar sobre segurança pública no Brasil, evidenciando as diversas pressões políticas, jurídicas e sociais envolvidas. A aprovação deste texto representa um passo importante na estratégia do governo e do parlamento para entregar uma resposta à crise de criminalidade no país. Para aprofundar seu entendimento sobre as articulações políticas e as decisões que moldam a legislação nacional, continue acompanhando as análises e notícias detalhadas em nossa editoria de Política.