São Paulo, 25 de agosto de 2025 – O cenário da prevenção do HIV no Brasil experimenta uma significativa inovação com a introdução do Apretude, o primeiro medicamento injetável de longa duração para profilaxia pré-exposição (PrEP) disponível comercialmente no país. Esta nova opção chega para complementar a PrEP oral diária e representa um marco na luta contra o vírus da imunodeficiência humana, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.
A novidade é anunciada em um momento de preocupação com o avanço da epidemia no território nacional. Conforme dados recentes do Ministério da Saúde, o Brasil registrou aproximadamente 46,5 mil novos casos de HIV somente no ano de 2023. As projeções para o futuro próximo não são menos alarmantes, com estimativas que apontam para a possibilidade de o país alcançar a marca de 600 mil novos diagnósticos da doença ao longo da próxima década. Nesse contexto, a chegada de ferramentas preventivas mais diversas e eficazes torna-se uma prioridade crucial para a saúde pública.
O medicamento, cujo nome comercial é Apretude e o princípio ativo é o cabotegravir, foi desenvolvido conjuntamente pelas empresas farmacêuticas GSK e ViiV Healthcare. Sua aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ocorreu no ano de 2023, após rigorosa avaliação de sua segurança e eficácia. A partir desta segunda-feira, dia 25 de agosto, o produto está oficialmente disponível para venda em território nacional, prometendo uma alternativa robusta para a prevenção do HIV.
A principal distinção do Apretude em relação à profilaxia pré-exposição existente está em sua posologia. Enquanto a PrEP oral exige a ingestão de comprimidos diariamente para manter a proteção, o Apretude é administrado por meio de uma injeção intramuscular a cada dois meses. Esta cadência de aplicação menos frequente é um fator importante que pode influenciar positivamente a adesão ao tratamento e, consequentemente, a sua eficácia. Testes clínicos conduzidos durante o processo de análise do medicamento indicaram que a redução da disciplina diária do paciente pode levar a uma eficácia superior quando comparado à PrEP oral.
Detalhes de Comercialização e Acessibilidade Inicial
No momento de seu lançamento, o Apretude tem um preço de tabela fixado em R$ 4.000. Sua distribuição no mercado brasileiro está a cargo da empresa Oncoprod. A distribuidora desempenha um papel fundamental ao levar o medicamento não apenas para farmácias e clínicas especializadas, mas também ao disponibilizar sua compra para pessoas físicas, com a conveniência de recebê-lo em domicílio. É imperativo, no entanto, que a aplicação do injetável seja realizada por outra pessoa, dado o seu caráter intramuscular, necessitando de técnica adequada para garantir a correta administração e segurança do paciente.
Do ponto de vista farmacológico, o cabotegravir pertence à classe dos antirretrovirais e atua como um inibidor da integrase. A integrase é uma enzima crucial produzida pelo retrovírus do HIV, essencial para a replicação viral. Ao inibir essa enzima, o Apretude impede de forma eficaz que o vírus se instale nas células do corpo humano e, subsequentemente, se multiplique. Essa ação impede a infecção, tornando-o uma ferramenta de prevenção altamente valiosa.
Roberto Zajdenverg, médico e coordenador de prevenção de HIV na GSK, ressaltou a importância da chegada do Apretude ao mercado. Em suas palavras, ele classificou este momento como “um marco gigantesco”. O Dr. Zajdenverg, que atua com HIV há décadas, testemunhou pessoalmente a primeira administração do Apretude no mercado privado de São Paulo. Ele destacou que, embora o medicamento seja resultado de anos de estudos e tenha sido utilizado por muitas pessoas no Brasil em contextos de pesquisa, esta foi a primeira ocasião em que um indivíduo o adquiriu comercialmente, marcando sua plena entrada na prática clínica regular.
Benefícios Além da Conveniência Posológica
Além da óbvia vantagem da conveniência, resultante da redução da frequência de doses para intervalos bimestrais, o Apretude oferece um benefício adicional significativo: a maior privacidade para o paciente. O Dr. Zajdenverg salientou que a não necessidade de transportar comprimidos diariamente contribui para “diminuir a exposição ao preconceito”. Essa característica é de grande importância para indivíduos que buscam discrição em sua profilaxia, oferecendo uma opção que pode aliviar o estigma social ainda associado à prevenção e tratamento do HIV.
Assim como ocorre com a PrEP oral, o cabotegravir injetável é indicado para pessoas que percebam estar em situação de risco ou se sintam expostas à contaminação pelo vírus do HIV. O protocolo de prevenção do Ministério da Saúde é claro e orienta o acolhimento por parte do médico quando alguém se autoidentifica como grupo de risco. “Dificilmente alguém procura um profissional de saúde querendo fazer prevenção do HIV sem motivos”, afirmou o especialista, enfatizando a importância do discernimento e da orientação médica para a prescrição adequada.
Os critérios para a aplicação do medicamento são rigorosos. Apenas mediante prescrição médica e após a realização de um teste de HIV que apresente resultado negativo nos sete dias que antecedem a aplicação, o paciente pode receber o Apretude. Este é um pré-requisito fundamental para garantir que o medicamento seja utilizado estritamente como ferramenta de prevenção.
De fato, o Apretude é contraindicado para indivíduos que já são soropositivos para o HIV. “É uma ferramenta para prevenção do HIV. Se você vive com vírus, é outra conduta médica”, explicou o Dr. Zajdenverg. Ele detalhou que, enquanto o tratamento para pessoas que vivem com HIV visa impedir que o vírus se multiplique e prejudique o organismo, a PrEP injetável age bloqueando a instalação do vírus nas células do corpo em caso de exposição, funcionando como uma barreira protetora.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Jornada Rumo à Incorporação no SUS
Atualmente, o Apretude encontra-se disponível apenas no setor privado, mediante aquisição direta em farmácias ou clínicas. Contudo, a fabricante, GSK/ViiV Healthcare, já está em avançadas negociações com o Ministério da Saúde para viabilizar sua incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS), o que ampliaria drasticamente seu acesso para a população brasileira. Roberta Correa, diretora da unidade de negócios de HIV da GSK Brasil, confirmou o progresso das conversas com o Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, obtendo a concordância para prosseguir com a submissão formal para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec).
A Conitec é o órgão técnico responsável por analisar a potencial inclusão de novas tecnologias, medicamentos e tratamentos no SUS. De acordo com Correa, a expectativa é que a submissão do Apretude à Conitec seja efetuada ainda dentro do mês de agosto. Este é o primeiro passo de um processo multifacetado que determinará o acesso público ao medicamento. Uma vez submetido, o Apretude passará por uma rigorosa avaliação técnica. Posteriormente, haverá uma fase de defesa pública, onde representantes da indústria farmacêutica, membros do governo e da sociedade médica apresentarão e discutirão o valor do medicamento para a saúde pública brasileira, incluindo sua relação custo-benefício.
Adicionalmente, uma consulta pública será realizada, permitindo que a sociedade em geral e especialistas contribuam com opiniões e dados relevantes. Ao término de todas essas etapas avaliativas e consultivas, a Conitec emitirá uma decisão final sobre a incorporação ou não do medicamento no rol de tecnologias oferecidas pelo SUS. Este é um caminho essencial para a universalização do acesso a esta inovadora forma de prevenção.
Pesquisas e Ensaios Clínicos Globais
Os estudos cruciais que comprovaram a segurança e a eficácia do Apretude, conhecidos como estudos pivotais, foram conduzidos em diversas partes do mundo, demonstrando um escopo de pesquisa abrangente e inclusivo. No continente africano, os ensaios foram realizados predominantemente em mulheres cisgênero, uma população com alta incidência de contaminação pelo vírus do HIV na região. Essa escolha de população para o estudo reflete a atenção às epidemiologias específicas de cada área geográfica, garantindo que a eficácia do medicamento fosse avaliada em contextos representativos dos maiores grupos de risco.
Já em outros países, como o próprio Brasil, Estados Unidos, França e Inglaterra, os estudos focaram em populações com maior prevalência da doença nesses locais, incluindo homens cisgênero e mulheres transexuais. Essa estratégia garantiu a coleta de dados de um espectro variado de indivíduos e contextos sociais. É notável que o Brasil se destacou por ser o país que mais incluiu pessoas nos estudos do cabotegravir, o que, conforme o Dr. Zajdenverg, é uma grande vantagem. Essa ampla participação brasileira assegura que, desde o lançamento, o país conte com profissionais de saúde — médicos, enfermeiros e farmacêuticos — com anos de experiência no manejo do cabotegravir, consolidando uma base sólida de conhecimento prático no sistema de saúde nacional.
Perfil de Segurança e Efeitos Colaterais
No que tange ao perfil de segurança do Apretude, os estudos globais realizados com o medicamento demonstraram um padrão de segurança muito elevado, com um número reduzido de efeitos colaterais significativos em escala global. O efeito adverso mais frequentemente relatado pelos participantes dos estudos foi a dor muscular localizada no sítio da injeção. Esse tipo de reação local é comum em injeções intramusculares e, geralmente, é de intensidade leve a moderada.
Adicionalmente, o Dr. Zajdenverg mencionou que uma pequena parcela de usuários pode experimentar efeitos colaterais de natureza mais branda, como enjoo e, ocasionalmente, diarreia. Ele reiterou, contudo, que “nenhuma medicação é 100% inócua”, mas enfatizou a performance do Apretude: “essa medicação se mostrou com um padrão de segurança muito alto, com um número pequeno de efeitos colaterais ao redor do mundo.” Esta avaliação otimista fortalece a confiança na introdução do cabotegravir como uma nova e segura ferramenta de prevenção do HIV.
Outras Opções de Prevenção Injetável no Horizonte
Importante contextualizar que o cabotegravir não é a única pesquisa em curso no campo das injeções de longa duração para prevenção do HIV. Outro medicamento promissor, o lenacapavir, também em desenvolvimento para prevenção do vírus, é foco de estudos por parte da farmacêutica Gilead Sciences. Uma pesquisa recente sobre a segurança e duração de ação do lenacapavir, de maio de 2025, indicou o potencial deste novo ativo. No entanto, o lenacapavir apresenta um princípio ativo distinto do cabotegravir e, em sua formulação atual, acarreta um custo consideravelmente mais elevado, podendo chegar a 44 mil dólares por apenas duas doses. Além disso, e crucialmente, o lenacapavir ainda não obteve o registro da Anvisa para comercialização no Brasil. Assim, o Apretude permanece, por ora, a única opção injetável de PrEP disponível no mercado brasileiro e latino-americano, consolidando sua posição como uma inovação vital no arsenal de prevenção do HIV.
Com informações de Folha de S.Paulo
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