Os professores de educação infantil, essenciais para o desenvolvimento da sociedade brasileira, enfrentam o paradoxo de ter o trabalho mais importante e, ao mesmo tempo, o menos reconhecido. Esta realidade, percebida por especialistas e vivenciada no dia a dia por docentes em todo o país, aponta para uma lacuna significativa na valorização profissional e nas condições de trabalho destes educadores.
Elisangela Lima, uma professora de 47 anos em uma creche pública conveniada à prefeitura de São Paulo, exemplifica essa dificuldade. Em sua rotina de dez horas diárias, dedicadas a uma turma de 25 crianças de três e quatro anos, o principal desafio não se restringe às tarefas pedagógicas. Para ela, ser levada a sério é o maior obstáculo. A percepção social muitas vezes se limita a atividades de “cuidar e brincar”, desconsiderando a complexidade e a profundidade da formação e do planejamento envolvidos. “Estamos formando cidadãos”, enfatiza Elisangela, realçando a seriedade de sua missão.
Professores Educação Infantil: Essenciais, Mas Desvalorizados
A importância destes profissionais na fase inicial da vida foi o foco do Dia dos Professores, celebrado em 15 de outubro. Na ocasião, foi discutido por que os docentes que atuam nesta etapa educacional são cruciais para o país, apesar da persistente falta de reconhecimento. A professora Dana McCoy, da Universidade Harvard e co-presidente do Programa de Desenvolvimento Humano e Educação (HDE) da instituição americana, reforça esta visão em entrevista. Segundo ela, a desvalorização dos profissionais de creches, que atendem bebês de zero a três anos, e pré-escolas, para crianças de quatro e cinco anos, é uma tendência global. “Eu ficaria feliz se pelo menos recebessem o mesmo que os outros professores”, afirmou McCoy, que participou em São Paulo do Simpósio Internacional de Educação Infantil da Fundação Bracel.
A função dos professores de educação infantil transcende o ensino de disciplinas básicas como leitura e matemática. Eles desempenham um papel integral no desenvolvimento das crianças, auxiliando na regulação emocional, na construção de relações sociais e no cuidado físico. Dana McCoy argumenta que o status atribuído a esses educadores não é compatível com o impacto profundo que eles geram na sociedade. Ela categoriza o trabalho como “o mais importante de toda a sociedade”, visto que “o futuro econômico e a capacidade de inovação nascem nas creches e pré-escolas, porque é lá que as habilidades fundamentais serão desenvolvidas”.
Diversos fatores demonstram o peso fundamental da fase escolar inicial no desenvolvimento humano:
- Os primeiros anos de vida são determinantes para o aprimoramento do sistema neurológico. Experiências educacionais qualificadas nesse período estimulam regiões cerebrais responsáveis pela linguagem, raciocínio lógico e criatividade.
- A interação precoce com outras crianças em um ambiente educativo é crucial para o desenvolvimento de habilidades sociais. Isso inclui o fomento à empatia, à cooperação e à capacidade de resolver conflitos de forma construtiva.
- O acesso a uma educação infantil de alta qualidade contribui significativamente para a redução de disparidades socioeconômicas. Um estudo de Sneha, Garcia, Hojman e Heckman (2016) indicou uma redução de 65% no risco de um indivíduo cometer crimes violentos e de 20% na probabilidade de desemprego futuro em adultos que frequentaram programas de educação infantil.
- Ambientes pedagógicos estimulantes e acolhedores são fundamentais para a construção da autoestima, da autonomia e da segurança emocional dos alunos.
Em suma, programas de educação infantil de excelência resultam em melhorias não apenas em aprendizado e habilidades acadêmicas, mas também no bem-estar emocional, saúde física, autonomia e desenvolvimento motor. “Os investimentos que fazemos em políticas e programas voltados para a primeira infância têm maior retorno do que em qualquer outro período da vida. Claro que nunca é tarde para investir, mas, se quisermos ter o maior benefício possível para cada dólar investido, esse é o momento ideal”, esclarece a professora de Harvard.
Em muitos contextos, as escolas assumem funções que originalmente não lhes seriam atribuídas, especialmente para alunos em situação de vulnerabilidade. Um exemplo básico é a formação de laços afetivos: se uma relação sólida e cuidadosa não é possível no ambiente familiar, o professor frequentemente preenche essa lacuna, mesmo com a sobrecarga de trabalho. “Caso seja uma educação infantil de alta qualidade, com um professor dedicado e afetuoso, isso pode proteger alguém dos impactos negativos e das adversidades vividas em casa”, argumenta McCoy.
Elisangela, a professora paulista, testemunha essa realidade diariamente. Em sua turma de 25 alunos, há três com deficiência, um deles com paralisia cerebral aguardando acesso a terapias pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Enquanto a aprovação não sai, a gente tenta desenvolvê-lo com o que tem aqui dentro da escola”, relata Elisangela. Além disso, muitos alunos dependem da escola para sua alimentação básica. “Eu sei que algumas delas precisam da creche também para isso”, comenta.
As necessidades dos professores podem ser divididas em dois aspectos fundamentais, segundo Dana McCoy:
Níveis Básicos de Segurança e Estrutura
Questiona-se sobre a proporção entre número de crianças e professores, o acesso a recursos como brinquedos, livros, água potável e banheiros infantis, e se o ambiente é seguro e estimulante. A realidade brasileira, conforme microdados do Censo Escolar da Educação Básica, analisados pela ONG Todos Pela Educação e divulgados pelo Inep, aponta para desafios consideráveis: apenas 35% das escolas públicas de educação infantil possuem área verde, menos da metade (41%) dispõe de parquinho, e 30% não contam com material pedagógico específico para a idade. Para mais dados e informações sobre as estatísticas educacionais brasileiras, pode-se consultar diretamente as publicações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Imagem: g1.globo.com
Qualidade Processual
Este aspecto aborda a compatibilidade da remuneração com a função, a carga emocional dos docentes, o apoio recebido, a completude dos currículos e a adequação da formação. “Precisamos oferecer condições para que eles próprios estejam bem. Só assim poderão fazer esse trabalho essencial de cuidar e interagir com as crianças”, pondera Dana McCoy.
Historicamente, pesquisas e políticas públicas sobre educação infantil tenderam a focar predominantemente na criança, tratando o educador como um mero transmissor de conteúdo, desconsiderando-o como um ser humano. Contudo, essa percepção começa a se alterar. Avanços no Brasil incluem a instituição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE) para creche e pré-escola, e o estabelecimento de um piso salarial nacional. Apesar dos progressos legislativos, a aplicação prática é um desafio, já que estados e municípios são responsáveis pelos pagamentos. A pesquisa do QueroBolsa revela que a média salarial para professores de educação infantil é de R$ 2.604,57, cifra bem inferior ao piso de R$ 4.867,77 para uma jornada de 40 horas semanais.
A subvalorização do trabalho de cuidado de crianças pequenas, historicamente associado às mulheres e visto como responsabilidade familiar sem apoio social ou remuneração, é uma dimensão de gênero relevante. No Brasil, 97% dos professores de creche e 94% dos de pré-escola são mulheres, segundo os dados.
A Fragilidade na Formação dos Pedagogos Agrava o Quadro
Outro grande entrave no cenário brasileiro é a qualidade da formação dos docentes. Na creche, um total de 373.181 professores atua, e 19% deles possuem apenas ensino fundamental ou médio, sem graduação superior. A pré-escola apresenta cenário similar: dos 366.042 professores, 17% não têm formação universitária. Mesmo para os graduados em Pedagogia, a qualidade dos cursos, em especial os oferecidos a distância, é um problema. Estudos indicam que os currículos não estão adequadamente voltados para a educação infantil e, quando as disciplinas existem, são predominantemente teóricas e pouco focadas na prática docente, como aponta Abuchaim, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Isso impede que os educadores obtenham uma formação inicial que os prepare efetivamente para a sala de aula.
As exigências pedagógicas na educação infantil vão muito além de “instinto” ou “improviso”, requerendo formação especializada para:
- Inserir intencionalidade educativa nas brincadeiras e interações, fomentando o desenvolvimento de habilidades variadas.
- Compreender os objetivos da etapa de ensino e estruturar o processo escolar para abarcar todos os eixos pedagógicos.
- Elaborar atividades que sejam adequadas à faixa etária de cada criança e aos objetivos de aprendizagem estabelecidos.
- Realizar uma observação sistemática de cada aluno, acompanhando de perto seu desenvolvimento individual.
- Avaliar e ajustar o próprio trabalho, alterando a estratégia pedagógica sempre que necessário.
Percebe-se, assim, um ciclo interconectado: uma carreira mais atrativa e valorizada naturalmente levará à formação de professores mais preparados. Consequentemente, a qualificação dos educadores resultará em uma educação de maior qualidade oferecida às crianças, com especial impacto nas regiões mais vulneráveis do país.
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Em síntese, o trabalho dos professores de educação infantil é a base para o desenvolvimento humano e econômico, demandando um reconhecimento e um investimento que ainda estão por se concretizar plenamente no Brasil. Continuar explorando e analisando as políticas e os desafios da educação é essencial para construir um futuro mais promissor para nossas crianças e nossos profissionais. Acompanhe a editoria de Análises de Hora de Começar para mais informações sobre este e outros temas relevantes para a sociedade brasileira: https://horadecomecar.com.br/analises/.
Crédito da imagem: Reprodução/Prefeitura de São Paulo
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