Os planos de governos em todo o mundo indicam que a produção de combustíveis fósseis até 2030 superará em mais do dobro o volume permitido para atingir as metas climáticas do Acordo de Paris. Relatórios recentes apontam para um cenário preocupante que se agrava a cada ano. Há uma década da assinatura do histórico acordo, a discrepância entre os compromissos globais e as projeções de extração de petróleo, carvão e gás se aprofunda.
Uma análise de 2023 já sinalizava que a produção prevista excederia o limite necessário em 100%. Atualmente, a edição de 2025 do renomado Relatório de Lacuna de Produção revela que a superprodução planejada atingiu impressionantes 120% acima do tolerável para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais. A situação não apresenta indícios de melhora, destacando a urgente necessidade de realinhamento nas estratégias energéticas mundiais.
Produção Global de Fósseis Excede Acordo de Paris em 120%
O estudo, fruto da colaboração entre o Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), a Climate Analytics e o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD), sublinha a gravidade do cenário. Caso o parâmetro seja o teto de aquecimento de 2 graus Celsius, igualmente estabelecido pelo Acordo de Paris, o excesso na extração projetada saltou de 69% para 77%, consolidando a tendência de distanciamento das metas acordadas em dezembro de 2015, na COP21, por 195 países e a União Europeia.
Dissonância entre Discurso e Ação Governamental
Apesar de os governos terem formalmente reconhecido em 2023, durante a COP28, a imprescindibilidade de uma transição para abandonar os combustíveis fósseis e, assim, mitigar as mudanças climáticas, a realidade dos planos nacionais mostra um paradoxo. Derik Broekhoff, coordenador do relatório e diretor do SEI, observa que, enquanto diversas nações se comprometem com a energia limpa, muitas outras permanecem enraizadas em modelos dependentes de fontes fósseis, projetando uma produção ainda maior do que há apenas dois anos.
Os 20 maiores produtores de carvão, petróleo e gás, responsáveis por cerca de 80% da extração global de combustíveis fósseis, estão no cerne desta análise. O panorama que emerge de suas intenções é pouco encorajador, especialmente às vésperas do décimo aniversário do Acordo de Paris, cujo objetivo primário era manter o aquecimento global “bem abaixo de 2°C”, com esforços para limitá-lo a 1,5°C.
O Caso Brasileiro e os Desafios de Produção
O Brasil, país anfitrião da COP30 em novembro de 2025 e que divulgou antecipadamente sua meta climática de 2035 (com redução de emissões de 59% a 67% em relação aos níveis de 2005), é citado no relatório como um exemplo que destoa do caminho global para a sustentabilidade. A estimativa de produção nacional, de 2023 para o estudo atual, registrou um acréscimo de 4,1 exajoules em petróleo e 0,9 exajoules em gás.
Para contextualizar, um exajoule corresponde a um quintilhão de joules. Em comparação com outros países da lista, o aumento brasileiro na produção de petróleo é superado apenas pelos 4,2 exajoules da Arábia Saudita, enquanto o da Índia, com 7,3 exajoules em carvão, é o único maior em termos gerais. Roberto Schaeffer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e participante na elaboração do relatório, aponta o pré-sal como o principal fator desses expressivos saltos na produção nacional nas últimas duas décadas.
Projeções e o Futuro dos Combustíveis Fósseis
Apesar das evidências alarmantes do aquecimento global, manifestadas em inundações, ondas de calor e queimadas recordes, Schaeffer projeta uma outra linha do tempo para a produção de combustíveis fósseis. Segundo o especialista, se o Brasil não iniciar novas explorações de petróleo, a produção nacional atingirá seu pico apenas em 2035.
Contudo, a realidade global sugere que tanto o Brasil quanto o resto do mundo não cessarão a produção de combustíveis fósseis até 2050. A meta para a maioria dos países nos próximos 25 anos é o “net zero”, ou seja, zerar as emissões líquidas de carbono. Essa projeção implica uma demanda remanescente de cerca de 50 milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente à metade da demanda atual. A discussão levantada pelo relatório é, portanto, sobre quem serão os produtores dessa porção residual de energia fóssil.
As aspirações do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de outros membros do governo e de uma frente parlamentar no Congresso Nacional, visam posicionar o Brasil como um dos futuros produtores. Contudo, Schaeffer traça uma distinção: “Uma coisa é produzir o petróleo que a gente já achou, pré-sal, por exemplo. Outra coisa é se faz sentido você ir para uma nova fronteira. Eu acho que não faz”, pontua.
As Equações Temporais da Economia Fóssil
Outros fatores temporais complexos pesam na análise. Um campo de petróleo, para ser economicamente viável, demanda aproximadamente 30 anos de exploração. A implantação de uma nova exploração, como a da foz do Amazonas, levaria entre dez e 15 anos para ser efetivada. Além disso, o tipo específico de petróleo daquela região exigiria novas refinarias, que, por sua vez, levariam mais dez anos para serem construídas e ao menos três décadas para terem seu investimento amortizado.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Schaeffer questiona: “A Petrobras vai produzir esse petróleo até 2070? Tem que combinar com os russos, e são muitos os russos nessa história”, referindo-se aos diversos atores e interesses globais. Idealmente, países deveriam deliberar sobre quem assumiria essa produção residual, que ainda desempenhará um papel crucial. Afinal, navios com vida útil de 40 anos e aeronaves com 30 anos não serão, na maioria dos casos, movidos a energia solar, eólica ou nuclear no curto e médio prazo.
A ausência de consenso entre as nações sobre as metas climáticas acarreta um risco elevado de “stranded assets”, ou seja, ativos cujos investimentos não poderão ser recuperados. O analista sênior da Climate Analytics, Neil Grant, coautor do relatório, descreve como “frustrante ver dinheiro público sendo desperdiçado”, mas enfatiza que é “intolerável mesmo é pensar nos custos humanos e ambientais desses planos de expansão fóssil, especialmente para as populações mais vulneráveis.” Ele conclui que, apesar de as energias renováveis estarem à frente, muitos governos parecem regredir para o passado fóssil.
Implicações e Próximos Passos para o Planeta
Dos vinte países examinados no estudo, 17 planejam intensificar a produção de, no mínimo, um tipo de combustível fóssseis, um grupo que, lamentavelmente, inclui o Brasil. Em contraponto, apenas seis nações conseguiram alinhar suas estratégias de extração com suas respectivas metas climáticas nacionais, representando uma modesta melhora em relação ao relatório de 2023, quando apenas quatro países demonstravam tal sincronia.
A pesquisa reforça a conclusão inegável de que o planeta necessita de uma redução de emissões mais drástica e rápida para cumprir as diretrizes do Acordo de Paris e o consenso científico sobre os severos impactos de um aquecimento acima de 2°C. Emily Ghosh, especialista do SEI e coordenadora do estudo, adverte que o adiamento de ações eficazes “irá fixar emissões adicionais e agravar os impactos climáticos”.
Roberto Schaeffer projeta que, futuramente, o mundo precisará alcançar “emissões líquidas negativas”, capturando mais carbono do que o emitido para baixar a temperatura global. Nesse cenário, o Brasil poderia desempenhar um papel estratégico, tanto em iniciativas de reflorestamento e florestamento quanto na produção de biocombustíveis que incorporam tecnologias de captura de carbono nas refinarias. No entanto, ele pondera que as tecnologias de captura direta de carbono da atmosfera, embora incensadas, parecem inviáveis em larga escala a longo prazo. “A situação não é boa”, sintetiza o professor.
A discrepância entre os planos de produção de combustíveis fósseis e as metas climáticas acordadas globalmente é alarmante e representa um risco significativo para o futuro do planeta. É imperativo que os governos realinhem suas políticas energéticas e promovam uma transição acelerada para fontes renováveis, honrando os compromissos do Acordo de Paris para proteger as gerações futuras. Uma fonte essencial para entender os esforços globais em sustentabilidade é o site das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que oferece uma vasta gama de informações e metas relacionadas aos desafios ambientais.
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Crédito da Imagem: Adam Gray/Reuters
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