As prisões israelenses, formadoras de líderes palestinos, foram mais uma vez o epicentro de intensas discussões após a recente libertação de detidos em trocas complexas. Ônibus transportando prisioneiros palestinos completaram sua curta jornada das instalações prisionais de Israel para as devastadas áreas da Faixa de Gaza. O Hamas, o grupo terrorista palestino, celebrou o evento com uma declaração de vitória, enfatizando o cumprimento de uma promessa a seus “cativos libertados”.
A organização ressaltou que a “libertação de cativos das prisões inimigas sempre foi, e continuará sendo, o cerne de nossas prioridades nacionais”, consolidando sua missão essencial para a causa palestina. Para as autoridades israelenses, os ocupantes dos ônibus eram categorizados como “terroristas”, aproximadamente 4.000 indivíduos liberados durante os dois anos de conflito em Gaza, em troca da maioria dos 251 reféns mantidos pelo Hamas. No entanto, do ponto de vista palestino, o grupo cumpriu uma de suas principais razões de ser, que é libertar seus membros das renomadas e muitas vezes temidas prisões de Israel.
Prisões Israelenses: Formadoras de Líderes Palestinos Influentes
Grande parte dos indivíduos recentemente libertados não passou por julgamento formal e esteve sob regime draconiano durante o período de guerra. Muitos eram tidos como participantes de menor peso no prolongado conflito, incluindo jovens condenados por lançar pedras ou detidos devido a postagens em plataformas de mídias sociais. Contudo, a última rodada de trocas incluiu cerca de 250 pessoas que Israel classifica como “pesos pesados” – veteranos do terrorismo com condenações por assassinato de civis, proferidas em julgamentos militares secretos com uma taxa de condenação de 99%.
A pressão constante pela libertação desses prisioneiros de alto valor, em troca de reféns, constitui um dos desafios éticos e estratégicos mais intrincados já enfrentados por Israel. Essas trocas, descritas por um oficial israelense como uma “tradição de necessidade”, possuem um longo e particular histórico que define as interações entre o Estado judeu e seus adversários. Desde a década de 1980, e mesmo antes da eclosão da guerra em Gaza, Israel realizou a troca de, no mínimo, 8.500 prisioneiros por menos de 20 reféns ainda em vida – majoritariamente soldados – além dos restos mortais de outros oito, segundo levantamentos do Financial Times.
Este sistema criou um incentivo adverso para militantes, não apenas o Hamas, que veem no sequestro de israelenses, especialmente militares, uma forma de trocá-los por seus próprios membros. Tal dinâmica também fomenta um incomum mercado de valor humano, no qual cada israelense sequestrado pode equivaler à liberdade de dezenas, ou até centenas, de palestinos. Consequentemente, esse processo catalisou a ascensão de alguns palestinos que, ao saírem da detenção, alcançaram um nível de influência muito maior do que possuíam antes de serem presos. De fato, as prisões israelenses tornaram-se um centro de formação involuntária para a próxima leva de lideranças palestinas.
No ambiente carcerário, militantes de diferentes facções – como o Hamas islâmico, seu rival nacionalista Fatah, e outros grupos palestinos como a esquerdista FPLP e a Jihad Islâmica, apoiada pelo Irã – convivem e interagem. Esse convívio proporciona um intercâmbio de ideias e uma oportunidade para estudo, enquanto aguardam a próxima libertação e veem suas reputações crescerem fora dos muros. Os prisioneiros têm até um apelido para este fenômeno: “Universidade Hadarim”, em referência a uma prisão israelense que notavelmente oferece um programa universitário formal.
Figuras proeminentes como Sheikh Ahmed Yassin, fundador do Hamas, e Yahya Sinwar, considerado o mentor intelectual do ataque de 7 de outubro de 2023 que desencadeou o atual conflito, são exemplos de líderes forjados por esse sistema prisional. “Alguém que se sacrifica por sua pátria, torna-se um de nossos heróis”, afirmou Amani Sarahneh, do grupo de defesa Clube dos Prisioneiros Palestinos, salientando que, “depois que saem da prisão, tornam-se parte do cenário de liderança política”.
Alguns indivíduos liberados em trocas anteriores, ocorridas no início do ano, são tidos como ícones da resistência palestina. Entre eles, Zakaria Zubeidi, um combatente de Jenin que ascendeu à liderança de uma companhia teatral, imortalizado no folclore palestino em 2021 por uma célebre e breve fuga da prisão escavando seu caminho. Outro exemplo é Hossam Shaheen, um líder juvenil do Fatah, que se destacou por suas notórias greves de fome. Apesar das recentes libertações, Israel recusou-se a soltar os chamados “mais pesados dos pesados”, como Marwan Barghouti, líder do Fatah – que é frequentemente descrito por seus apoiadores como o “Nelson Mandela palestino” – e Ahmed Sa’dat, figura central da Frente Popular Marxista-Leninista para a Libertação da Palestina, preso pelo assassinato de um ministro israelense em 2001.
Ainda assim, as forças israelenses libertaram indivíduos pelos quais gastaram consideráveis recursos para localizar e capturar. Um caso emblemático é Abdel Nasser Issa, detido em 1995 aos 27 anos de idade sob a acusação de planejar atentados a ônibus. Sua captura ocorreu após a agência de segurança israelense Shin Bet rastreá-lo de Damasco até Gaza e, finalmente, a um apartamento em Nablus, na Cisjordânia ocupada. Issa foi identificado como um dos fundadores da ala militar do Hamas na Cisjordânia, as mesmas Brigadas al-Qassam que Israel confrontou em Gaza, e foi sentenciado a duas prisões perpétuas e mais sete anos por tribunais militares. No entanto, em fevereiro deste ano, após três décadas na prisão, Issa, agora com 57 anos e mais magro, saiu de uma prisão israelense durante um período de cessar-fogo.
Como militante, Issa vivia nas sombras, mas seu tempo na prisão apenas intensificou sua lenda, alimentada pela história de que ele resistiu à tortura israelense tempo suficiente para auxiliar um de seus discípulos a concretizar uma missão suicida final. O Hamas o elevou ao status de símbolo público da resistência palestina, e ele é amplamente visto como um potencial candidato à liderança. Para Israel, Issa representa agora um risco latente: um militante experiente que, por meio da prisão, se transformou em um nome que inspira novos recrutas. Um ex-alto funcionário do Shin Bet, envolvido na sua captura original, alertou: “Fiquem de olho neste sujeito. Nós ficaremos. Ele era perigoso na época. É perigoso agora.”

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Por enquanto, Issa mantém uma postura discreta, conforme informações de uma autoridade do Oriente Médio ciente de seus movimentos. Em declaração ao Financial Times, concedida no Cairo após sua libertação, Issa descreveu sua experiência na prisão como “muito interessante e enriquecedora”. “Conheci tantos líderes diferentes, de tantos espectros distintos da vida política palestina – de direita, de esquerda, os islamistas e os nacionalistas”, afirmou. Sua fala mansa e evasiva ecoa a de outras autoridades do Hamas, citando o direito internacional e resoluções da ONU, mas ele se recusou a discutir seu próprio envolvimento na morte de civis israelenses.
Ele negou representar qualquer ameaça a israelenses ou judeus, mas admitiu que suas ideias são, sim, uma ameaça ao sionismo. “Talvez eu, como outros palestinos, só seja considerado perigoso porque existimos”, disse. “Talvez eu seja uma dor de cabeça para eles porque falo sobre resistir à ocupação.” Israel mantém a convicção de que, apesar de seus dias de combate terem ficado no passado, Issa ainda constitui uma ameaça operando do exterior. Ele poderia auxiliar o Hamas em atividades de arrecadação de fundos e nas redes que treinam e armam militantes no Líbano, na Síria e em outras localidades, de acordo com o ex-alto funcionário do Shin Bet. É uma preocupação com repercussões mais amplas na região. Informações detalhadas sobre os direitos dos presos em territórios ocupados podem ser encontradas em relatórios de organismos internacionais de direitos humanos.
Caso Issa venha a ascender à liderança, seu percurso replicaria um padrão que já dura décadas. No acordo Jibril de 1985, três soldados israelenses foram trocados por 1.150 palestinos, entre os quais estava Yassin, que mais tarde cofundaria o Hamas. Em 2004, Israel libertou 450 prisioneiros, majoritariamente libaneses, em troca de um empresário israelense sequestrado pelo grupo militante Hezbollah e os corpos de três soldados. Anos mais tarde, o então chefe do Mossad, Meir Dagan, revelou que os libertados naquela ocasião foram responsáveis pela morte de pelo menos 231 israelenses.
No entanto, a troca que mais perturbou os serviços de segurança israelenses foi a libertação de Sinwar em 2011, que estava preso pelo assassinato de palestinos que ele suspeitava serem informantes de Israel. Sinwar, que foi libertado ao lado de mais de mil palestinos em troca de um único soldado israelense, Gilad Shalit, escalou as fileiras do Hamas para se tornar seu líder em Gaza. Ele é quem, eventualmente, orquestrou o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, evento em que autoridades israelenses reportam que 1.200 pessoas foram mortas e 250 foram feitas reféns.
É importante notar que nem todos os milhares de palestinos detidos nas prisões de Israel esperam pela fama caso sejam libertados. A maioria simplesmente almeja sobreviver, especialmente após os relatos de espancamentos e desnutrição se tornarem mais frequentes desde 7 de outubro, conforme apontam grupos de direitos humanos. Desde essa data, pelo menos 75 prisioneiros faleceram sob custódia israelense, segundo informações de organizações de direitos humanos. Contudo, para alguns, a experiência na prisão de fato “cria novos líderes”, como expressou Ammar Mustafa Mardi, 43 anos, libertado em fevereiro após 22 anos de detenção pelo assassinato de um colono judeu na Cisjordânia. Mardi mencionou ter aprendido muito durante seu período de custódia com palestinos como Sinwar, Barghouti e Sadat, que foram seus companheiros de cela e “professores”. Ele os descreveu como “iguais entre nós”, os “primeiros entre iguais, nos ensinando algo novo todos os dias”.
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Em suma, as prisões de Israel atuam como um ambiente complexo e multifacetado, não apenas para a detenção de palestinos, mas, inadvertidamente, para o amadurecimento e a ascensão de figuras que se tornam parte integrante da futura liderança palestina, tanto em sua vertente política quanto em suas facetas de resistência. Continuar acompanhando os desdobramentos desta dinâmica é crucial para entender a evolução do conflito e das relações na região. Explore nossa editoria de Política para mais análises aprofundadas sobre cenários globais.
Crédito da imagem: Rizek Abdeljawad – 13.out.25/Xinhua
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