O Brasil assistiu a um aumento impressionante na aplicação da prisão domiciliar nos últimos dez anos. Conforme dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o número de indivíduos cumprindo pena em casa saltou de apenas 6.027 no segundo semestre de 2016 para surpreendentes 235.880 no primeiro semestre de 2025, o que representa um crescimento de 3.812% no período. Essa elevação redefine o panorama do sistema carcerário nacional e os desafios relacionados à gestão da população prisional.
A mais recente avaliação do cenário prisional brasileiro indica que a população total de detentos alcançou a marca de quase 1 milhão de pessoas. Mais precisamente, são 941.752 presos, divididos entre 705.872 que permanecem em unidades prisionais físicas e os 235.880 já mencionados, que cumprem medidas judiciais em prisão domiciliar. Embora o patamar de presos em celas tenha superado novamente 700 mil neste ano, ele ainda se mantém aquém dos níveis pré-pandemia de Covid-19. Em 2019, por exemplo, antes da crise sanitária, o país registrava o recorde de 750.836 pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais, o ponto mais alto da série histórica iniciada em 2016.
Prisão Domiciliar no Brasil Cresce 3.812% em Uma Década
As estatísticas oficiais que detalham essa significativa transformação no sistema carcerário são disponibilizadas pelo Sisdepen, o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, sob a gestão da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais). Este órgão é responsável pela compilação e divulgação semestral dos dados referentes ao complexo prisional do país, garantindo transparência sobre o dimensionamento e as características da população encarcerada.
A abrangência da prisão domiciliar inclui tanto indivíduos que são monitorados por meio de tornozeleiras eletrônicas quanto aqueles que cumprem a medida judicial sem a utilização de dispositivos de rastreamento. Essa distinção ressalta a variedade de cenários e a adaptabilidade das condições de cumprimento de pena fora das prisões convencionais.
Em alguns estados, a preferência pela prisão domiciliar é ainda mais acentuada, superando a quantidade de detentos em prisões físicas. Paraná, Rondônia e Amazonas figuram entre as unidades federativas com os maiores índices: no Paraná, 61,03% dos presos cumprem pena em casa; em Rondônia, esse percentual atinge 51,24%; e no Amazonas, 50,14% da população carcerária está em regime domiciliar. Quando questionada, a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas indicou que o tema seria de responsabilidade do Tribunal de Justiça local, enquanto os outros dois estados não se manifestaram sobre a questão.
Legislação e Impacto da Prisão Domiciliar
A prisão domiciliar foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 2011, por meio de alterações no Código de Processo Penal. Essa modalidade permite que pessoas submetidas à prisão preventiva cumpram a restrição de liberdade em suas residências, mediante condições estabelecidas pela Justiça, em substituição à permanência em uma unidade prisional.
O benefício da medida cautelar alternativa é estendido a diversos grupos considerados vulneráveis, englobando idosos acima de 80 anos, gestantes, pessoas com doenças graves, mulheres que são mães de filhos de até 12 anos incompletos, e homens que sejam os únicos responsáveis pelo cuidado de crianças nessa mesma faixa etária. Em tais situações específicas, a prisão domiciliar pode ser aplicada inclusive a indivíduos já condenados, com a decisão final sempre a cargo do juiz responsável pelo caso. A iniciativa de criar tal norma estava intrinsicamente ligada à busca por soluções para a problemática da superlotação carcerária e ao incentivo à adoção de alternativas menos drásticas ao encarceramento.
As prisões no Brasil são frequentemente palco de graves problemas, incluindo precariedade, condições insalubres, superlotação extrema, violência constante, proliferação de doenças e, lamentavelmente, mortes. Ao longo da última década, o país registrou a alarmante cifra de 17 mil óbitos dentro desses ambientes, conforme documentado em uma série de reportagens investigativas da Folha de S.Paulo, evidenciando o quão críticos são esses espaços.
Fatores para o Aumento da Medida e Soluções Propostas
De acordo com Rafael Pacheco, presidente do Consej (Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, da Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária), a pandemia de Covid-19 teve um papel crucial na intensificação do uso da prisão domiciliar. Durante a crise sanitária, o Poder Judiciário passou a aplicar essa medida com mais frequência, sobretudo em razão de condições de saúde. “A maioria das prisões domiciliares está relacionada a questões de saúde, já que, evidentemente, a capacidade de cuidado é menor em ambiente prisional. Quando há risco à saúde, é natural que os juízes querem conceder decisões para proteger o direito à vida”, ressaltou Pacheco.
Pacheco ainda sugere que o aumento nas concessões de prisão domiciliar contribui para amenizar, de certo modo, a pressão sobre o já saturado sistema prisional. Ele aponta que o crescimento do número de pessoas presas é multifatorial, citando avanços tecnológicos como o reconhecimento facial e, de outro lado, o endurecimento legislativo. Ele menciona especificamente as recentes alterações nas regras de saída temporária e de progressão de regime, que tendem a manter indivíduos detidos por períodos mais prolongados. Outra mudança relevante, que afeta diretamente o tempo de reclusão, é a elevação do tempo mínimo de cumprimento de pena para aqueles condenados por crimes hediondos.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A divulgação desses dados recentes sobre o contingente de presos ocorre em um período de intensa mobilização, que inclui a implementação do Plano Nacional Pena Justa. Este plano é uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e tem como meta aprofundar ações até 2027. O objetivo primordial é reverter o “estado de coisas inconstitucional” no sistema carcerário, promovendo o combate efetivo à superlotação e aperfeiçoando as condições de detenção dos indivíduos.
O Pena Justa estrutura suas atividades em quatro pilares fundamentais: fiscalização e controle de vagas nas prisões, modernização e melhoria da infraestrutura dos estabelecimentos penitenciários, fomento à reintegração social de egressos do sistema e a prevenção contínua de violações de direitos humanos. Esta ação é uma resposta direta a uma determinação proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Cristiano Maronna, diretor do Instituto Justa, argumenta que a expansão da prisão domiciliar reflete uma persistente inclinação ao encarceramento no país, característica de um Judiciário que, em sua análise, “prende muito e mal”. Ele nota um aumento no recurso a este instrumento tanto pelo sistema de Justiça quanto pelas defesas nos últimos anos. Maronna enfatiza a relevância da medida, afirmando: “Trata-se de um direito do acusado e de uma questão de humanidade, sobretudo em casos de doença grave, já que faltam condições adequadas de tratamento no sistema prisional. Pesquisas mostram que muitos morrem por causas evitáveis.”
Até a publicação desta notícia, nem a Senappen nem o CNJ responderam aos pedidos de comentários sobre os dados apresentados, que revelam as dinâmicas e os desafios atuais do sistema de justiça penal no Brasil.
Para aprofundar a compreensão sobre o impacto das decisões judiciais no cenário penitenciário e as políticas de combate à superlotação, consulte os esforços do Programa Nacional Pena Justa, do Conselho Nacional de Justiça.
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Essa análise do panorama da prisão domiciliar destaca as transformações e os persistentes desafios do sistema prisional brasileiro. Para continuar acompanhando notícias e análises sobre o tema, visite nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Pedro Ladeira – 07.nov.2023/Folhapress
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