Presença de Opioides no Brasil ainda é Mal Documentada

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A discussão sobre a escalada e os riscos de dependência química intensifica-se globalmente, e um alerta é emitido por figuras proeminentes. O médico cancerologista Drauzio Varella, autor da obra “Estação Carandiru”, sublinhou em um artigo recente a preocupação crescente com a defasagem na documentação da presença de diversos opioides no Brasil. Ele ressalta que, embora essas substâncias sejam pauta frequente em nações como Estados Unidos e Europa, a análise e a vigilância no cenário brasileiro ainda se mostram incipientes, pavimentando um caminho perigoso para uma crise de saúde pública similar.

A trajetória histórica dos opioides é longa e complexa. A substância precursora, o ópio, é um extrato da papoula, com registros de uso que remontam a mais de cinco milênios, originário da Mesopotâmia. No século XIX, a relevância econômica e geopolítica do ópio foi brutalmente demonstrada nas chamadas “guerras do ópio”, nas quais a Inglaterra lutou para assegurar a si o direito de comercializá-lo em território chinês, um episódio que marcou as estratégias de dominação colonial da época.

Presença de Opioides no Brasil ainda é Mal Documentada

A ciência avançou na manipulação dessas substâncias. No início do século XX, químicos alemães isolaram o princípio ativo do ópio: a morfina. Esse potente analgésico desempenhou um papel crucial no tratamento de feridos em ambas as Grandes Guerras Mundiais e é, até hoje, uma ferramenta vital na medicina moderna para o manejo de dores severas e refratárias. Suas qualidades — ser potente, de baixo custo e ter toxicidade bem conhecida — tornaram-na fundamental para o uso clínico responsável, desde que acompanhada de controle rigoroso, seguindo as diretrizes para a prescrição de opioides. Apesar de seus benefícios, a regulação é essencial. A legislação sobre substâncias psicoativas, como documentado pelo Ministério da Saúde, busca controlar o acesso e mitigar os riscos associados a esses medicamentos.

Avanços na síntese de derivados opioides trouxeram, no entanto, novos desafios. Em 1897, a heroína foi sintetizada, recebendo seu nome em virtude da sensação inicial de euforia e poder que provocava. Em 1927, o laboratório alemão Merck a lançou comercialmente, indicada inclusive como analgésico para adultos e crianças. No entanto, o rápido avanço do uso recreativo em grandes centros urbanos da Europa e dos Estados Unidos desencadeou uma grave crise de saúde pública.

As propriedades altamente viciantes da heroína se manifestam na intensa síndrome de abstinência, caracterizada por quadros de ansiedade incontrolável que comprometem a capacidade do dependente de realizar atividades cotidianas. O uso contínuo leva à tolerância, um estágio em que o prazer inicial desaparece, substituído por um desespero avassalador pela próxima dose, simplesmente para evitar os sintomas da abstinência. No tratamento dessa dependência, a metadona, outro derivado do ópio, é frequentemente prescrita por médicos. O objetivo é atenuar a síndrome de abstinência e livrar o indivíduo da dependência do tráfico, embora isso represente a substituição de um opioide por outro em um contexto de tratamento controlado.

Ameaça Crescente de Opioides Potentes e a Experiência Americana

A tolerância progressiva é um dos fatores críticos por trás do aumento das mortes por overdose. A busca incessante por uma euforia que se torna cada vez mais elusiva leva o usuário a aumentar as doses continuamente, elevando o risco. Um exemplo marcante é a oxicodona, um opioide sintetizado na Alemanha em 1916 e introduzido no mercado americano como Oxycontin pela Purdue Pharma a partir de 1995. As táticas agressivas de marketing da empresa foram alvo de processos judiciais em razão da vasta epidemia de óbitos por overdose que se espalhou por inúmeras cidades nos Estados Unidos.

A situação piorou drasticamente em 2013, com a invasão do mercado americano pelo fentanil. Este opioide, comumente utilizado em anestesias hospitalares, é aproximadamente cem vezes mais potente que a morfina. Sua produção em laboratórios clandestinos, predominantemente na Ásia (China e Índia), favoreceu o tráfico em grande escala devido aos baixos custos de fabricação, facilidade de transporte, margem de lucro exorbitante e a eficiente rede de traficantes mexicanos que controlam as rotas na fronteira com os Estados Unidos, o maior consumidor mundial de drogas ilícitas.

Diferente da heroína, cujo consumo se concentrava mais em áreas marginalizadas e entre grupos específicos das grandes cidades, o fentanil conseguiu uma penetração mais profunda na sociedade americana. Sua facilidade de distribuição, combinada com sua potência farmacológica, gerou uma verdadeira tragédia nacional. A epidemia de mortes por overdose se disseminou entre adolescentes e jovens de classe média, mesmo nas pequenas cidades do interior. Em 2023, foram registrados impressionantes 110 mil óbitos, dos quais cerca de 80% foram atribuídos ao fentanil, uma droga em que a diferença entre a dose usual e a dose letal é extremamente pequena.

Presença de Opioides no Brasil ainda é Mal Documentada - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

No entanto, a partir de 2024, esforços significativos começaram a mostrar resultados. O aumento da disponibilidade do naloxone, um antídoto capaz de reverter overdoses por opioides, juntamente com campanhas educativas intensas nos meios de comunicação, contribuiu para que a epidemia de overdoses nos Estados Unidos começasse a dar sinais de arrefecimento, oferecendo um vislumbre de esperança na contenção desta crise de saúde pública.

Opioides no Brasil: Riscos e a Urgência de Documentação e Prevenção

O cenário, porém, é de constante evolução. A revista Time, por exemplo, publicou um artigo investigando a entrada de novos opioides nos Estados Unidos: “múltiplos análogos ou variações de opioides conhecidos como nitazenos têm sido detectados em uma dúzia de estados”. A matéria adverte que “alguns têm potência semelhante à do fentanil, outros são menos prevalentes, mas exponencialmente mais potentes”, elevando o nível de alerta global para essas substâncias perigosas.

Em contraponto à robusta documentação e experiência de outros países, a presença desses opioides no Brasil permanece, como bem pontua Drauzio Varella, mal documentada. As apreensões de fentanil no território brasileiro têm sido modestas em comparação com as de crack e cocaína. Este é um momento crucial, o que o médico define como a oportunidade ideal para que campanhas educativas alertem a população sobre o altíssimo risco de parada respiratória associado ao uso dessas drogas. Ele reforça que esta não é uma preocupação restrita apenas a americanos e europeus; em um mundo globalizado, a questão nos interessa e nos afeta diretamente.

A advertência de Drauzio Varella remete a um erro do passado, aos anos 1980. Naquela década, apesar do conhecimento prévio sobre a epidemia de crack que já assolava as áreas mais vulneráveis das cidades americanas, o Brasil falhou em implementar medidas preventivas eficazes e campanhas de alerta para as crianças e jovens. Quando o crack finalmente invadiu o país, a juventude brasileira estava despreparada, sem a mínima noção do “inferno” que aquela substância transformaria suas vidas, conforme a dura constatação. É um paralelo importante que nos obriga a agir de forma diferente agora.

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Em suma, a observação do Dr. Drauzio Varella sublinha a necessidade premente de o Brasil fortalecer sua vigilância e documentação sobre a circulação de opioides potentes como o fentanil e os nitazenos. A lição de que “o crime, a doença e a loucura também igualam a gente”, como escreveu Lima Barreto, deve ecoar em campanhas educativas e na implementação de políticas públicas preventivas, evitando que nossos jovens enfrentem, sem conhecimento, os perigos destas novas drogas. Continue acompanhando nossas publicações para análises aprofundadas sobre saúde e políticas públicas em áreas urbanas. Não perca nenhum detalhe da discussão essencial que se desenrola no país.

Crédito da imagem: Líbero / Folhapress

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