Posse de Ana Maria Gonçalves na ABL Celebra História e Diversidade
A cerimônia de posse de Ana Maria Gonçalves na ABL marcou um momento histórico para a literatura brasileira na noite da última sexta-feira, dia 7 de junho, no Rio de Janeiro. A aclamada autora, amplamente conhecida por seu impactante romance “Um Defeito de Cor”, ocupou formalmente a cadeira número 33 da Academia Brasileira de Letras. Este feito notável a estabeleceu não apenas como a décima terceira mulher a integrar o seleto grupo de imortais da instituição, mas, e mais significativamente, como a primeira mulher negra eleita para o distinto quadro. O evento representou um profundo tributo às suas raízes e à ancestralidade que incessantemente moldam a sua obra e percurso de vida.
O discurso de Ana Maria Gonçalves teve início com uma saudação profunda e reverente: “Benção, mãe. Benção, pai.” Estas palavras, proferidas após uma salva de palmas emocionadas, renderam homenagem às suas origens e à inquebrável conexão com a ancestralidade, elementos que servem como pilares fundamentais tanto de sua criação literária quanto de sua identidade pessoal. Foi um pronunciamento carregado de emoção genuína e permeado por um tom contundente, no qual a escritora celebrou efusivamente a conquista de seu lugar na renomada Casa de Machado de Assis. Durante este instante solene, ela dedicou a honraria à memória daqueles que a precederam, que pavimentaram seu caminho e cuja força a inspirou. “Agradeço, por fim, à minha ancestralidade, fonte inesgotável de conforto, fé, paciência e sabedoria”, reiterou Gonçalves, enfatizando a importância intrínseca dessa rica herança espiritual e cultural que a alimenta.
Durante sua intervenção,
Posse de Ana Maria Gonçalves na ABL Celebra História e Diversidade
, a nova imortal revisou a ilustre e diversificada trajetória de seus antecessores que ocuparam a cadeira de número 33. Ela mencionou com especial reverência o fundador, Domício da Gama, uma figura multifacetada que se destacou como jornalista, diplomata, contista e cronista, nascido em Maricá no ano de 1862. Sua contribuição foi rememorada em um dia significativo, pois a data da posse marcava a véspera do centenário de falecimento de Domício. A escritora também prestou homenagem ao distinto linguista Evanildo Bechara, de quem formalmente herdou o posto. Gonçalves fez questão de ressaltar o inestimável legado intelectual de Bechara, caracterizado por sua erudição e pela profunda e declarada paixão que nutria pela língua portuguesa, um aspecto central de sua vasta obra e contribuições para o campo da linguística.
Legado da Cadeira 33 e a Essência da Língua Portuguesa
Detalhando o percurso de Evanildo Bechara, Ana Maria Gonçalves enfatizou a dimensão de seu legado acadêmico. Entre os anos de 1954 e 1985, Bechara foi autor de mais de vinte obras publicadas, entre as quais se destaca a “Moderna Gramática Portuguesa”, livro que se tornou referência incontornável. Além disso, Bechara desempenhou um papel central na complexa elaboração do novo acordo ortográfico da língua portuguesa, e sua maestria o consolidou como um dos mais respeitados estudiosos do idioma no Brasil. Essa contextualização sobre a cadeira 33 reforça a responsabilidade e o simbolismo da missão assumida pela nova imortal ao herdar um posto com tão rica herança intelectual e cultural dentro da Academia, reafirmando o compromisso com a excelência da língua portuguesa.
Desafios da Inclusão Feminina na ABL
Um ponto crucial abordado pela escritora em seu discurso foi a longa e desafiadora história da exclusão feminina dentro da Academia Brasileira de Letras. Ana Maria Gonçalves lembrou que, no início, a não admissão de mulheres na instituição não decorria de qualquer impedimento explícito nos estatutos, mas sim de um “acordo entre cavalheiros”, que persistiu por décadas. Ela ilustrou essa realidade ao citar o veto à candidatura da escritora Amélia Beviláqua, em 1930, um marco doloroso que expôs a barreira cultural então vigente. Essa lembrança contextualiza a persistência necessária para as mudanças que viriam a seguir, destacando a importância da quebra de paradigmas para uma Academia mais inclusiva.
No entanto, Gonçalves celebrou as mulheres pioneiras que, após a alteração dos estatutos da ABL, conseguiram quebrar essa barreira e ingressar na instituição. Ela mencionou nomes que se tornaram ícones da literatura e da cultura brasileiras, como Rachel de Queiroz, que foi a primeira mulher a tomar posse, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Zélia Gattai, Ana Maria Machado, Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro, Lilia Schwarcz e Miriam Leitão. Essas figuras representam uma nova era, mas a escritora fez questão de sublinhar a complexidade da trajetória: “Depois do apagamento de Júlia Lopes de Almeida, das candidaturas negadas de Amélia Beviláqua e Diná Silveira de Queiroz, viemos nós: Raquel, Lygia, Nélida, Zélia, Ana, Cleonice, Rosiska, Fernanda, Lília, Miriam e eu. Ainda somos poucas para tanto trabalho de reconstrução do imaginário sobre o que representamos”. A frase destaca o longo percurso a ser trilhado para uma representação equânime e multifacetada na Academia, um compromisso que se renova a cada nova posse.
Diversidade Negra e o Olhar para o Futuro da ABL
Com um tom visivelmente emocionado, Ana Maria Gonçalves abordou a questão da presença negra na ABL e a necessidade imperiosa de expandir a pluralidade de vozes dentro da prestigiosa instituição. A autora relembrou que, por um extenso período, Domício Proença Filho foi o único membro negro na Academia Brasileira de Letras, um dado que reflete uma realidade histórica de exclusão. Além disso, ela apontou que, por um tempo ainda mais prolongado, a própria negritude de Machado de Assis, o fundador da instituição, foi inexplicavelmente negada ou silenciada, deturpando parte fundamental de sua identidade. A escritora fez questão de destacar como as candidaturas de Conceição Evaristo, em 2018, e Ailton Krenak contribuíram para fomentar um debate vital e necessário sobre diversidade e inclusão, abrindo caminho para que a sua posse fosse uma realidade. “A discussão em torno da candidatura de Conceição Evaristo, em 2018, contribuiu para que eu esteja aqui hoje”, afirmou Ana Maria Gonçalves, reconhecendo o impacto desses debates para que a ABL “se olhasse no espelho e percebesse o quanto ainda falhava em representar todas as línguas faladas pelo nosso povo”.
Compromisso com a Inclusão e a Voz da Escrita Afro-Brasileira
Encerrando um discurso que se tornaria marcante na história da Academia, Ana Maria Gonçalves reiterou seu compromisso inequívoco com a diversidade e com a crucial tarefa de promover a abertura da “Casa de Machado”. Ela ressaltou seu posicionamento: “Cá estou eu, 128 anos depois de sua fundação, como a primeira escritora negra eleita para a Academia Brasileira de Letras, falando português e escrevendo a partir de noções de oralidade e escrevivência”. Este trecho sublinha não só a sua condição de pioneira, mas também a metodologia de sua escrita, profundamente enraizada em tradições orais e em vivências que expressam a negritude de forma autêntica. Ana Maria assumiu publicamente sua missão de “promover a diversidade nesta Casa, abrir suas portas ao público – verdadeiro dono da língua – e ampliar o empenho na divulgação e promoção da literatura brasileira”. Essas palavras demarcam uma visão proativa e inclusiva para o futuro da ABL, enfatizando a literatura como um espaço democrático para todas as vozes.
Ao citar importantes pensadoras negras como Neusa Santos e Chimamanda Adichie, Ana Maria Gonçalves reafirmou o poder transformador da literatura na reconstrução de identidades e na desconstrução de narrativas hegemônicas. Ela articulou: “Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, mas também a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades e venho trabalhar para que não sejamos empobrecidos pela contação de uma história única”. Essa perspectiva destaca a literatura não apenas como forma de expressão, mas como ferramenta vital de agência e empoderamento para comunidades marginalizadas, sublinhando a busca por múltiplos olhares sobre a complexidade da experiência humana. Para conhecer mais sobre a própria Academia Brasileira de Letras e sua missão institucional, pode-se consultar o site oficial da ABL.
As Repercussões e o Simbolismo da Posse
A apresentação formal da nova imortal foi conduzida pela historiadora Lilia Schwarcz, quinta ocupante da cadeira nº 9, eleita em 2024. Schwarcz, em sua fala, destacou com veemência o profundo impacto cultural e social de “Um Defeito de Cor”. Ela estabeleceu um pungente paralelo entre o passado e as realidades atuais, relembrando as recentes operações policiais nas comunidades do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. Lilia Schwarcz observou: “As mães que hoje choram seus filhos nas favelas do Rio são ecos das mulheres que, no tempo da escravidão, também perderam os seus. Ana Maria traz essas vozes para dentro da literatura e, agora, para dentro da Academia.” Essa análise ressaltou a relevância da obra de Gonçalves como ponte entre memórias históricas e a vivência contemporânea, dando voz a narrativas muitas vezes silenciadas e ampliando o escopo da literatura nacional.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
A significativa cerimônia contou com a participação de outras personalidades ilustres. Ana Maria Machado foi a responsável por entregar o colar acadêmico, em um gesto que sela a aceitação formal. Gilberto Gil, por sua vez, foi encarregado da entrega do diploma, destacando o reconhecimento da grandiosidade da obra e trajetória de Ana Maria. A comissão de entrada, que acompanhou Ana Maria Gonçalves em seu trajeto solene, foi composta por Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro e Miriam Leitão, nomes de peso na cultura nacional. Já a comissão de saída incluiu Domício Proença Filho, Geraldo Carneiro e Eduardo Giannetti, complementando a representatividade dos acadêmicos e reafirmando o caráter histórico do evento.
Visões sobre a Renovação da Academia
Miriam Leitão, também acadêmica da cadeira nº 12, fez um pronunciamento que sublinhou o profundo simbolismo da posse de Ana Maria Gonçalves para a ABL e para a literatura brasileira. “Foi em 1977 que a primeira mulher sentou numa cadeira aqui, a Rachel de Queiroz. Eu sou a 12ª e a Ana é a 13ª. É muito pouco tempo na história da Academia”, refletiu Leitão, dimensionando o longo período de exclusão feminina. No entanto, ela enfatizou: “Mas a entrada dela tem uma camada de representatividade fundamental. Ela traz a força da mulher e da literatura negra para dentro desta Casa.” Miriam Leitão acrescentou uma observação crucial sobre o momento atual da instituição: “A Academia está mudando o que precisa ser mudado e conservando o que precisa ser conservado. Mantém as tradições e se renova. Este é um dia histórico.” Suas palavras capturaram o equilíbrio entre tradição e modernidade que a ABL busca. Para mais informações sobre temas de representatividade e política, acompanhe nossas publicações.
A celebração da posse de Ana Maria Gonçalves na ABL repercutiu entre diversas figuras da cultura e do entretenimento. A atriz Regina Casé, em entrevista à Agência Brasil, expressou sua emoção particular sobre o evento. “Foi especialmente emocionante por ser a Ana, por ser uma mulher preta. O discurso dela nos lembra o quanto demoramos para ocupar esses espaços. É assustador pensar que só em 1977 uma mulher entrou aqui”, afirmou Casé, ressaltando o atraso histórico na inclusão feminina e negra. O ator e escritor Lázaro Ramos, grande admirador da obra de Gonçalves, classificou “Um Defeito de Cor” como “o livro de sua vida”. Ramos compartilhou: “Foi o livro que mais dei de presente. É o primeiro que me provocou sensações físicas — eu chorava, ria, sentia cheiro, textura. A escrita da Ana é muito especial. Hoje é uma noite de celebração e justiça literária.” Para Lázaro, a presença da escritora na Academia simboliza um processo de amadurecimento nacional: “É o Brasil reconhecendo talentos que demoraram a ser reconhecidos. A presença dela aqui é de justiça e diversidade. É o que a Academia merece e precisa.”
A Poesia de uma Conquista Coletiva
Ovacionada durante o discurso de Ana Maria Gonçalves, Conceição Evaristo definiu a posse da colega como uma vitória que transcende a esfera individual, qualificando-a como uma “conquista coletiva”. Evaristo expressou: “A conquista de Ana é uma conquista que representa todas nós, mulheres negras e escritoras. É como se estivéssemos todas dentro da Academia hoje.” Ela sublinhou o poder de “Um Defeito de Cor” em “cobrir lacunas que a história deixa. Quando a história silencia, a literatura fala”, um testemunho sobre a capacidade da arte de preencher vazios na memória coletiva. Conceição também vinculou a literatura a reflexões sobre o cenário social e político atual. Ela comentou a violência no Rio de Janeiro, afirmando que “mancha novamente a história brasileira de sangue”, mas reforçou que, embora a literatura não ofereça soluções imediatas, é nela que “podemos imaginar outro destino para o Brasil — um destino sem dor, sem exclusão”.
A emoção da noite foi igualmente resumida pelo imortal Gilberto Gil, que exaltou com admiração a excepcional qualidade do trabalho literário de Ana Maria Gonçalves. “É alegria e orgulho para a Academia. Ana Maria é uma das grandes artesãs da palavra, e sua escrita traz uma consciência profunda sobre o que é ser negro no Brasil. Ela representa o papel que os negros têm no processo civilizatório brasileiro”, declarou Gil, sublinhando o valor estético e a fundamental contribuição da escritora para a compreensão das questões raciais e culturais no contexto nacional. A união de personalidades de diferentes gerações na ABL para celebrar esta posse reforça a ideia de que a instituição, de fato, se renova ao honrar e acolher a diversidade de talentos e vozes que compõem a rica tapeçaria da cultura brasileira.
O Cardápio da Celebrção: Sabores da ancestralidade
Após a solenidade que empossou Ana Maria Gonçalves na Academia, os cerca de 300 convidados participaram de um jantar festivo, realizado no pátio externo da instituição, culminando a noite de celebrações. O cardápio foi um destaque: diretamente inspirado na aclamada obra “Um Defeito de Cor” e criado pela talentosa chef Dilma do Nascimento, conhecida como Dita. A chef manifestou sua emoção: “É uma emoção muito grande ser convidada para cozinhar aqui na Academia. Para nós, é um marco – um reconhecimento da África que veio para o Brasil.” Ela detalhou: “Baseei o cardápio na trajetória do livro, com pratos africanos e encerrando com as cocadas vendidas pelas personagens em busca da liberdade. Foi um prazer trazer essa história também pela comida.” Este momento gastronômico serviu como uma extensão da homenagem à ancestralidade e à cultura afro-brasileira, presente tanto na literatura de Ana Maria Gonçalves quanto na narrativa histórica do país.
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A posse de Ana Maria Gonçalves na ABL marca, portanto, não apenas um evento cerimonial, mas um divisor de águas na história da instituição e da literatura nacional. A eleição da primeira mulher negra imortal ressalta a importância de narrativas diversas e do reconhecimento de talentos que enriquecem o panorama cultural do Brasil, promovendo a abertura e a inclusão. Continuaremos a acompanhar e a noticiar os debates e avanços no campo da literatura e das artes. Para se manter atualizado sobre outras matérias de cultura e sociedade, visite a nossa categoria de Cultura e Sociedade em nosso portal.
Crédito da imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil


