A Polícia Civil do Rio Grande do Norte indiciou duas mulheres e um homem pela prática do crime de transfobia contra a vereadora Thabatta Pimenta, durante uma sessão ordinária realizada na Câmara Municipal de Natal. O incidente discriminatório ocorreu em 20 de maio do corrente ano, dentro do plenário da Casa Legislativa, quando a parlamentar era alvo de ofensas e insultos proferidos por indivíduos que ocupavam a galeria.
A investigação foi conduzida pela Delegacia Especializada em Crimes de Racismo, Intolerância e Discriminação (Decrid), sob a liderança da delegada Paoulla Maués. Segundo as análises dos depoimentos e vídeos colhidos pela Polícia Civil, ficou evidenciado que os agressores dirigiram práticas discriminatórias à vereadora em razão de sua identidade de gênero. O inquérito foi agora remetido à Justiça para que as devidas medidas sejam tomadas.
Polícia Civil de Natal indicia três por transfobia contra vereadora Thabatta Pimenta
Conforme o relato da delegada Paoulla Maués, os atos de discriminação surgiram “durante a fala, a manifestação de uma parlamentar mulher trans”, momento em que “pessoas das galerias iniciaram práticas discriminatórias em razão da sua identidade de gênero”. A representação jurídica de Thabatta Pimenta foi contactada pela equipe de reportagem, porém não houve retorno até a mais recente atualização desta matéria para comentar o ocorrido.
As três pessoas identificadas e indiciadas foram enquadradas nos artigos 2º-A e 20 da Lei nº 7.716/1989. Essa legislação aborda especificamente condutas de preconceito e discriminação que têm como base a identidade de gênero. A delegada Maués reforçou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que já equiparou os crimes de homofobia e transfobia ao racismo. “O STF já decidiu que crimes de transfobia e homofobia, ou seja, a discriminação em razão da identidade de gênero e em razão da orientação sexual é considerado crime de racismo”, pontuou a chefe da Decrid.
Thabatta Pimenta possui um histórico significativo na política local, sendo a primeira pessoa trans a ser eleita e a tomar posse como vereadora na capital potiguar, um marco que ocorreu após as eleições de 2024, quando obteve mais de sete mil votos. Previamente, em 2020, ela havia feito história em Carnaúba dos Dantas, onde se tornou a primeira vereadora trans em todo o Rio Grande do Norte.
Detalhes da Investigação e Perícia
Para fundamentar o indiciamento e a conclusão do inquérito, a Polícia Civil empreendeu uma série de procedimentos investigativos detalhados. Foram analisadas imagens de vídeo da sessão em que ocorreu o episódio de transfobia, bem como coletados depoimentos de testemunhas que presenciaram os fatos. Além disso, a investigação contou com o auxílio de laudos periciais emitidos pela Polícia Científica.
Um dos elementos cruciais para a apuração foi a perícia vocal, que confirmou a correspondência de voz entre uma das investigadas e as ofensas capturadas em registros audiovisuais. As testemunhas corroboraram que os ataques verbais foram direcionados de forma específica à vereadora, tendo como motivação explícita o fato de Thabatta Pimenta ser uma mulher trans. Isso caracteriza, legalmente, injúria e preconceito fundamentados na identidade de gênero da vítima.
A delegada Paoulla Maués expressou surpresa com um aspecto particular do caso: “O que chamou mais atenção na polícia foi o fato de que mulheres que estavam na galeria passaram a discriminar uma outra mulher, afirmando que ela, sim, ela, a ofensora, era mulher e aquela que estava falando [a vereadora] não era mulher, discriminando-a, subjugando-a e humilhando tão somente em razão da sua identidade de gênero”. Esse aspecto ressalta a complexidade e a violência inerente ao preconceito de gênero. O relatório final da Polícia Civil destacou que os atos transfóbicos ocorreram em um ambiente público e durante o exercício da função parlamentar da vítima, adicionando gravidade aos crimes imputados.

Imagem: g1.globo.com
Enquadramento Legal pelo STF
O Brasil, por meio do Supremo Tribunal Federal (STF), tem consolidado a jurisprudência que criminaliza a transfobia e a homofobia. Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que atos de transfobia, quando direcionados a indivíduos, devem ser equiparados e punidos como injúria racial. Essa decisão é uma extensão de um entendimento anterior de 2019, que já havia reconhecido a transfobia como uma modalidade de crime de racismo.
A distinção técnica entre crime de racismo e injúria racial é relevante: o crime de racismo refere-se a atos de discriminação contra um grupo ou coletividade de pessoas, enquanto a injúria racial caracteriza-se como uma ofensa direta à dignidade de uma única pessoa, em virtude de sua raça, cor, etnia, religião, origem, ou, como definido pelo STF, orientação sexual ou identidade de gênero.
Ambos os crimes, tanto o racismo quanto a injúria racial, são inafiançáveis e imprescritíveis, conforme a legislação brasileira. A pena para esses delitos varia de dois a cinco anos de prisão. Contudo, essa penalidade pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, como é o caso no indiciamento dos três indivíduos na situação da vereadora Thabatta Pimenta, o que enfatiza a gravidade das acusações e as implicações legais para os indiciados.
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A elucidação deste caso reforça a importância da legislação de combate à discriminação e a atuação das autoridades para garantir a proteção de minorias. Fique por dentro de outras análises e notícias relevantes sobre justiça e direitos civis acompanhando a editoria de Política em nosso portal.
Crédito da imagem: Elpídio Júnior/CMN



