O Poder das Crenças em Transições Críticas e Institucionais

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A discussão sobre a influência das crenças nas transições críticas ganha destaque através da análise de Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante de instituições de renome como o MIT e a Universidade Yale (EUA). A compreensão de como modelos mentais e convicções coletivas impactam o desenvolvimento econômico e a evolução institucional é um pilar central desta perspectiva, que encontra eco nas reflexões do premiado Joel Mokyr.

Joel Mokyr, vencedor do Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade Northwestern, apresentou uma visão detalhada de como elementos intangíveis como conhecimento, modelos mentais e as próprias crenças atuam como catalisadores cruciais no processo de desenvolvimento econômico. Sua pesquisa aponta que a eclosão da Revolução Industrial, por exemplo, não foi um mero acontecimento tecnológico, mas o resultado de uma “grande sinergia do Iluminismo”. Essa sinergia combinava a aplicação prática de “conhecimento útil”, seguindo o programa baconiano, com o reconhecimento fundamental de que instituições aprimoradas eram capazes de gerar incentivos mais eficazes. Ou seja, a inovação institucional e o progresso material estavam intrinsecamente ligados a uma base de ideias e valores compartilhados.

O Poder das Crenças em Transições Críticas e Institucionais

Na essência, a análise reforça que não apenas fatores materiais impulsionam o progresso a longo prazo. As ideias, crenças e valores de uma sociedade são elementos fundamentais para um desenvolvimento sustentável. A capacidade de um “empreendedor cultural” de moldar os modelos mentais existentes, de forma a alinhá-los a novos propósitos, torna-se um determinante preponderante para que as instituições consigam evoluir produtivamente. Este é um dos pontos-chave para compreender por que aquela revolução se estabeleceu e floresceu na Grã-Bretanha, diferentemente do cenário observado na China daquele período. Essa questão é brilhantemente desenvolvida na análise recente de Bernardo Mueller, destacando como as abordagens e entendimentos culturais distintos podem levar a trajetórias econômicas divergentes.

O impacto profundo desses conceitos levou à produção do livro “Brazil in Transition: beliefs, leadership and institutional change”, resultado de uma colaboração entre Lee Alston, Bernardo Mueller, Carlos Pereira e Marcus André Melo. Esta obra faz parte de uma prestigiada série editada pela Princeton Press e coordenada pelo próprio Joel Mokyr, que inclusive sediou um workshop em Chicago para debater o manuscrito. O livro propõe um quadro conceitual original, solidamente baseado na vasta experiência brasileira, e explora especificamente a complexa transformação institucional vivenciada pelo Brasil entre os anos 1980 e 1990. Uma de suas principais teses é que essas transições vão muito além de meros choques ou interesses econômicos e políticos; são fundamentalmente orientadas e moldadas pelas crenças. Crenças, nesse contexto, atuam como “mapas cognitivos” coletivos, fornecendo uma bússola que direciona as instituições e define o que os atores consideram viável, legítimo e desejável em um dado momento histórico.

Quando os resultados práticos se distanciam abruptamente das expectativas sociais ou econômicas, essas crenças coletivas se tornam mais flexíveis e maleáveis. É justamente nesse ponto de inflexão que a liderança adquire um papel crítico. Os líderes surgem como intérpretes essenciais desses “choques”, sejam eles econômicos, políticos ou sociais, atuando como articuladores. Sua missão é persuadir a “rede dominante” – composta por figuras do Executivo, empresariado, sociedade civil organizada, Judiciário e Legislativo – sobre a necessidade imperativa de novos arranjos institucionais. Ao interpretar e articular as implicações dos choques, líderes eficazes conseguem catalisar a aceitação de mudanças que, de outra forma, enfrentariam maior resistência, pavimentando o caminho para reformas institucionais profundas.

Esta moldura teórica apresentada pelo livro se alinha com a forte ênfase de Mokyr no papel motriz das ideias na evolução das instituições. A mudança de rota brasileira rumo à estabilidade macroeconômica e à promoção da inclusão social, consolidada na década de 1990, não pode ser simplificada como mera consequência de restrições estruturais preexistentes ou de pura pressão econômica. Pelo contrário, ela foi um reflexo direto de entendimentos coletivos e compartilhados de que um controle rigoroso da inflação e a implementação de políticas sociais robustas eram pré-condições indispensáveis para o alcance de uma prosperidade duradoura e equitativa. Contudo, essa transição, apesar dos avanços, não se consolidou de forma completa, evidenciando que a reformulação de crenças é um processo contínuo e por vezes demorado, que ainda enfrenta desafios.

Crises de grande envergadura, como a hiperinflação desenfreada, escândalos de corrupção sistêmica e choques fiscais agudos, historicamente criam aberturas e janelas de oportunidade para reformas profundas e reavaliações. A concretização e o sucesso dessas oportunidades, no entanto, estão diretamente atrelados à forma como a já mencionada “rede dominante” as percebe e as interpreta. Se essa interpretação é voltada para a ação e a inovação, as instituições têm o potencial de cristalizar novas crenças em um conjunto de regras e incentivos duradouros e estáveis. Subsequentemente, os resultados dessas novas configurações fornecem um retorno contínuo: o êxito e o desenvolvimento alcançado reforçam as crenças reformadas, enquanto o fracasso reabre o debate, provocando uma reavaliação crítica dos modelos mentais vigentes e, potencialmente, novos ciclos de transformação.

O Poder das Crenças em Transições Críticas e Institucionais - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

As crenças, portanto, estão longe de serem condições de fundo estáticas ou meramente passivas. Elas são dinâmicas, constantemente disputadas, sujeitas a reinterpretação e, muitas vezes, defendidas com eloquência retórica por diferentes atores sociais em diversas esferas. São elas que determinam se eventos impactantes, por mais catastróficos que sejam, serão vistos como anomalias isoladas e pontuais ou como mandatos claros para a implementação de reformas sistêmicas urgentes. Em essência, a forma como uma sociedade interpreta sua própria realidade, seus desafios inerentes e suas oportunidades disponíveis, define seu caminho evolutivo e a capacidade de seu progresso.

A principal lição a ser extraída dessas análises é que transições críticas, aquelas que realmente promovem saltos substanciais no desenvolvimento de uma nação, demandam tanto a modificação de modelos mentais coletivos profundamente enraizados quanto um novo desenho institucional. Os interesses meramente materiais, por si sós, não são capazes de explicar por que certos países conseguem manter uma trajetória de abertura, inovação e progresso consistente ao longo do tempo, enquanto outros acabam por regredir em seus próprios processos de desenvolvimento, entrando em espirais de estagnação. A história, assim, demonstra que uma sociedade precisa de uma sólida fundação de ideias e crenças compartilhadas para sustentar qualquer tipo de evolução e prosperidade de longo prazo.

Conforme sublinha Joel Mokyr, o processo de desenvolvimento de qualquer nação é uma batalha tão intensa de ideias quanto de recursos disponíveis. Para países que se veem enredados em ciclos repetitivos de crise e estagnação, o desafio primordial não reside exclusivamente na formulação de políticas públicas superiores e mais eficazes em termos técnicos. O verdadeiro cerne da questão está em cultivar e fomentar sistemas de crenças que sejam capazes de tornar a mudança institucional não apenas possível e desejável, mas provável e bem-sucedida, contando com o apoio de múltiplos atores. Sem uma mudança profunda no que uma sociedade acredita e valoriza, até as melhores e mais bem-intencionadas políticas podem falhar em seu objetivo de promover o avanço social e econômico esperado.

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Em suma, a compreensão do papel central das crenças nos processos de transição oferece uma nova perspectiva sobre a evolução social e econômica, indo além das explicações puramente materialistas. A obra de Marcus André Melo, em conjunto com as teorias de Joel Mokyr, ressalta a intrincada relação entre os pensamentos coletivos, a liderança estratégica e as profundas transformações que moldam o destino das nações. Para se aprofundar na análise desses e outros temas que moldam o cenário político e econômico brasileiro e global, explore a nossa editoria de Política e mantenha-se informado sobre os principais debates contemporâneos.

Crédito da imagem: Jim Vondruska – 13.out.25/Reuters

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