O policial militar condenado por homicídio culposo em execução de jovem é o cerne de uma recente e repercutida decisão judicial em São Paulo. Nesta quinta-feira (9), a Justiça brasileira proferiu a sentença contra o policial militar Vinicius de Lima Britto, que foi considerado culpado pelo assassinato de Gabriel Renan da Silva Soares, um jovem negro de 26 anos.
O trágico incidente ocorreu em 3 de novembro de 2024, no estacionamento de uma unidade da rede de mercados Oxxo, situada na movimentada Avenida Cupecê, Zona Sul da capital paulista. Gabriel Renan foi baleado fatalmente por Britto, que estava de folga, após o jovem furtar quatro pacotes de sabão. Toda a ação, que se desenrolou em apenas sete segundos, foi capturada pelas câmeras de segurança do estabelecimento, tornando-se uma peça fundamental nas evidências apresentadas.
A sessão de júri popular, que levou à condenação, ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, sob a presidência da juíza Viviane de Carvalho Singulane.
Policial Militar condenado por homicídio culposo em execução de jovem
O conselho de sentença foi composto por quatro mulheres e três homens. Inicialmente, as qualificadoras para o caso incluíam homicídio qualificado por motivo fútil, uso de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima, elementos que pesavam sobre a acusação.
Conforme a sentença, o ex-policial foi condenado a cumprir uma pena de 2 anos, 1 mês e 27 dias em regime semiaberto. Além da privação de liberdade, a decisão judicial inclui a perda do cargo público e a obrigação de indenizar a família de Gabriel Renan em R$ 100 mil. Apesar da condenação, a juíza determinou a expedição do alvará de soltura de Vinicius, enquanto a defesa ainda pode recorrer. O plenário do júri, completamente lotado, refletia a alta repercussão do caso, com a audiência dividida: de um lado, familiares e colegas de corporação do réu, vestidos à paisana; do outro, a família enlutada da vítima.
A fase de oitivas no julgamento foi crucial, com a participação de três testemunhas de um total de sete inicialmente arroladas, segundo informações do Tribunal de Justiça. O primeiro a prestar depoimento foi um funcionário do mercado Oxxo, que atendia o policial no caixa e presenciou o ocorrido. Para assegurar a proteção da testemunha, que teve sua oitiva estendida por cerca de uma hora, tanto o público quanto o próprio réu foram retirados do plenário.
Em um momento de profunda comoção, a mãe da vítima, Silvia Aparecida da Silva, compartilhou seu sofrimento. “Para mim foi um choque saber o que tinha acontecido com o meu filho. É difícil a ausência, saber que ele foi assassinado tão brutalmente”, desabafou. O depoimento de Silvia revelou o drama de Gabriel, que lutava contra o vício em drogas há anos. No dia fatídico, ele havia expressado o desejo de encontrar uma clínica de tratamento gratuita, um tempo que, infelizmente, lhe foi negado. A dor da perda se tornou palpável quando a assistência de acusação exibiu fotos da família, levando Silvia às lágrimas.
Antônio Carlos Moreira Soares, pai de Gabriel, foi a última testemunha a depor, visivelmente abalado e frequentemente interrompido pelas emoções. “Estou vivendo de remédio para depressão e ansiedade. Tiraram tudo de mim. Gabriel era tudo para mim. Tenho mais dois filhos, mas o Gabriel era tudo para mim, trabalhava comigo fazendo entrega”, lamentou, descrevendo a proximidade com o filho. Antônio Carlos expressou ainda sua visão sobre o réu, considerando-o despreparado para a função policial.
A tese de despreparo ganhou subsídios ao longo do julgamento, revelando que o policial militar Vinicius de Lima Britto havia sido reprovado em seu exame psicológico para ingressar na corporação em 2021, em sua primeira tentativa. Na avaliação, foram apontadas inadequações em critérios essenciais como relacionamento interpessoal adequado, capacidade de liderança e controle emocional.

Imagem: policial militar de folga em mercado de via g1.globo.com
No interrogatório, que durou aproximadamente 30 minutos, Vinicius narrou sua versão dos fatos. Ele alegou estar comprando cigarros quando ouviu, do lado de fora do mercado, um barulho seguido da frase “sai fora que estou armado”. O PM admitiu não ter testemunhado o furto dos sabões nem os pacotes em si, mas afirmou que o jovem estava com a mão no bolso do casaco, o que o levou a acreditar que Gabriel estivesse armado e que se tratava de um roubo. O réu argumentou que o corpo da vítima estava posicionado lateralmente, o que explicaria por que os tiros não foram disparados pelas costas. Após os disparos, ele disse ter se abrigado em uma coluna, temendo uma retaliação. Somente depois de verificar que Gabriel estava desarmado e ferido, ele enviou uma mensagem a um grupo de policiais, que ele afirma estar conectado ao Centro de Operações da Polícia Militar (Copom). No desfecho de seu depoimento, Vinicius de Lima Britto declarou: “Eu errei. Hoje posso dizer que fui imprudente.”
Durante a fase de debates, a promotora de Justiça Ingrid Maria Bertolino Braido defendeu que o policial agiu de forma dolosa, ou seja, com a intenção de matar. Ela argumentou que a rapidez da ação, o número de tiros disparados e o fato de a vítima estar desarmada eram provas irrefutáveis. “Ele é mais que despreparado: é inconsequente e assassino. Temos vivido a cultura da glorificação da violência que leva a barbárie. E não é isso que queremos, queremos a pacificação social […] Nenhuma morte se justifica por R$ 60”, enfatiçou a promotora, apontando para o valor irrisório do bem furtado. Para entender melhor a diferença entre as classificações, é importante saber que a legislação brasileira define o homicídio culposo como aquele onde não há intenção de matar, mas a morte ocorre por imprudência, negligência ou imperícia, característica central na decisão deste caso.
Por outro lado, a defesa do réu, representada pelos advogados Mauro Ribas e Renato Soares, sustentou a tese de legítima defesa. Mauro Ribas argumentou que o PM acreditou estar sob ameaça de uma arma. Baseado no laudo necroscópico, ele reiterou que não houve disparos na nuca ou nas costas de Gabriel, e que as mãos do jovem estavam na região da cintura em todo o momento. Renato Soares, por sua vez, complementou que a motivação dos tiros não foi o furto em si, já que Vinicius sequer visualizou o material de limpeza, desmentindo a versão da acusação. “Errou porque achou que estava atuando em legítima defesa”, declarou a defesa, reforçando a linha de argumentação do acusado.
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O desfecho deste julgamento reitera o debate sobre o uso da força policial e a justiça em casos de excesso, com a sociedade atentando para as consequências de ações imprudentes e a necessidade de preparo dos agentes de segurança. Este caso, marcado pela condenação do policial militar por homicídio culposo, mantém a discussão sobre direitos e deveres em evidência, impulsionando reflexões sobre a atuação de forças públicas. Para acompanhar outras notícias e análises sobre questões sociais e políticas em São Paulo e no Brasil, continue navegando em nosso site.
Crédito da imagem: Letícia Dauer/g1
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