O conceito de Planeta-Esponja, uma visão transformadora para o enfrentamento das emergências climáticas e da escassez de água, foi o cerne de uma entrevista exclusiva concedida ao g1 pelo renomado arquiteto paisagista e urbanista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim. Em suas últimas declarações públicas, este que era considerado um dos maiores arquitetos do cenário mundial lançou um alerta sobre os perigos iminentes da mudança climática, propondo um redirecionamento fundamental na abordagem do problema. As palavras de Yu ganham uma pungência ainda maior ao considerarmos que ele foi uma das quatro vítimas do trágico acidente aéreo em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, ocorrido na noite da terça-feira, dia 23.
A entrevista com o arquiteto, conduzida por e-mail no final de julho, faz parte de uma série de reportagens especiais que o portal está preparando para a Conferência do Clima (COP30), marcada para novembro. Suas ponderações sublinham a gravidade da situação global e a urgência de respostas inovadoras e adaptativas. Yu, conhecido por sua abordagem holística e integrada no urbanismo, deixou um legado intelectual que agora, após sua inesperada partida, se torna ainda mais relevante para discussões futuras sobre sustentabilidade e planejamento territorial.
Planeta-Esponja: Visão de Kongjian Yu Para Crise Global
Em respostas concisas e assertivas, Kongjian Yu expressou sua convicção de que, apesar da situação crítica, ainda existe uma janela de oportunidade para reverter os efeitos mais drásticos das mudanças climáticas. Contudo, essa reversão estaria condicionada a uma ação imediata e contundente. Embora mantendo um certo otimismo quanto a essa possibilidade, ele classificou seu grau de confiança em um patamar de 4, numa escala de 0 a 10. Ele identificou a escassez de água como a questão mais premente a ser enfrentada pela humanidade até o ano de 2050. Diante desse cenário desafiador, o urbanista fez um apelo veemente: “Cada vez mais pessoas estão se conscientizando e a crise já está sendo sentida. Mude a ação climática de centrada no carbono para impulsionada pela água, restaure um planeta esponja”. Essa afirmação encapsula a essência de sua proposta e o direcionamento estratégico que, segundo ele, a comunidade global deve adotar.
Kongjian Yu fundou o escritório Turenscape, responsável pelo projeto de centenas de parques e espaços públicos em diversas nações. A morte de Yu representa uma perda inestimável para o urbanismo contemporâneo, interrompendo uma trajetória de inovação e liderança. Contudo, seu inovador conceito de cidade-esponja permanece como uma referência global inquestionável para metrópoles que buscam uma coexistência mais harmônica e resiliente com o ciclo natural da água. A teoria da cidade-esponja, ao invés de meramente gerenciar os riscos de forma paliativa, propõe uma simbiose entre o ambiente urbano e os processos hídricos, minimizando desastres e otimizando a disponibilidade de recursos.
O Legado do Conceito de “Cidade-Esponja”
O modelo urbanístico que Yu popularizou é amplamente reconhecido como “cidade-esponja”. Sua filosofia envolve a criação de infraestruturas que promovem a retenção e o reuso da água da chuva no próprio ambiente urbano, minimizando significativamente a ocorrência de inundações e garantindo reservas hídricas estratégicas para períodos de estiagem prolongada. Componentes essenciais dessa visão incluem a implantação de parques alagáveis, a proliferação de telhados verdes e a utilização estratégica de calçamentos permeáveis. Essa abordagem sistêmica redefine a infraestrutura convencional, priorizando a funcionalidade ecológica sobre a rigidez do concreto.
A percepção da eficácia do modelo de cidade-esponja ganhou uma nova dimensão de urgência após os eventos trágicos ocorridos em Pequim, na China, em 2012. Naquela ocasião, chuvas de intensidade extrema causaram a morte de quase 80 pessoas, evidenciando as vulnerabilidades de uma metrópole moderna frente a desastres hídricos. Em contraste chocante, a icônica Cidade Proibida, construída séculos antes e dotada de um sistema de drenagem intrincado e eficiente, permaneceu completamente seca durante o mesmo período de precipitação. Este episódio amplificou as críticas de Yu, que salientava como as cidades modernas frequentemente dependem de forma excessiva de complexas infraestruturas compostas por concreto, canos e bombas, enquanto desconsideram as soluções naturais, que permitem que a água se infiltre no solo de maneira eficiente e ecológica. A partir dessa trágica lição e da validação da abordagem natural, a China intensificou seus investimentos em projetos de cidade-esponja, concebidos para absorver o excesso de chuva e liberar a água gradualmente. Este mecanismo não só combate as enchentes como também assegura valiosas reservas hídricas para períodos de seca.
Elementos Essenciais de uma Cidade-Esponja
O modelo de cidade-esponja fundamenta-se na implementação de uma série de medidas integradas que reconfiguram a infraestrutura urbana para harmonizar com os processos naturais da água. Entre as abordagens mais notáveis e eficientes, destacam-se:

Imagem: g1.globo.com
- Parques alagáveis: Estas áreas verdes são meticulosamente concebidas para suportar inundações parciais durante períodos de alta precipitação. Longe de serem meros elementos decorativos, os parques alagáveis atuam como importantes reservatórios naturais. Em estações de seca, eles se transformam em espaços vitais de lazer e interação social, proporcionando qualidade de vida à população. Muitas dessas áreas incorporam passarelas elevadas, que permitem o tráfego mesmo durante alagamentos, e uma seleção de vegetação nativa especificamente escolhida por sua capacidade de retenção hídrica, contribuindo ativamente para a conservação da biodiversidade local.
- Telhados verdes: Consistem na instalação de jardins exuberantes no topo de edificações urbanas. Essa solução ecológica contribui de diversas formas: primeiro, reduz significativamente o volume de água da chuva que é despejado diretamente nos bueiros e sistemas de drenagem; segundo, ao absorver o calor solar e evaporar água, auxiliam na diminuição da temperatura ambiente das cidades, combatendo o efeito de ilha de calor urbano; e, terceiro, atuam como filtros naturais, purificando o ar. O principal obstáculo para sua implementação em larga escala reside no desafio estrutural, pois muitos edifícios existentes necessitam de reforços substanciais para suportar o peso adicional imposto pelos telhados verdes.
- Calçamentos permeáveis: Representam uma alternativa sustentável aos pavimentos convencionais e impermeáveis. Esses pisos porosos são projetados para permitir que a água da chuva se infiltre naturalmente no solo, ao invés de escoar pela superfície. Em cidades como Copenhague, na Dinamarca, e em diversas metrópoles chinesas, têm sido criados espaços públicos que utilizam essa tecnologia, absorvendo e liberando a água lentamente. Isso reduz a pressão sobre os sistemas de drenagem urbanos e recarrega os lençóis freáticos.
- Praças-piscina: Inovadoras praças de Roterdã, Holanda, como a Benthemplein, demonstram um conceito dual, funcionando como áreas recreativas ou esportivas na maior parte do tempo, mas transformando-se em eficientes reservatórios temporários de água durante episódios de tempestades intensas. A praça Benthemplein, por exemplo, foi meticulosamente projetada para acumular milhões de litros de água pluvial, os quais são posteriormente liberados de forma gradual de volta ao subsolo, prevenindo enchentes e gerindo de forma inteligente o excedente hídrico.
Para mais informações sobre a crescente crise global de recursos hídricos e os desafios que ela impõe, consulte o portal da World Wide Fund for Nature (WWF), uma autoridade global em conservação, que detalha iniciativas e relatórios sobre o tema, enfatizando a necessidade de preservação da água doce e de soluções adaptativas em ambientes urbanos e naturais: World Wide Fund for Nature – Freshwaters.
Implementação Global e Exemplos Inspiradores
A China emergiu como um líder incontestável na aplicação do modelo de cidade-esponja. Em municípios como Taizhou e Jinhua, medidas ousadas foram adotadas, demolindo muros de concreto que outrora canalizavam os rios, e os substituindo por parques que funcionam como sistemas naturais de contenção de enchentes. O Parque Yanweizhou, localizado em Jinhua, destaca-se como um exemplo internacional por sua excepcional capacidade de harmonizar a drenagem natural, espaços de lazer inovadores e a crucial preservação ambiental, demonstrando uma abordagem integrada para o gerenciamento de recursos hídricos e urbanização. Esse parque exemplifica como a intervenção humana pode, de fato, enriquecer ecossistemas locais enquanto resolve problemas urbanos complexos.
Outras nações e metrópoles globais também implementaram soluções similares, adaptando o conceito à sua própria realidade e contexto climático:
- Roterdã (Holanda): Conhecida por sua infraestrutura resiliente à água, a cidade construiu a inovadora praça Benthemplein, equipada com três bacias interconectadas que servem para o armazenamento inteligente da água da chuva, protegendo a cidade contra inundações.
- Copenhague (Dinamarca): A capital dinamarquesa tem sido pioneira na instalação de pisos porosos em suas áreas públicas, um exemplo notável sendo a praça Langelands, que opera eficientemente como uma vasta esponja urbana, absorvendo e filtrando a água pluvial.
- Nova York (EUA): A megacidade americana desenvolveu uma série de parques ao longo da orla do East River, estrategicamente projetados para conter e gerenciar o volume de água em períodos de cheia, mitigando o risco de inundações em áreas densamente povoadas.
- Bangcoc (Tailândia): Nesta metrópole asiática, foi criado o Parque Chulalongkorn, um espaço verde multifuncional com a capacidade extraordinária de armazenar temporariamente grandes volumes de água durante as intensas épocas de monções e chuvas torrenciais, funcionando como um buffer vital contra enchentes.
Esses exemplos globais reiteram a versatilidade e a eficácia do conceito de cidade-esponja, provando que a integração da infraestrutura verde pode ser uma solução robusta e sustentável para desafios urbanos complexos.
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Em suma, o legado de Kongjian Yu e seu apelo por um “Planeta-Esponja” transcendem as fronteiras da arquitetura para se consolidarem como uma estratégia global fundamental no combate às crises hídricas e climáticas. A partir da trágica lição de Pequim, suas ideias de “cidade-esponja”, com parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis, ganharam o mundo como modelos práticos de resiliência e sustentabilidade. Ao absorver a água da chuva de forma natural, essas iniciativas urbanas não apenas mitigam o impacto das inundações, mas também asseguram reservas valiosas para períodos de escassez, configurando uma nova era de urbanismo consciente. Para aprofundar-se em questões relacionadas ao planejamento urbano e seu impacto na qualidade de vida, explore outras matérias na nossa categoria Cidades.
Crédito da imagem: Kongjian Yu / Turenscape / Agência Fapesp
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