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Pesquisa Multilaboratorial Tenta Desvendar Onde a Consciência Emerge no Cérebro, Impulsionando Intenso Debate Científico

Facebook Twitter Pinterest LinkedInA discussão sobre as origens da consciência humana, uma das indagações mais enigmáticas do universo científico, atingiu um novo patamar de complexidade e intensidade. Um ambicioso estudo, fruto de sete anos de dedicação e investigação meticulosa, foi concebido especificamente para confrontar e testar duas das mais proeminentes teorias neurocientíficas que tentam desmistificar … Ler mais

A discussão sobre as origens da consciência humana, uma das indagações mais enigmáticas do universo científico, atingiu um novo patamar de complexidade e intensidade. Um ambicioso estudo, fruto de sete anos de dedicação e investigação meticulosa, foi concebido especificamente para confrontar e testar duas das mais proeminentes teorias neurocientíficas que tentam desmistificar este fenômeno central. Contudo, em vez de oferecer respostas conclusivas, a pesquisa apenas inflamou ainda mais a controvérsia subjacente: pode um animal, uma inteligência artificial ou até mesmo um feto em estágios iniciais de desenvolvimento possuir algum grau de acesso à experiência consciente?

Este experimento de grande escala, meticulosamente arquitetado e executado por doze laboratórios colaborativos, envolveu um total de 256 participantes. Batizado como Consórcio Cogitate, o projeto submeteu esses voluntários a uma série rigorosa de testes visuais enquanto suas atividades cerebrais eram monitoradas simultaneamente. Para capturar a máxima gama de dados neurológicos, os pesquisadores empregaram três técnicas distintas e avançadas de neuroimagem, garantindo uma coleta de informações abrangente e diversificada. O cerne da investigação residia na tentativa de determinar qual das duas hipóteses rival, a Teoria da Informação Integrada (TII) ou a Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNWT, da sigla em inglês), apresentava maior consonância com a realidade empírica sobre a gênese da consciência.

As teorias em questão não apenas propõem diferentes mecanismos para o surgimento da consciência, mas se diferenciam de tal modo em seus pressupostos fundamentais que, para muitos especialistas, quase parecem abordar esferas cognitivas e fenômenos biológicos distintos. A divergência não se limita apenas à forma como a consciência é concebida, mas também se estende às localizações cerebrais e aos processos neurais que, supostamente, sustentariam a experiência subjetiva. Christof Koch, um eminente cientista cognitivo do Instituto Allen em Seattle e coautor do influente estudo publicado em abril deste ano na renomada revista científica Nature, observou à revista Scientific American que “as duas teorias são criaturas muito diferentes”, sublinhando a vasta lacuna conceitual que separa cada uma dessas elaboradas estruturas teóricas.

A Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global: Um Foco na Atenção e Difusão de Informação

A Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNWT), por exemplo, postula que a consciência emerge de um processo dinâmico no qual uma intrincada rede de áreas cerebrais é responsável por identificar e selecionar informações de relevância crítica. Estas informações selecionadas são, então, projetadas para o que pode ser metaforicamente descrito como o “primeiro plano” da mente. Segundo a GNWT, quando essas informações compete intensamente por espaço e atenção em regiões cerebrais específicas e conseguem superar outros sinais neurais que operam simultaneamente, elas são então capazes de se difundir amplamente e de forma abrangente por todo o cérebro. Este processo de difusão extensiva é o que, em última instância, é proposto como o gerador da experiência consciente.

Adicionalmente, a teoria contempla que várias atividades mentais podem continuar a se processar e a ocorrer dentro do cérebro mesmo sem que sejam ativamente destacadas ou trazidas ao campo da consciência. Tais atividades são compreendidas como funcionando de maneira inconsciente, paralelamente aos processos conscientes que ganham o “espaço de trabalho”. A GNWT associa primariamente esse complexo processo à atuação do córtex pré-frontal, uma região cerebral bem conhecida por suas funções executivas, de planejamento e de tomada de decisões, embora os proponentes da teoria ressalvem que sua operação e as bases neurais da consciência não estão estritamente confinadas apenas a essa área do cérebro. É a ampla conectividade e a capacidade de diferentes regiões de interagir na difusão de informações que são cruciais para a proposta da GNWT.

A Teoria da Informação Integrada: Consciência Como Emergência de Conectividade Matemática

Em uma perspectiva fundamentalmente distinta, a Teoria da Informação Integrada (TII) estabelece sua fundação a partir de uma definição mais abstrata da consciência. Para a TII, a experiência consciente não é resultado de um simples somatório de atividades neurais, mas sim uma propriedade emergente da integração matemática de informações dentro de um sistema complexo. Em outras palavras, se diversas porções do cérebro demonstram uma capacidade intensa e coesa de trocar informações, atuando em uníssono e de maneira unificada — em essência, como um sistema único e integrado — então a experiência consciente é considerada uma consequência intrínseca e direta dessa complexa interação.

Essa abordagem conceitual sugere que a consciência não reside em uma localização única e estática, mas emerge da intrínseca interconexão e interdependência entre múltiplas regiões cerebrais. Os proponentes da TII, ao delinear suas ideias, destacam a relevância particular de certas regiões posteriores do cérebro na sustentação desses processos de integração. Além disso, a teoria avança ao propor que a consciência, conforme definida pela TII, pode ser quantificada de maneira objetiva por meio de uma métrica específica denominada ‘phi’ (Φ). Conforme essa medida, um valor mais elevado de phi indicaria um grau superior de integração informacional e, consequentemente, um nível mais intenso ou abrangente de consciência, permitindo uma forma de quantificação do que antes era considerado um fenômeno meramente subjetivo.

Resultados Inconclusivos que Geram Novas Pistas

Ao término dos sete anos de investigação, os resultados obtidos pelo Consórcio Cogitate, liderado pela pesquisadora Lucia Melloni, do Instituto Max Planck de Estética Empírica, foram, paradoxalmente, inconclusivos no que tange à comprovação definitiva de uma ou outra teoria. A complexidade do fenômeno da consciência se mostrou resistente a uma simples resolução. Apesar da falta de uma resposta definitiva, o estudo produziu um rico conjunto de achados, revelando padrões que ofereciam suporte a aspectos de ambas as proposições teóricas, embora de forma parcial.

Algumas das descobertas, por exemplo, inclinavam-se a favor da TII, ao identificar a decodificação de características visuais específicas em regiões cerebrais localizadas na parte posterior do cérebro. Além disso, uma atividade neuronal mais prolongada e sustentada durante o período de percepção consciente também se alinhava às previsões da TII. Contudo, simultaneamente, outros padrões observados, relacionados à sincronicidade da atividade neuronal entre diferentes áreas, mostraram uma conformidade mais forte com o que era esperado pela GNWT. Tal cenário corrobora a complexidade do fenômeno e a profundidade de ambas as abordagens.

De fato, Anil Seth, um especialista em neurociência cognitiva e computacional que atua na Universidade de Sussex, reforçou a ideia de que “era claro que nenhum experimento refutaria de forma decisiva nenhuma das duas teorias”. Sua análise destaca a dificuldade inerente em refutar ou provar, com base em um único experimento, teorias de tal magnitude e abstração sobre a consciência. No entanto, o professor Seth enfatizou que, apesar da ausência de uma vitória unilateral, “os resultados da colaboração continuam sendo muito valiosos: aprendemos muito sobre ambas as teorias e sobre em que parte do cérebro é possível decodificar a informação da experiência visual”. Esse ponto sublinha o progresso substancial em nosso entendimento neurocientífico, mesmo sem um veredito final.

Muito além da mera disputa técnica entre duas formulações científicas, os dados coletados e analisados pelo consórcio abriram um vasto leque de novas questões e hipóteses sobre os exatos locais e os intrincados mecanismos através dos quais a consciência é realmente gerada dentro do sistema nervoso. Um dos achados mais significativos do estudo demonstrou a existência de uma conexão funcional e neural substancial entre os neurônios localizados nas primeiras áreas visuais, situadas na parte posterior do cérebro, e as áreas frontais do córtex. Esta descoberta crucial aprimora de forma considerável nossa compreensão sobre como as percepções sensoriais que obtemos do mundo externo se conectam e se integram com os pensamentos e processos cognitivos superiores que se manifestam em nosso campo consciente.

Outra implicação de grande relevância dos achados da pesquisa é a diminuição da ênfase tradicionalmente atribuída ao córtex pré-frontal como o epicentro exclusivo do processo consciente. Os resultados sugerem, em vez disso, que, embora essa região frontal seja inegavelmente crucial e indispensável para funções cognitivas complexas como o raciocínio abstrato, o planejamento estratégico e a execução de decisões, a consciência em sua essência mais pura pode estar mais profundamente enraizada e intrinsecamente ligada aos processos de interpretação sensorial e à formação da percepção. Em um resumo eloquente encapsulado pelo estudo do Instituto Allen, que colaborou com a pesquisa, a distinção é feita de forma sucinta e perspicaz: “A inteligência consiste em fazer, enquanto a consciência consiste em ser.” Esta afirmação provocativa reposiciona o foco da investigação sobre a consciência para além das funções meramente executivas do cérebro.

A Polêmica Ética da TII e a “Pseudociência”

O aparente “empate técnico” ou a inconclusividade do estudo, longe de pacificar os ânimos no vibrante campo da neurociência, serviu para aguçar a polêmica e acender um debate ainda mais fervoroso. O verdadeiro epicentro do drama se desenrolou para além dos limites estritos dos laboratórios e das análises técnicas. Após a publicação preliminar dos resultados do estudo em 2023, um movimento de contestação de proporções notáveis ganhou forma: um respeitável grupo de 124 cientistas proeminentes, especialistas em diversas áreas correlatas, uniu-se para assinar uma carta aberta, onde categoricamente acusavam a Teoria da Informação Integrada (TII) de ser uma “pseudociência”.

Os signatários fundamentavam sua severa crítica argumentando que a TII carece de falseabilidade, uma propriedade intrínseca ao método científico que exige que uma teoria possa ser testada e, potencialmente, refutada por meio de experimentos. Sem a possibilidade de refutação experimental, a teoria seria imune à validação empírica, colocando em xeque seu status científico. Na esteira dessa primeira manifestação de ceticismo, um segundo documento, endossado por uma centena de pesquisadores, emergiu para reiterar e amplificar as críticas já levantadas. Este segundo artigo ressaltou pontos como a notável ausência de previsões suficientemente precisas que poderiam ser submetidas a testes e a alegada incompatibilidade da TII com as leis fundamentais da física, reforçando as preocupações sobre sua validade conceitual e metodológica.

Adicionalmente à controversa questão metodológica, a polêmica sobre a TII intensificou-se dramaticamente devido às implicações éticas e filosóficas que poderiam decorrer de suas proposições teóricas. Os críticos da TII apontaram que, de acordo com a lógica da teoria, sistemas tão diversos quanto inteligências artificiais complexas, certos tipos de animais e, potencialmente, até mesmo fetos humanos em estágios iniciais de desenvolvimento, poderiam, em tese, possuir algum grau de consciência. Tais inferências levantavam questionamentos profundos sobre moralidade, direitos e a definição da vida consciente, gerando apreensão em diversos setores da sociedade e da própria comunidade científica.

Chris Frith, pesquisador da Universidade de Londres e um dos notórios signatários de ambos os documentos críticos à TII, externou sua preocupação com as possíveis aplicações prematuras e infundadas da teoria. Ele alertou especificamente sobre as implicações em situações sensíveis e complexas, tais como a avaliação da consciência em pacientes em estado de coma, a discussão sobre a capacidade de consciência em sistemas de inteligência artificial emergentes e, igualmente, a intrincada questão ética dos abortos. Frith pontuou que “nos casos de pacientes em coma, consciência em IA e abortos, nos perguntamos: ‘como sabemos se o paciente, o feto ou a IA são conscientes?'”. E prosseguiu, destacando o perigo de se basear em especulações não comprovadas: “Ainda não podemos usar a atividade cerebral para responder adequadamente a essa questão e seria perigoso, neste estágio, basear nossas respostas em qualquer teoria que não tenha validação empírica”. Suas palavras reverberaram a urgência de cautela científica diante de temas com tamanha repercussão social e humana.

Em contrapartida à enxurrada de críticas, os defensores fervorosos da Teoria da Informação Integrada (TII) também vocalizaram suas perspectivas, rejeitando as acusações e propondo explicações alternativas para a onda de resistência. Christof Koch, já mencionado por sua expertise e associação ao Instituto Allen para a Ciência do Cérebro, interpretou a reação negativa e o acirramento do debate como um fenômeno de “ciúmes profissionais”. Koch sugeriu à revista New Scientist que “A TII foi percebida como mais atraente que outras teorias, recebendo mais atenção e recursos”, indicando que a notoriedade e o investimento na TII poderiam ter despertado ressentimentos dentro da comunidade. Ele enfaticamente defendeu a autonomia da pesquisa científica, afirmando que “Qualquer inferência ou implicação de uma teoria deveria ser irrelevante para a questão de se ela está correta ou não”, advogando pela separação entre o rigor factual e as eventuais consequências sociais ou éticas das descobertas.

Em apoio a essa perspectiva, Anil Seth argumentou, fazendo um paralelo com a história da ciência, que outras teorias que revolucionaram o conhecimento humano enfrentaram resistências iniciais justamente por causa de suas implicações. Ele citou exemplos clássicos, como a teoria do heliocentrismo, que destronou a visão geocêntrica e teve enormes implicações para a compreensão do lugar da humanidade no cosmos, e a teoria da evolução darwiniana, que transformou a biologia e as visões sobre a origem da vida humana, e que também enfrentou forte oposição por suas implicações sociais e religiosas. “O consequencialismo não é uma razão válida para rejeitar uma teoria como não científica”, declarou Seth ao periódico científico, reforçando a ideia de que a verdade de uma teoria deve ser avaliada por seus méritos empíricos e lógicos, e não pelas perturbações que possa causar aos paradigmas existentes ou às sensibilidades éticas do momento.

Implicações Positivas: O Avanço do Diagnóstico Neurológico

Apesar da intensa controvérsia e do debate conceitual acalorado que permeiam o campo de estudo da consciência, a pesquisa realizada pelo Consórcio Cogitate trouxe impactos significativos e notavelmente positivos que transcendem o âmbito puramente teórico. As descobertas, embora não definitivas para o confronto entre as teorias, prometem aplicações práticas imediatas, particularmente na área do diagnóstico neurológico. Um dos avanços mais relevantes reside na potencial melhoria da capacidade de detecção de um fenômeno clínico crucial: a “consciência encoberta”.

A “consciência encoberta” refere-se a uma condição complexa onde um paciente pode aparentemente estar inconsciente, não respondendo a estímulos externos de maneira visível, mas ainda assim apresentar algum nível de atividade cerebral consciente internamente, embora essa atividade não se manifeste de forma externa detectável por métodos tradicionais de avaliação. É o caso, por exemplo, de indivíduos em coma que, por de trás de sua ausência de responsividade aparente, mantêm uma atividade cerebral que indica processos conscientes. De acordo com estudos recentes publicados no prestigioso New England Journal of Medicine, a consciência encoberta é uma condição que pode ocorrer em até um quarto dos casos de pacientes que sofrem lesões cerebrais graves e que não apresentam resposta a estímulos, como é frequente em situações de coma profundo.

Nesse contexto, os insights e dados provenientes da pesquisa do Consórcio Cogitate representam um avanço promissor. A compreensão mais refinada dos padrões de atividade cerebral associados à percepção consciente e aos diferentes processos neurais, mesmo que parcialmente desvelada, pode fornecer aos médicos e neurocientistas ferramentas mais eficazes para identificar sinais sutis de consciência em pacientes gravemente comprometidos. Tal avanço tem o potencial de revolucionar o manejo clínico, o prognóstico e a qualidade de vida desses indivíduos, permitindo intervenções mais adequadas e personalizadas baseadas em um entendimento mais preciso de seu estado de consciência subjacente.

A principal autora da pesquisa, Lucia Melloni, do Instituto Max Planck de Estética Empírica, parece minimisar a efusão da controvérsia e os ataques recebidos, defendendo uma perspectiva mais pragmática e voltada para o futuro da pesquisa. Em uma entrevista concedida à revista New Scientist, ela aborda a disputa com uma visão direta, afirmando que a contenda é “apenas uma novela”, sugerindo que as discussões calorosas e as trocas de cartas entre cientistas são menos produtivas do que a busca contínua por evidências empíricas. Sua equipe, engajada nessa visão colaborativa e aberta, já anunciou planos para tornar públicos todos os dados brutos e resultados do estudo. O objetivo é permitir que a comunidade científica global, incluindo outros pesquisadores e teóricos, possa acessá-los e utilizá-los livremente para testar uma vasta gama de outras teorias potenciais sobre a consciência, impulsionando assim o avanço coletivo do conhecimento nessa área complexa.

Com informações de Folha de S.Paulo

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