Peixamento Ilegal: Soltar Peixes sem Autorização É Crime Ambiental

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A crença popular de que a simples liberação de peixes em rios pode curá-los é refutada por cientistas. A prática, conhecida como peixamento ilegal, muitas vezes motivada por uma boa intenção, revela-se não apenas ineficaz para a recuperação de ecossistemas aquáticos, mas também prejudicial, podendo agravar a saúde dos rios. Pesquisadores de diversas instituições alertam que a introdução de alevinos sem critérios técnicos e autorização constitui um grave crime ambiental e, frequentemente, um desperdício de recursos.

De acordo com especialistas, o peixamento desordenado pode ser comparado a um “placebo tóxico” para um ambiente doente. Soltar peixes indiscriminadamente, sem uma base científica sólida, não oferece solução; pelo contrário, compromete populações nativas e desequilibra ecossistemas. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e outros órgãos ambientais ressaltam a importância de avaliações rigorosas antes de qualquer intervenção deste tipo, visando a real conservação da vida aquática.

Peixamento Ilegal: Soltar Peixes sem Autorização É Crime Ambiental

A liberação de espécies aquáticas em corpos d’água sem a devida permissão dos órgãos competentes é um delito grave. Carla Natacha Marcolino Polaz, analista ambiental do ICMBio e coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Aquática Continental (CEPTA), localizado em Pirassununga (SP), enfatiza que a intenção de ajudar o meio ambiente não exime o indivíduo ou a entidade — até mesmo prefeituras — de cometer um crime ambiental. A compra e soltura de alevinos de pisciculturas, mesmo que de espécies nativas, sem autorização formal do IBAMA, que detém a competência para tal liberação, torna a ação ilegal.

A grande maioria dos peixamentos atualmente realizados não possui as autorizações exigidas por lei, caracterizando-se como atividade ilícita. A Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI) já manifestou sua crítica a essa prática, divulgando uma nota técnica que desmistifica o uso do peixamento como estratégia de conservação para estoques pesqueiros naturais. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) prevê penalidades severas, incluindo reclusão e multas, para quem realiza a soltura de espécies sem a autorização apropriada.

Baixa Variedade Genética e a Inaptidão à Natureza

Alevinos oriundos de pisciculturas, geralmente utilizados em peixamentos, são criados em ambientes controlados, voltados para a produção e engorda comercial. Carla Polaz adverte que o objetivo desses locais difere drasticamente da produção de organismos destinados à reintrodução para a perpetuação de espécies. Nesse contexto, há uma disseminação de informações equivocadas sobre o real benefício do peixamento.

Questões cruciais, como a origem genética e o parentesco dos peixes a serem soltos, são ignoradas nos peixamentos ilegais. Em uma piscicultura comercial, não há preocupação com a consanguinidade dos indivíduos. Contudo, em termos de conservação, a introdução de peixes irmãos pode contaminar geneticamente as populações nativas, reduzindo sua variabilidade e, consequentemente, sua capacidade de adaptação. “Pensando em fazer o bem, fazemos o mal”, observa Polaz.

Jean Vitule, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), recorre à teoria da seleção natural de Charles Darwin para explicar a ineficácia. Peixes criados em aquicultura não estão preparados para as condições do ambiente natural. Acostumados a temperaturas e parâmetros físicos estáveis, sem a presença de predadores, doenças ou parasitas, muitos desses alevinos morrem em poucos dias após serem soltos. “Fazer isso é simplesmente jogar dinheiro fora”, afirma Vitule.

Riscos da Introdução de Espécies Exóticas

Um dos problemas mais graves destacados pela nota técnica da SBI é a soltura de espécies não nativas. A ausência de critérios científicos frequentemente resulta na introdução de espécies exóticas como tilápias (Oreochromis niloticus e Coptodon rendalli), carpas (Cyprinus carpio e Ctenopharyngodon idella) e pangas (Pangasianodon hypophthalmus). Essas solturas irresponsáveis, por vezes impulsionadas por questões políticas, acarretam consequências desastrosas para os ecossistemas.

Espécies exóticas competem por recursos com as nativas, as predam, introduzem doenças e podem, inclusive, dizimar populações locais, diminuindo a biodiversidade e a quantidade de peixes nos rios e lagos, conforme explica Jean Vitule. Estudos da SBI reforçam que essas introduções não nativas causam impactos ambientais negativos e que a invasão biológica figura entre as cinco maiores ameaças à biodiversidade global e aos ecossistemas.

A Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), em seu Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, estima que os prejuízos econômicos resultantes de tais invasões no Brasil podem variar entre R$ 11 bilhões e R$ 15 bilhões. Para saber mais sobre a importância da preservação ambiental e as orientações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), visite o site oficial da instituição.

A Carência de Estudos para o Sucesso do Peixamento

O argumento de que o peixamento visa aumentar a oferta de peixe para consumo é questionado pela SBI, que classifica essa lógica como simplista e equivocada. Ela assume que a adição de novos indivíduos automaticamente aumenta a abundância e biomassa, desconsiderando os efeitos colaterais que desequilibram o ecossistema. Jean Vitule reitera que essas solturas são realizadas, em quase sua totalidade, sem critérios e sem um objetivo relevante.

Um estudo minucioso prévio é indispensável para responder a perguntas fundamentais: é necessário o peixamento? Quando? Para quê? Sem essas respostas, há um alto investimento, muitas vezes de verbas públicas, com pouco ou nenhum resultado efetivo. “Quando uma pessoa está doente, o primeiro passo é procurar um médico para identificar a doença. Mas, quando um rio está doente, geralmente isso não acontece”, compara Vitule. Frequentemente, o problema de um rio pode ser a poluição industrial ou esgoto, e nesses casos, a soltura de alevinos seria fútil.

O pesquisador sugere que um diagnóstico preciso e um monitoramento a longo prazo são essenciais para determinar a real necessidade do peixamento. Em muitos casos, a recuperação da mata ciliar pode solucionar o problema de forma mais eficaz e duradoura. Nestas situações, o peixamento seria apenas um “placebo caro”, sem resultados reais para a saúde do rio.

Exceções: Quando a Soltura é uma Estratégia de Conservação

José Sabino, documentarista de natureza e doutor em Ecologia, esclarece que a introdução de peixes é válida em situações técnicas e devidamente justificadas. Assim como em outros grupos de vertebrados onde iniciativas de refaunação visam restaurar populações extintas ou drasticamente reduzidas, o peixamento de espécies nativas pode ser uma ferramenta. No entanto, mesmo entre os pesquisadores, essa ação nem sempre é a primeira escolha para evitar a extinção.

Organismos como o ICMBio e o CEPTA aplicam técnicas de reintrodução de animais nativos somente após avaliações rigorosas, principalmente com espécies ameaçadas. Carla Polaz adiciona que nem todos os peixes em risco de extinção são automaticamente reproduzidos e soltos. Existem diversos critérios técnicos, como a qualidade genética das matrizes e dos filhotes, que devem ser considerados. É vital também avaliar a distribuição geográfica natural das espécies, a condição sanitária dos animais manejados, e a estrutura e diversidade genética das populações.

Somente quando ancoradas em um tripé formado por ciência, legalidade e precaução, as ações de manejo contribuem genuinamente para a conservação da biodiversidade, e não para a ampliação de riscos. Esse modelo se integra a um manejo interdisciplinar que considera aspectos ambientais, jurídicos e econômicos, garantindo uma abordagem holística e sustentável para a proteção de nossos rios e sua vida aquática.

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Compreender as complexidades do peixamento ilegal e suas ramificações é fundamental para a preservação de nossos ecossistemas aquáticos. Ao adotar uma abordagem baseada na ciência e em rigorosas regulamentações, podemos assegurar a proteção de nossa biodiversidade para as futuras gerações. Para continuar informado sobre as notícias de impacto e análises sobre questões socioambientais, acesse o nosso portal e explore a variedade de conteúdos que preparamos para você em horadecomecar.com.br.

Crédito da imagem: Márcio Campos / TG