A recente rejeição da PEC da Blindagem pelo Senado Federal gerou um significativo atrito nas relações entre as duas Casas legislativas, fragilizando a posição do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), mesmo entre seus próprios aliados. O revés também intensificou o ceticismo em relação a um eventual acordo para a redução de penas de indivíduos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, afastando a possibilidade de anistia. O clima de desconfiança mútua entre Motta e diversas siglas, tanto da esquerda quanto da direita, ganhou força, com alegações de acordos não cumpridos vindas de ambos os lados.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que visava condicionar processos criminais contra congressistas à autorização do parlamento, havia sido aprovada na Câmara com um intenso esforço de Hugo Motta. O deputado, pessoalmente, contatou colegas para angariar votos favoráveis e mobilizou líderes de partidos aliados para garantir o apoio necessário, evidenciando seu profundo envolvimento. Em uma votação expressiva, o texto foi aprovado com 344 votos a favor e 133 contra, um feito que nem Arthur Lira (PP-AL), conhecido por sua habilidade política, conseguiu alcançar durante sua presidência da Câmara. Contudo, o que se esperava ser uma demonstração de força do presidente Motta, após meses de contestações à sua liderança, transformou-se em um desafio significativo quando, na quarta-feira (24), a proposta foi derrubada por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
PEC da Blindagem estressa Congresso e fragiliza Motta
A repercussão da anulação da Proposta de Emenda à Constituição gerou um cenário de instabilidade política. Quatro líderes partidários, em declarações à reportagem, relataram que a relação com Motta se deteriorou consideravelmente. Internamente, nas bancadas, a autoridade do presidente da Câmara passou a ser questionada, bem como a de seus próprios representantes partidários, que haviam atuado como fiadores do acordo com a liderança da Casa. A complexidade do cenário atingiu o PDT, onde a posição favorável à PEC resultou em uma crise interna. O líder da legenda na Câmara, Mário Heringer (MG), chegou a cogitar a renúncia de seu cargo. Houve, ainda, um compromisso assumido por Motta com a esquerda: ele prometeu auxiliar na rejeição de um requerimento de urgência para a anistia em troca de apoio. Entretanto, o presidente pautou o pedido e articulou com o centrão para aprová-lo, em uma clara reação ao voto majoritário do PT contra a própria PEC da Blindagem.
Naquela mesma quarta-feira, o deputado Doutor Luizinho (RJ), líder do PP e um dos aliados mais próximos de Motta, deu início a uma reunião com o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do projeto de redução de penas, com críticas incisivas ao Senado e a seu presidente, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Luizinho qualificou o comportamento de Alcolumbre e da Casa Alta em relação à PEC como “errático”, enfatizando a necessidade de “garantir a efetividade” das propostas aprovadas pela Câmara. O líder do PP expressou descontentamento, alegando “quebra de acordo do Senado”. Ele sugeriu que Paulinho promovesse um alinhamento prévio do projeto de anistia ou redução de penas com os senadores, a fim de prevenir futuros impasses semelhantes.
De acordo com depoimentos de deputados que acompanharam as intrincadas negociações, Hugo Motta teria assegurado aos parlamentares a existência de um entendimento com Davi Alcolumbre. Este acordo previa que a PEC seguiria diretamente para o plenário do Senado, buscando uma aprovação célere e minimizando o desgaste político que se concentraria na Câmara. No entanto, no mesmo dia em que a Câmara chancelou a Proposta, Alcolumbre encaminhou o texto à CCJ, já sob a pressão de críticas intensas tanto de senadores quanto da opinião pública.
Apesar de uma relação historicamente próxima desde o início da atual legislatura, quando ambos assumiram seus cargos, com o senador sendo um dos principais aliados do deputado, o incidente deixou marcas profundas. Fontes próximas a Motta indicam que o episódio desgastou consideravelmente o vínculo entre os presidentes, havendo relatos de que Alcolumbre nem sequer atendeu às ligações do deputado após o ocorrido, e os dois não se encontraram durante aquela semana. Em contraste, aliados do presidente do Senado negaram a existência de tal acerto. Um intermediário entre os dois políticos buscou minimizar o episódio, afirmando que o acordo de fato existiu, mas que a intensa pressão da sociedade civil contrária ao projeto tornou inviável para o Senado dar prosseguimento ao tema, inclusive mencionando as grandes manifestações.
O impacto das mobilizações populares surpreendeu a cúpula da Câmara dos Deputados. As lideranças não antecipavam protestos de grande magnitude, como os observados em São Paulo e no Rio de Janeiro, que reuniram uma estimativa de mais de 40 mil pessoas em cada evento. Além da pressão nas ruas, houve uma mobilização expressiva no ambiente digital, levando parte dos deputados a gravar vídeos pedindo desculpas pela postura favorável à PEC. Essa situação teve um efeito imediato nas expectativas dos parlamentares. Muitos agora afirmam que será difícil seguir as orientações de Motta em futuras votações de temas impopulares, especialmente em um período de proximidade das eleições. Para mais informações sobre o trâmite de Propostas de Emenda à Constituição (PEC), é possível consultar fontes oficiais, como o Senado Federal.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A desconfiança política estende-se ao projeto de redução de penas para os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro. Segundo parlamentares consultados pela reportagem, existe um temor generalizado de que o Senado trave qualquer proposta aprovada pela Câmara, evidenciando uma profunda insegurança quanto à tramitação de temas sensíveis. O presidente Motta encontra-se em uma posição delicada: havia se comprometido com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a não aprovar uma anistia. No entanto, o PT, que foi uma peça-chave nesse xadrez, opôs-se ao acordo para reduzir as penas em troca da rejeição ao perdão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), complicando ainda mais as articulações. Com essa fragmentação, o presidente da Câmara agora dependerá exclusivamente do centrão para a aprovação do projeto. Contudo, seus aliados expressam receio de que o grupo não consiga manter a coesão necessária diante da forte pressão das redes sociais, que têm mostrado grande poder de mobilização da opinião pública.
Em reunião com Paulinho da Força na quarta-feira, um líder partidário relatou uma experiência impactante: a perda de seis mil seguidores nas redes sociais por simplesmente não ter comparecido à votação do requerimento de urgência para a anistia. Segundo ele, pelo menos três deputados de sua bancada são intrinsecamente contra o perdão, mas estariam dispostos a votar a favor por receio das consequências junto aos eleitores. Diante desse cenário de alta polarização e pressão, os aliados de Paulinho recomendam que o projeto somente seja levado a voto se houver um compromisso claro do PL de não apresentar um requerimento para decidir, via votação, entre a anistia e a redução de penas. Todavia, esses mesmos aliados desconfiam que o presidente da Câmara careça da influência e da força necessárias sobre o partido para evitar tal movimento. Cardeais do centrão corroboram a visão de que, uma vez que o texto seja submetido à votação, ninguém mais terá controle sobre o desfecho do processo legislativo.
Apesar do cenário de impasse, três importantes aliados de Hugo Motta manifestaram a avaliação de que nenhum projeto deverá avançar no Congresso neste momento. Essa paralisação deve-se, principalmente, às sanções recentemente aplicadas pelo governo dos Estados Unidos a indivíduos do entorno do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que é o relator dos processos envolvendo os atos golpistas de 8 de janeiro. Na segunda-feira (22), o governo americano anunciou a inclusão da advogada Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro, e de uma empresa familiar do magistrado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky. Essa medida ocorreu mesmo com tratativas em andamento junto ao Supremo para a rejeição da anistia e a manutenção de Jair Bolsonaro em prisão domiciliar, após uma eventual condenação, considerando sua idade e condições de saúde. Conforme as palavras de um desses deputados, a estratégia é aguardar que “a poeira da repercussão” dessa sanção baixe para, em um momento subsequente, retomar as negociações e buscar a aprovação de um texto consensual.
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Em suma, a rejeição da PEC da Blindagem instaurou um complexo ambiente de conflitos e fragilizou a liderança na Câmara, impactando diretamente o andamento de projetos sensíveis como a anistia. A influência da opinião pública e fatores externos, como sanções internacionais, reforçam a imprevisibilidade do cenário político brasileiro. Para continuar acompanhando de perto a movimentação política em Brasília e outras análises aprofundadas, visite nossa seção de Política.
Crédito da Imagem: Bruno Spada -17.set.2025/Câmara dos Deputados
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