A **infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor de combustíveis** foi alvo de uma nova e contundente ação conjunta do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da Polícia Militar. Batizada de Operação Spare, a iniciativa foi deflagrada na manhã desta quinta-feira (25) com o objetivo de cumprir um total de 25 mandados de busca e apreensão. A operação visa desmantelar um complexo esquema de lavagem de dinheiro e crimes contra o consumidor operado pela organização criminosa, utilizando uma rede de postos de combustíveis e empresas de fachada para dissimular atividades ilícitas e movimentações financeiras de grande vulto.
As investigações conduzidas pelas autoridades apontam o empresário Flávio Silvério Siqueira, amplamente conhecido como Flavinho, como o suposto mentor e chefe dessa vasta engrenagem. Há anos, Siqueira está sob suspeita de ser um elo crucial na lavagem de ativos provenientes de atividades criminosas do PCC, utilizando a fachada do ramo de combustíveis para legitimar esses ganhos ilícitos. Esta ação representa mais um esforço coordenado para combater a expansão do poder econômico do PCC e sua inserção em setores aparentemente legítimos da economia brasileira, comprometendo a livre concorrência e lesando a sociedade.
MP e PM Contra PCC em Combustíveis: Nova Operação Spare
O MPSP, através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em parceria estratégica com a Polícia Militar, deu continuidade a um meticuloso trabalho de apuração que durou anos. A Operação Spare detalha a estrutura da facção criminosa para ocultar lucros advindos de atividades ilegais e demonstra a complexidade de seus métodos operacionais para driblar as autoridades, inclusive com a criação de intrincados arranjos contábeis e empresariais para legitimar os rendimentos.
O Início das Investigações: A Conexão com Casas de Jogos
A minuciosa investigação que culminou na Operação Spare teve seu ponto de partida em 9 de julho de 2020. Naquela data, a Polícia Militar obteve informações cruciais sobre o funcionamento de uma casa de jogos clandestinos, localizada na cidade de Santos, no litoral paulista. Este alerta surgiu durante a execução de uma diligência de rotina relacionada ao cumprimento de um mandado de busca e apreensão, previamente expedido pelo Juizado Especial Criminal da mesma localidade. O achado inesperado naquele endereço de fachada abriu uma nova e promissora frente de apuração para as forças de segurança, revelando conexões criminosas além da contravenção.
A complexidade do esquema era tal que a presente ação estava inicialmente programada para ocorrer em conjunto com a Operação Carbono Oculto. Esta última operação já havia exposto a sofisticada atuação do PCC dentro de fintechs, o que evidenciou a capacidade da organização em se infiltrar e explorar o sistema financeiro. No entanto, houve um entrave processual significativo: as medidas cautelares inicialmente solicitadas pelos promotores à Justiça de primeira instância foram indeferidas, gerando um atraso nas apurações. Foi necessário um recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo para que a devida autorização fosse finalmente concedida, permitindo o prosseguimento da Operação Spare de forma autônoma e com as permissões judiciais necessárias.
No decorrer da ação em Santos, um item específico chamou a atenção dos investigadores: uma máquina de pagamentos por cartão. Aprofundando a análise, verificou-se que o equipamento pertencia à empresa Posto Mingatto Ltda. O detalhe intrigante e que gerou suspeita era que a máquina havia sido entregue em um endereço situado na Rua Demétrio Ribeiro, na capital paulista, um local sem nenhuma relação aparente com a sede oficial da empresa, que se encontra estabelecida na cidade de Campinas. Esse descompasso entre o local de registro legal e o ponto de operação acendeu um alerta para as autoridades sobre uma possível estratégia de dissimulação de bens e operações financeiras.
Desvendando o Esquema de Lavagem de Dinheiro
Paralelamente à investigação do caso do Posto Mingatto, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPSP já conduzia outro inquérito detalhado. Este processo também estava relacionado ao cumprimento de um mandado de busca em um imóvel na Rua Euclides da Cunha, em Santos. Tal como na primeira situação, este local igualmente operava como uma casa de jogos ilegais, confirmando um padrão suspeito nas operações do PCC de utilizar tais estabelecimentos como fachadas para lavagem de dinheiro.
Nesta segunda localidade, os agentes apreenderam uma segunda máquina de pagamentos. Essa máquina, por sua vez, estava registrada em nome da empresa Auto Posto Carrara Ltda., reforçando a suspeita de um método sistemático e coordenado de lavagem. A subsequente quebra de sigilo bancário de ambas as empresas – Posto Mingatto e Auto Posto Carrara – revelou um comportamento financeiro idêntico e padronizado: os valores recebidos pelas máquinas eram quase que imediatamente transferidos para a BK Bank. Essa fintech intermediadora de pagamentos, por sua vez, já figurava como suspeita de operacionalizar dinheiro ilícito para a facção criminosa, servindo como um elo vital e um catalisador no esquema de ocultação de recursos.
As análises detalhadas das transações revelaram que o fluxo financeiro partia da exploração ilegal de jogos de azar. Os valores obtidos ilicitamente com esses jogos eram direcionados para as contas da BK Bank, mas somente após uma passagem estratégica e camuflada pelas contas dos postos de combustíveis sob controle da organização criminosa. Este passo intermediário era essencial para conferir uma aparência de legalidade aos recursos, simulando um volume de faturamento lícito no setor de combustíveis, um método clássico e ardiloso de lavagem de dinheiro que dificulta o rastreamento das origens.
Adulteração de Combustíveis e Fraudes ao Consumidor
Além da exploração de jogos de azar, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) identificou outra fonte substancial de lucro para a organização criminosa: os crimes de adulteração de combustíveis. A quadrilha demonstrava uma atuação sistemática, deliberada e prejudicial contra os consumidores, operando através dos postos que controlava diretamente ou por meio de interpostas pessoas (laranjas). Essa prática não só gerava lucros exorbitantes com a venda de produtos de qualidade inferior, como também enganava e colocava em risco os usuários.
A extensão alarmante dessa prática foi evidenciada por documentos cruciais obtidos durante a investigação, que auxiliaram na identificação desses estabelecimentos fraudulentos. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), em apoio à apuração, foi acionada e prontamente enviou às autoridades uma planilha de ocorrências abrangente. Este relatório minucioso registrava mais de 3 mil episódios suspeitos, distribuídos por cerca de 50 postos diferentes sob o domínio do PCC, demonstrando a capilaridade da atuação criminosa.

Imagem: g1.globo.com
Dentre essas ocorrências, um total alarmante de 350 casos estava diretamente relacionado a práticas fraudulentas na comercialização e armazenamento de combustível. Incluíam situações onde o combustível estava fora das especificações técnicas exigidas pela ANP, amostras reprovadas por conterem solventes químicos que adulteravam o produto, teores de etanol muito acima do permitido por lei e, ainda, a identificação de bombas de abastecimento com aferição irregular, o que significava que o consumidor pagava por uma quantidade que não recebia integralmente, lesando diretamente o usuário final em larga escala.
Empresas de Fachada e o Papel dos “Laranjas”
A Operação Spare expôs em profundidade a estratégia da organização criminosa de empregar uma rede complexa de empresas de fachada e a utilização massiva de indivíduos conhecidos como “laranjas” (testas-de-ferro) para viabilizar e ocultar as movimentações financeiras ilícitas. Esse ardil, que consistia em registrar empresas e bens em nomes de terceiros sem ligação aparente com o crime, buscava dar ares de legalidade às operações, dificultando sobremaneira o rastreamento do dinheiro sujo pelas autoridades.
Entre as empresas que foram destacadas e apontadas como participantes desse intrincado esquema de fachada, estão: Zangão Intermediações, Optimus Intermediações, Athena Intermediações e Cangas Intermediações e Negócios. Tais nomes revelam a aparente diversificação de negócios utilizada para dissimular a origem criminosa do capital, atuando em diferentes frentes para legitimar o dinheiro e expandir o poderio financeiro da facção.
Adicionalmente, as investigações localizaram diversos comprovantes de transferências monetárias realizadas por empresas pertencentes ao ramo hoteleiro diretamente para a BK Bank. Existem fortes indícios de que estas entidades também integram a rede de lavagem de dinheiro da organização criminosa, demonstrando a versatilidade na alocação de recursos e a abrangência de suas atividades econômicas aparentemente lícitas. Essa rede complexa dificulta a identificação dos verdadeiros beneficiários e o confisco dos bens.
A Contabilidade como Pilar da Organização Criminosa
Um dos elementos mais surpreendentes revelados pela investigação da Operação Spare foi o papel central e estratégico desempenhado por contadores na estrutura da organização criminosa. Longe de serem meros assessores técnicos que cumprem o protocolo legal, esses profissionais atuavam como verdadeiros pilares da rede, sendo os responsáveis diretos pela administração, gestão financeira e gerenciamento fiscal de centenas de empresas que, embora aparentemente independentes e distintas em seus nomes e atividades, integravam um mesmo e vasto grupo econômico ligado ao PCC. Essa complexa rede contábil garantia a fachada de legalidade.
A complexidade e a abrangência da atuação desses contadores foram sublinhadas pela identificação de um deles que detinha procuração da Receita Federal para impressionantes 941 empresas, uma amplitude que já por si só levanta suspeitas sobre a finalidade. Desse total expressivo, mais de 200 empresas estavam diretamente ligadas ao estratégico e lucrativo ramo de combustíveis, comprovando a especialização e foco do esquema. Mais do que isso, o mesmo contador figurava como o responsável técnico e contábil da S4 Administradora de Postos e Lojas de Conveniência, uma entidade diretamente usada na gestão e operação dos postos que estavam sob controle da organização criminosa. A expertise desses indivíduos em navegar pelas nuances fiscais e contábeis do Brasil foi essencial para o funcionamento do esquema, garantindo a pseudo-legitimidade das movimentações e a complexa administração da estrutura criminosa, o que torna a cooperação crucial com as autoridades para o desmantelamento de facções criminosas.
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A Operação Spare representa um passo fundamental no combate à expansão das facções criminosas para setores estratégicos da economia, como o de combustíveis. As ações integradas do Ministério Público de São Paulo e da Polícia Militar demonstram a persistência e a capacidade de investigação para desvendar esquemas de lavagem de dinheiro, proteger os consumidores e assegurar a ordem pública. Acompanhe a nossa editoria de Política e Cidades para se manter atualizado sobre os desdobramentos desta e de outras investigações importantes que impactam diretamente a sociedade brasileira.
Foto: Reprodução/PMSP
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