As áreas periféricas da capital paulista continuam a registrar uma concentração significativa de homicídios, um padrão que se observa há décadas. Este cenário foi novamente evidenciado pelo assassinato do entregador Gabriel Amorim Simão, de 26 anos, ocorrido na zona sul da cidade.
Simão havia retornado para casa no início da madrugada de 21 de agosto após mais um dia de trabalho. Foi recepcionado pela mãe, que lhe aguardava com um prato de comida recém-aquecida, um gesto de carinho e acolhimento familiar. Antes de consumir a refeição, contudo, o jovem expressou a intenção de verificar o funcionamento da caixa de direção de sua motocicleta, seu instrumento de trabalho diário. Uma rápida volta pela Rua Serra da Canastra, localizada no Jardim Amália, um bairro pertencente ao distrito de Capão Redondo, também na zona sul de São Paulo, seria suficiente para testar o equipamento. Ao retornar para sua residência, Gabriel Amorim Simão foi surpreendido por um grupo de homens que se deslocava em três motocicletas e foi tragicamente morto a tiros. A motocicleta da vítima foi roubada pelos criminosos e posteriormente encontrada incendiada na Rua Campestre, situada a aproximadamente seis quilômetros do local onde o crime de roubo e morte ocorreu. Embora inicialmente a suspeita pudesse recair sobre um latrocínio – roubo seguido de morte –, a família de Simão expressa veementemente não acreditar nesta hipótese, defendendo que o episódio se tratou de um homicídio.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
A fatalidade envolvendo Gabriel Amorim Simão se soma a uma série de outros casos que evidenciam a contínua problemática da violência na zona sul da cidade de São Paulo. De modo particular, destacam-se as regiões sob a jurisdição do 47º Distrito Policial, no Capão Redondo, e do vizinho 37º Distrito Policial, situado no Campo Limpo, como locais de elevada incidência desses crimes. Essa distribuição da violência letal, concentrada em pontos específicos e predominantemente periféricos, configura uma tendência persistente por muitos anos, mantendo o epicentro dos assassinatos nas bordas da metrópole, especialmente nas zonas sul, norte e leste. Apesar da notável redução geral no índice de homicídios na capital ao longo das últimas décadas, certas localidades da zona sul registraram, até o ano de 2023, um aumento nos números devido a confrontos intensos entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e organizações criminosas menores e regionais, identificadas como grupos de matadores locais conhecidos popularmente como “pés-de-pato”. Contudo, após uma série de operações policiais que resultaram na prisão de importantes membros de ambas as facções, e até mesmo na morte de alguns de seus integrantes, houve uma diminuição da violência nesses pontos. Essa queda é atribuída por analistas à retomada da hegemonia do crime organizado na regulação territorial.
Os familiares de Gabriel Amorim Simão relataram que o entregador não possuía histórico criminal, nunca tendo sido sequer registrado em uma delegacia, nem havia recebido qualquer tipo de ameaça prévia. Seu caso, que levanta diversas hipóteses para a motivação, é um dentre vários na região. Menos de quarenta minutos antes do assassinato de Simão, outro episódio de violência letal havia acontecido na vizinhança. Dois homens foram mortos a tiros em frente a uma adega, localizada na Rua Agamenon Pereira da Silva, no Jardim Nakamura, em um modus operandi semelhante, com a ação de indivíduos que se locomoviam em motocicletas. A Polícia Civil de São Paulo não descarta a possibilidade de haver alguma ligação ou correlação entre os dois crimes. Atualmente, a investigação do assassinato de Simão está sob a responsabilidade do 47º Distrito Policial (Capão Redondo).
A concentração de mortes violentas na cidade, especialmente entre populações em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, e a atuação das facções criminosas na regulação de conflitos e da violência são algumas das hipóteses que surgem para explicar a distribuição dos assassinatos em São Paulo. Essa percepção é fortalecida pelos dados referentes ao número e à localização dos homicídios registrados no primeiro semestre deste ano. No período, o 47º Distrito Policial, no Capão Redondo, figurou como o mais impactado, contabilizando 11 vítimas fatais. Logo em seguida, o 37º Distrito Policial, situado no Campo Limpo, registrou nove homicídios, um número equivalente ao total verificado em toda a extensão do ano passado para essa mesma área. No somatório geral, a capital paulista testemunhou um total de 268 vítimas nos primeiros seis meses do ano corrente. Além dos distritos que encabeçam a lista, outras delegacias também registraram elevados índices: o 68º Distrito Policial, no Lajeado (Zona Leste), e o 25º Distrito Policial, em Parelheiros (Zona Sul), assim como o 46º Distrito Policial, em Perus (Zona Norte), todos reportaram oito mortes. Um destaque incomum no mês de junho, dentro do primeiro semestre, foi o 98º Distrito Policial, no Jardim Miriam, que concentrou 15 desses óbitos devido à descoberta de múltiplas ossadas em um cemitério clandestino, todas computadas em uma única ocorrência policial.
A análise histórica de anos anteriores reforça essa tendência, revelando que os distritos mencionados, apesar de algumas flutuações pontuais, consistentemente figuram entre os locais com o maior número de óbitos violentos. Marcelo Batista Nery, pesquisador e coordenador de transferência de tecnologia do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), sublinha a persistência desse cenário: “Se compararmos um mapa de 2000 e um de 2025, existe muita similaridade entre os lugares que apresentam as maiores concentrações de homicídio. Houve várias políticas e mudanças de prefeitos, governadores e vereadores, mas mesmo assim os lugares continuam com esse problema.” Ele argumenta veementemente em defesa da implementação de políticas públicas específicas para cada região da cidade. Segundo o pesquisador, abordagens genéricas são ineficazes para solucionar problemas em contextos tão díspares. Nery destaca, ainda, uma forte correlação entre vulnerabilidade social, caracterizada por baixa renda e pela carência de serviços públicos essenciais, e a incidência de homicídios. Além disso, o pesquisador enfatiza a impossibilidade de ignorar a influência de grupos como o PCC, cuja atuação pode tanto contribuir para a diminuição das mortes em territórios que controla, regulando conflitos internos, quanto para o aumento da violência em decorrência de confrontos com facções rivais ou forças de segurança.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Para Rafael Rocha, que atua como coordenador de projetos no Instituto Sou da Paz, a significativa influência de organizações criminosas em certos territórios está intrinsicamente ligada à perceptível ausência estatal. “Não é que não haja tráfico em outras regiões da cidade, mas quando você tem um domínio territorial explícito, muitos dos conflitos estão mediados pelo crime”, explica Rocha, acrescentando que “É alguém que tem um parente sendo molestado por alguém, é um caso de criança sofrendo assédio, nós já ouvimos muitos relatos de pessoas que procuram primeiro alguém ligado ao crime organizado para resolver aquele conflito. E a solução, muitas vezes, é o homicídio.” Esta observação sugere que, na ausência de mecanismos formais de resolução de conflitos e garantia de direitos, a população dessas áreas é levada a buscar o “apoio” de figuras do crime organizado, cujas soluções para desavenças frequentemente resultam em desfechos letais. No âmbito geral da segurança pública na capital, o ano de 2024 registrou o menor número de assassinatos desde 2001, com um total de 498 vítimas, de acordo com dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo. Complementando essa estatística, o sistema SP Vida indica que a maior parte dessas mortes decorreu de conflitos interpessoais entre pessoas que se conheciam, correspondendo a 27,1% dos casos. Conflitos envolvendo desconhecidos vieram em seguida, totalizando 19% dos óbitos. O contexto criminal geral foi identificado em 13,5% das ocorrências, enquanto situações diretamente relacionadas ao tráfico de drogas representaram 2% dos óbitos. Quanto ao método, quase quatro em cada dez mortes (38,8%) foram causadas por arma de fogo de mão, sendo objetos cortantes ou penetrantes a segunda principal causa (29,3%).
O delegado Rogério Thomaz, responsável pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil, complementa a compreensão sobre a natureza diversificada dos crimes nas regiões mais vulneráveis. Ele observa que nesses locais se verificam uma gama heterogênea de motivações que culminam em mortes violentas. “Nessas áreas mais vulneráveis, temos maior presença do tráfico, confusões em bares, desavenças de algum tipo, envolvimento ou dívida relacionada ao tráfico. Se for analisar cada caso, lidamos com crimes muito variados, como morte da companheira, pai que manda matar o filho, são muitas motivações”, esclarece Thomaz. Sua descrição reitera a complexidade e a variedade de contextos que podem levar a um homicídio, ultrapassando a simplificação que algumas análises podem gerar, mostrando que não existe um único fator dominante por trás desses atos. Ele aponta para um cenário multifacetado onde disputas triviais podem escalar, interações sociais problemáticas ou relações com o universo do crime podem se manifestar de formas violentas. Essa multiplicidade de gatilhos faz com que o trabalho de investigação seja particularmente intrincado, demandando uma atenção minuciosa aos detalhes de cada ocorrência.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
Em resposta à questão sobre a concentração de homicídios, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), através da Secretaria da Segurança Pública (SSP), utilizou como principal parâmetro para a análise dos homicídios o cálculo de casos por 100 mil habitantes. Segundo a nota oficial emitida pela SSP, “Sob esse critério, as regiões citadas pela reportagem apresentaram, no primeiro semestre deste ano, taxas de homicídio próximas da média da capital paulista (2,34 casos por 100 mil habitantes), sem indicar qualquer fenômeno específico de violência.” Além disso, a secretaria mencionou a recente criação do SP Vida, um sistema estratégico cujo objetivo é monitorar minuciosamente os dados de assassinatos. O propósito do SP Vida é desenvolver estratégias mais assertivas, como o aumento do policiamento nas áreas que registram maior incidência de crimes. Contudo, o governo não forneceu informações adicionais ou detalhadas sobre outras estratégias ou planos de prevenção de homicídios que estejam sendo implementados ou planejados para abordar as causas subjacentes da violência na capital. De acordo com dados atualizados e publicados em 29 de julho, a cidade de São Paulo registrou um aumento nos homicídios em julho, uma tendência já observada nos meses de maio e junho, quando comparados com os mesmos períodos do ano anterior. No acumulado do ano de 2025, o número de pessoas assassinadas atingiu 314, em contrapartida aos 270 casos registrados no mesmo período de 2024. Para o delegado Rogério Thomaz, um dos fatores mais importantes para a inibição e combate a esse tipo de crime é o esclarecimento eficaz dos casos. Ele argumenta que “É chegar aos responsáveis, ter punição. No homicídio, quando imputamos, a pessoa fica presa até o julgamento. Isso também inibe.” A elucidação dos crimes e a consequente aplicação da justiça, conforme o delegado, funcionam como um poderoso desincentivo a atos futuros. O perfil das vítimas, segundo as informações compiladas pela polícia e apresentadas pelo delegado, alinha-se aos resultados de outros estudos e levantamentos prévios: a maioria dos indivíduos vitimados por homicídios na capital são homens, jovens, negros e de baixa condição socioeconômica, reforçando o cenário de vulnerabilidade que persiste em determinadas camadas da sociedade.
Com informações de Folha de S.Paulo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados