Overturismo e Problemas: A Complexa Realidade de Bali

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Overturismo e Problemas: A Complexa Realidade de Bali, o outrora intocado paraíso tropical da Indonésia, enfrenta um dilema crescente. Embora tenha encantado viajantes por décadas com sua beleza exuberante e cultura singular, a ilha está gradualmente frustrando as expectativas de turistas. Casos como o de Zoe Rae ilustram a divergência entre a imagem paradisíaca vendida nas redes sociais e a experiência real vivenciada pelos visitantes. Conforme relato de Rae em um vídeo de julho, publicado no YouTube, “desde que aterrissamos em Bali, algo parecia estar errado”. Suas elevadas expectativas, forjadas por posts em mídias sociais que mostravam apenas o lado idílico, se desfizeram ao observar o que se escondia para além das fotos cuidadosamente enquadradas.

A jovem, que optou por não detalhar suas observações ou responder a questionamentos da imprensa, considerou sua experiência em Bali tão perturbadora que reservou apressadamente um voo para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para concluir ali a celebração de seu aniversário de casamento. Este incidente não é isolado; as plataformas digitais estão repletas de publicações que explicitam o contraste entre a “expectativa e a realidade” em Bali, revelando uma série de desilusões que comprometem a aura de misticismo e beleza que a ilha um dia possuía.

Overturismo e Problemas: A Complexa Realidade de Bali

As evidências dessa transformação são inegáveis e multifacetadas. Fotografias de restaurantes à beira-mar com vistas do pôr do sol são frequentemente acompanhadas de imagens contrastantes, onde se avistam pilhas de lixo acumuladas em escadas precárias que levam ao local. Em outra cena comum, poses em trajes de banho diante de majestosas cascatas escondem as longas filas de turistas aguardando a vez em rochas escorregadias. Há ainda a imagem de coquetéis ao ar livre, servidos com canudos de bambu, em um ambiente que rapidamente se choca com a realidade de ruas congestionadas e o ruído ensurdecedor de motocicletas. Milhões de pessoas ainda afluem à ilha anualmente, buscando o Shangri-lá espiritual eternizado por obras como o livro e filme “Comer, Rezar, Amar” (2010), mas se deparam com um cenário dominado por aglomerações, tráfego intenso e a barulheira de construções, um reflexo do frenético crescimento turístico após a pandemia de COVID-19.

Desenvolvimento Descontrolado e Consequências Alarmantes

A tensão crescente na ilha não resultou apenas em murmúrios e queixas de decepção; ela manifestou-se em tragédias. Em setembro, mais de dez indivíduos perderam a vida em inundações atípicas que assolaram Bali. Autoridades locais atribuíram a gravidade do evento à má gestão de resíduos e a um desenvolvimento urbano descontrolado. Como resposta, o governo anunciou a restrição de novas construções, uma medida que, para muitos críticos, surge tarde demais e é considerada insuficiente para reverter os danos já estabelecidos. A pergunta premente é: como Bali, um destino mundialmente aclamado por sua natureza paradisíaca, atingiu este ponto de crise após décadas sendo o “último paraíso”?

Desde o início do século XX, Bali tem atraído aventureiros ocidentais, fascinados por seus templos hindus, vastos campos de arroz e uma espiritualidade profunda, intrinsecamente ligada ao respeito pela natureza. A cultura balinesa reverencia animais como macacos, vacas e pássaros, e atribui significado sagrado a árvores ancestrais e ao Monte Batur, um vulcão venerado como o lar de uma deusa. Gisela Williams, escritora de viagens residente em Berlim que visita a ilha desde os anos 90, descreve Bali como um dos pioneiros a serem associados a “utopia, grande beleza e cultura”, um mito cultivado pela cultura hindu balinesa. A ilha tem sido um verdadeiro “laboratório” sobre a influência das redes sociais no turismo e seus desafios contemporâneos.

O Boom do Turismo: Uma Benção e uma Maldição

A última década testemunhou um exponencial aumento no turismo balinês, passando de 3,8 milhões de visitantes em 2014 para 6,3 milhões no ano passado, com projeção de superar sete milhões de turistas estrangeiros em 2025. Paradoxalmente, a ilha é agora mais conhecida por seus vibrantes clubes de praia e escolas de surfe do que por suas tradições únicas. A facilidade de acesso a álcool e a maior liberalidade em vestuário, em contraste com o restante da Indonésia, o maior país muçulmano do mundo, contribuíram para essa mudança. A maioria dos visitantes busca mergulhar na opulência de seus hotéis luxuosos, pousadas charmosas e spas rejuvenescedores. Segundo Williams, a atração para muitos ocidentais reside na acessibilidade a um estilo de vida opulento. Ela complementa que, “desde que as redes sociais tomaram o controle, elas se tornaram uma forma muito superficial de compreender um lugar… Você vê apenas uma foto e viaja em seguida”.

A decepção de Zoe Rae ressalta a imagem distorcida de Bali que é propagada pelas redes sociais. Em resposta a esta discussão, a criadora de conteúdo britânica Hollie Marie, que reside em Bali, advertiu em um vídeo no TikTok que uma busca superficial pela ilha no Instagram “trará uma realidade distorcida”. Marie explica à BBC que o principal problema reside na concentração de turistas em regiões específicas, motivados pela busca por “cafeterias bonitas e lugares instagramáveis”, o que os faz negligenciar a “ilha culturalmente muito rica”.

Aqueles que vivem em Bali ou exploram suas regiões menos óbvias confirmam que sua beleza natural permanece intacta e radiante, oferecendo experiências que vão desde o avistamento de golfinhos e explorações submarinas até as paisagens verdejantes do tranquilo norte da ilha. Canny Claudya, que se mudou de Jacarta, a capital da Indonésia, para Bali, afirma que a ilha é “muito, muito mais” do que os “lugares de festa” frequentados pelos turistas, e conclui que “se você acha que Bali está superlotada, é porque não está nos lugares adequados”.

Impacto na População Local e no Ecossistema

Mesmo assim, os moradores locais reconhecem as inegáveis mudanças que o turismo impôs à sua ilha. Quando se deparam com queixas de turistas desiludidos por Bali não ser o paraíso esperado, muitos apontam para a ironia inerente a esses comentários. I Made Vikannanda, pesquisador balinês e defensor da natureza e da população da ilha, compara a situação a um engarrafamento: “Quando os turistas dizem que estão decepcionados porque Bali está mais concorrida, eles também fazem parte dessa multidão… Mas nós estamos em um carro. Somos nós que dirigimos o carro, somos nós que provocamos o tráfego.”

Ni Kadek Sintya, de 22 anos, guarda memórias de uma época em que as estradas de Canggu, no litoral sudoeste da ilha, eram tranquilas vias serpenteando por arrozais, onde costumava parar para comer. Cinco anos depois, Canggu tornou-se um dos pontos mais congestionados de Bali. Sua rota para o trabalho, em um resort, é hoje ladeada por inúmeras pousadas e cafeterias, e seu trajeto é incessantemente marcado pelo barulho das buzinas de motoristas impacientes. “Não me dou ao trabalho de parar, muito menos descansar ali”, relata. “Agora, sempre que passo pelo lugar onde costumava me sentar, sinto uma grande tristeza. Sinto que Bali está se deteriorando dia após dia.”

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Imagem: g1.globo.com

O Efeito “Parque de Diversões” e as Novas Regiões

À medida que o turismo continua a se expandir, hotéis, cafeterias e bares avançam a partir do já superlotado sul da ilha. O mais recente epicentro dessa expansão é Canggu, que, de uma serena vila de pescadores, se transformou em um ímã para surfistas e novos estabelecimentos. Canggu replica o percurso de outros destinos balineses como Uluwatu e Seminyak, que, outrora pacíficos, viram-se transformados pela busca incessante de turistas por “joias ocultas”. Essa migração estimula o surgimento de cafeterias da moda, academias e espaços de coworking ao longo de estreitas vias rurais. Pererenan, no norte de Bali, é aclamada como um “Canggu mais tranquilo”, e mais ao norte, as florestas de Ubud ostentam complexos turísticos promovidos como refúgios serenos contra o caos do sul.

Hollie Marie descreve a situação como uma “verdadeira encruzilhada”. Ela acredita que, embora incentivar a visita a diferentes regiões seja positivo, “isso também traz um risco, pois animará as pessoas a construir em todo e qualquer lugar”. Marie lamenta: “As pessoas cuidam de Bali meio que como se fosse um parque de diversões”, o que captura bem a essência da banalização e exploração do destino.

O cenário é agravado pelo comportamento inadequado de alguns turistas, cujos atos irresponsáveis, como dirigir alcoolizados sem capacete ou profanar locais sagrados, são frequentemente destaque na mídia. A ilha também se tornou refúgio para milhares de cidadãos russos e ucranianos em busca de escape da guerra, e o diretor da Agência Nacional de Narcóticos da Indonésia alertou recentemente sobre o aumento de atividades criminosas envolvendo estrangeiros, especialmente dessas nacionalidades.

Reação Local e Caminhos para a Sustentabilidade

A crescente indignação dos moradores se manifesta em ações como a denúncia pública de turistas malcomportados nas redes sociais. Contudo, a mundialmente famosa hospitalidade balinesa permanece. Sintya ressalta: “Muitos turistas pensam que, como são eles que gastam dinheiro na nossa ilha, nós, moradores locais, deveríamos aceitar tudo o que eles fazem.” Para Sintya e muitos de sua geração, a vida depende intrinsecamente do setor turístico, criando uma encruzilhada existencial: “Eu me sinto em uma armadilha porque vivemos do turismo… Se deixarmos de receber turistas, vamos viver do quê?”.

Apesar do crescimento desordenado do turismo, Vikannanda mantém um certo otimismo. Ele acredita que “o desenvolvimento de Bali e a harmonia com a natureza ainda podem ser mantidos”, especialmente “com a participação dos jovens”. De fato, iniciativas lideradas por empresas e ativistas locais buscam promover o desenvolvimento sustentável, abrangendo desde a educação em gestão de resíduos até a realização de limpezas em praias. As autoridades, anteriormente criticadas por sua inação regulatória, também começaram a agir. Este ano, Bali implementou a proibição de plásticos descartáveis e publicou um manual de diretrizes comportamentais para visitantes. O objetivo é assegurar que “o turismo em Bali continue sendo respeitoso, sustentável e em harmonia com nossos valores locais”. Para reforçar a conformidade, a polícia foi destacada para as regiões mais populares da ilha.

Maria Shollenbarger, editora de viagens da revista “How To Spend It” do Financial Times, explicou à BBC que “o governo indonésio finalmente compreendeu que Bali também é um bem natural, não apenas um mercado turístico a ser explorado”. Ela enfatiza que “Bali, em muitos sentidos, é uma prova de fogo para o turismo excessivo”, e adiciona que, em qualquer destino global, “é importante que as pessoas tenham em mente que é sua responsabilidade, como turista, comportar-se no destino de forma responsável.”

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A narrativa de Bali é um espelho complexo dos desafios globais impostos pelo overturismo e pela representação distorcida da realidade nas mídias sociais. A ilha, um santuário cultural e natural por essência, busca um equilíbrio entre a necessidade econômica e a preservação de sua alma. É uma discussão importante que permeia diversas Análises contemporâneas. Convidamos você a explorar outras matérias em nossa editoria para continuar essa reflexão sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais do desenvolvimento.

Crédito da imagem: Getty Images via BBC / Unsplash/arty

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