Dois filhotes de onça-parda órfãos, um macho e uma fêmea, recebem cuidados intensivos e alimentação a cada duas horas após serem resgatados por funcionários de uma usina em Monte Aprazível, São Paulo. O resgate, que ocorreu no dia 10 de outubro durante a colheita de cana-de-açúcar, colocou os pequenos felinos em uma situação delicada, sem previsão de retorno à natureza, conforme informado pela Polícia Ambiental. Acredita-se que os filhotes, com aproximadamente três a cinco semanas de vida, foram acidentalmente separados de sua mãe durante o trabalho agrícola, um cenário lamentável que frequentemente ocorre em áreas de avanço urbano e monocultura.
Ao serem encontrados, os jovens pumas estavam hipotérmicos, ou seja, com a temperatura corporal abaixo do normal, mas sem ferimentos aparentes. Eles foram prontamente encaminhados para o Zoobotânico de São José do Rio Preto, onde uma equipe especializada os acolheu para iniciar um complexo processo de recuperação e manejo.
Onças-Pardas Órfãs Resgatadas Requerem Cuidados Contínuos
O acompanhamento clínico detalhado dos filhotes de onça-parda revelou suas características físicas. De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a fêmea registrava 852 gramas de peso, enquanto o macho pesava 848 gramas logo após o resgate. Sob a responsabilidade da médica veterinária Natasha Fuji Ando, ambos estão recebendo atenção constante para garantir seu desenvolvimento adequado.
A dieta dos felinos é composta por uma fórmula láctea substitutiva do leite materno, minuciosamente preparada para assemelhar-se em composição e fornecer os nutrientes essenciais necessários para o crescimento. Esta alimentação é administrada através de mamadeiras, de forma rigorosa, em intervalos de duas horas, abrangendo todo o período de 24 horas. Equipes veterinárias dedicam-se inclusive à noite e de madrugada para assegurar que os filhotes recebam o suporte nutricional vital.
Os progressos dos animais são notáveis. Desde a chegada ao Zoobotânico de Rio Preto, eles apresentaram um significativo ganho de peso, passando de uma média inicial de 800 gramas para mais de um quilo cada um. Para manter a temperatura corporal estável e evitar a reincidência de hipotermia, os filhotes são mantidos em uma caixa especialmente adaptada, equipada com cobertores macios e uma pelúcia. Esta pelúcia, além de contribuir para a manutenção do calor, também serve como um substituto simbólico para o conforto e a proximidade da mãe. A manipulação é mínima; os pequenos pumas são retirados da caixa apenas para serem alimentados e para terem a evacuação (urina e fezes) estimulada. Este processo de estimulação, realizado com algodão úmido, simula a lambedura materna, fundamental para a saúde digestiva e a higiene dos filhotes.
O Desafio da Reintrodução na Natureza
O futuro dos felinos resgatados apresenta um complexo desafio. A veterinária Natasha Fuji Ando e o biólogo Thiago Davanso explicam que a dependência dos instintos naturais, particularmente o da caça, é uma barreira considerável para a reintrodução. O desenvolvimento do instinto de caça é uma lição fundamental transmitida pelas mães onças-pardas aos seus filhotes. Este aprendizado acontece em um ambiente natural, onde a mãe ensina sobre as presas, a estratégia de perseguição e as quantidades ideais de alimento.
A ausência dessa “escola” natural devido à separação precoce significa que dificilmente os filhotes conseguirão sobreviver sozinhos. “É uma escola, eles aprendem como correr atrás da presa, no ambiente natural”, comenta o biólogo Thiago Davanso, enfatizando a importância crucial desse período de aprendizado materno. “A vontade de comer carne vai surgir, mas, se soltos agora, eles não conseguem caçar. Se tiver que apostar, vá na hipótese de que eles não vão conseguir caçar, que é quase 100% de chance”, reforça o especialista.
Dada a impossibilidade de prover um ambiente controlado e monitorado que replique esses ensinamentos vitais, não existe previsão para a reintrodução dos jovens felinos na natureza. O destino provável desses filhotes órfãos é permanecer em instituições de proteção e salvaguarda, como o próprio Zoobotânico, vivendo em cativeiro e recebendo os cuidados contínuos de que necessitam. Essa medida visa garantir sua segurança e bem-estar, mesmo que afastados de seu habitat original.
Possibilidade de Reunião Familiar e Desafios Logísticos
A alternativa ideal, e mais humana, seria encontrar a onça-mãe para permitir o retorno dos filhotes. Conforme sugere o biólogo Thiago Davanso, métodos como a busca por vestígios — incluindo pegadas e fezes —, além do uso de câmeras que funcionam como “armadilhas fotográficas” para registrar as coordenadas do animal, poderiam ser empregados. A mãe certamente reconheceria os filhotes. No entanto, o biólogo destaca que “isso cabe recursos financeiros”, indicando a inviabilidade dessa abordagem sem um investimento significativo.
A preservação de espécies como a onça-parda, que desempenham um papel vital nos ecossistemas, é um desafio global. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), esforços contínuos são necessários para mitigar os impactos das atividades humanas sobre a fauna silvestre. Eventos como este resgate em Monte Aprazível sublinham a importância da coexistência e da atenção às espécies selvagens.

Imagem: funcionários de usina são macho e fêm via g1.globo.com
Panorama de Resgates no Zoobotânico
A situação dos filhotes de onça-parda em São José do Rio Preto não é um caso isolado, mas parte de um volume maior de atendimentos realizados pelo Zoobotânico. Dados da Secretaria do Meio Ambiente revelam que, até o dia 8 de outubro, o setor técnico havia recebido um total de 525 animais, compreendendo aves, mamíferos e répteis. A diversidade de causas que levam esses animais ao centro de fauna é vasta, incluindo resgates, apreensões, acidentes e até entregas voluntárias pela população.
As aves lideram os registros de entrada, somando 367 ocorrências, o que corresponde a impressionantes 70% do total. Os mamíferos, grupo ao qual as onças-pardas pertencem, representam a segunda maior categoria, com 146 entradas (28%), enquanto os répteis totalizam 12 registros (2%).
Analisando as razões específicas para os atendimentos até outubro, verifica-se que 275 animais chegaram ao Zoobotânico como vítimas de traumas, constituindo mais da metade dos casos. A categoria de filhotes órfãos, onde os jovens pumas se encaixam, figura como o segundo maior grupo, com 188 registros de entrada, destacando a vulnerabilidade dos jovens animais na natureza. Outros 17 animais foram entregues voluntariamente, 9 resultaram de apreensões da Polícia Ambiental e 8 chegaram por problemas nutricionais. Curiosamente, 28 animais estavam hígidos, ou seja, sem ferimentos ou doenças no momento da chegada.
O esforço de reabilitação no Zoobotânico é contínuo e gera resultados. Do total de 525 animais recebidos, 106 foram reabilitados com sucesso e reintegrados ao ambiente natural ou transferidos para outras instituições parceiras. Atualmente, 69 animais ainda estão internados, passando por tratamento intensivo para recuperação. Para aqueles sem condições de retorno à natureza, como os filhotes de onça-parda órfãos, seis animais foram incorporados permanentemente ao plantel do Zoobotânico, recebendo moradia e cuidados para toda a vida.
Tragicamente, o relatório também registra 180 eutanásias, em casos clínicos considerados irreversíveis, e 164 óbitos resultantes de ferimentos graves ou de debilidade extrema. Esse número alarmante é um reflexo das complexas condições enfrentadas pela fauna silvestre.
Diversos fatores contribuem para o aumento dessas entradas nos centros de fauna, evidenciando a crescente pressão humana sobre os ecossistemas. Entre os principais motivos estão as queimadas em áreas de preservação, que destroem habitats e fontes de alimento; a diminuição dos espaços naturais devido ao avanço urbano, à construção de rodovias e à expansão das lavouras. Essas condições ambientais frequentemente levam à morte de pais, seja por acidentes diretos ou em incêndios, resultando em filhotes desamparados e vulneráveis. Outra causa comum é a separação acidental, muitas vezes provocada por atividades agrícolas como a colheita de cana, que perturbam os habitats naturais e deslocam as famílias de animais, como ocorreu com os jovens pumas em Monte Aprazível.
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A situação dos filhotes de onça-parda em Rio Preto destaca a importância crucial do trabalho de resgate e reabilitação de animais selvagens. A equipe do Zoobotânico de São José do Rio Preto continua sua dedicação no cuidado com a fauna local. Para mais informações e artigos relacionados à conservação e aos impactos nas comunidades, convidamos você a explorar nossa editoria de Cidades.
Crédito da imagem: André Modesto/TV TEM; Reprodução/TV TEM; Secretaria de Meio Ambiente/Divulgação
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