Novas possibilidades para o tratamento da obesidade ganharam destaque com a publicação de dois estudos em importantes periódicos médicos na última semana. As pesquisas exploram o potencial da semaglutida, um composto farmacêutico já estabelecido para controle de diabetes e obesidade, comercializado sob as marcas Ozempic, Rybelsus e Wegovy, indicando a viabilidade de doses mais elevadas e de uma formulação oral, com impacto significativo na perda de peso. As descobertas abrem caminho para abordagens terapêuticas mais eficazes e acessíveis para milhões de pacientes.
Os levantamentos mais recentes sinalizam que a ampliação das opções de tratamento com este fármaco pode transformar a forma como a obesidade é encarada e tratada globalmente, conforme especialistas. A pesquisa contribui para consolidar o papel da semaglutida como uma ferramenta crucial na gestão da doença, que é uma preocupação de saúde pública crescente em todo o mundo. A inovação não só promete resultados mais robustos na redução do peso corporal, mas também flexibilidade para médicos e pacientes na escolha do regime de tratamento mais adequado.
Novos Estudos Expandem Doses da Semaglutida para Obesidade
Um dos estudos, veiculado na prestigiada revista The Lancet, investigou uma dose semanal injetável de 7,2 mg de semaglutida. Os resultados demonstraram uma perda de peso adicional em comparação com a dose atualmente autorizada de 2,4 mg, atingindo uma média de 18,7% contra 15,6%, respectivamente. Mais notavelmente, cerca de 40% dos participantes que receberam a dose mais alta conseguiram uma redução igual ou superior a 25% do peso corporal inicial, superando as expectativas sobre a eficácia do tratamento.
Priscilla Mattar, diretora médica da Novo Nordisk no Brasil, ressaltou a natureza dose-dependente dos análogos de GLP-1, classe da qual a semaglutida faz parte. Ela afirmou que o estudo STEP UP comprovou que não houve um platô de eficácia na dose de 2,4 mg, indicando que doses maiores continuam a gerar resultados significativos. O endocrinologista e professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Bruno Geloneze, expressou surpresa com a boa tolerabilidade da dose de 7,2 mg, notando que, embora não triplique o efeito, adiciona cerca de 4 pontos percentuais à perda de peso, e a imensa maioria dos pacientes manteve o tratamento.
Simultaneamente, o periódico The New England Journal of Medicine publicou o estudo OASIS-4, que explorou uma formulação oral de semaglutida, com 25 mg. O tratamento resultou em uma perda média de peso de 13,6% em 64 semanas, com a adesão correta impulsionando essa média para 16,6%. Impressionantes 30% dos participantes alcançaram uma redução de 20% ou mais de seu peso inicial com a versão oral. Atualmente, a semaglutida oral é disponibilizada apenas para diabetes, em doses de 3 mg, 7 mg e 14 mg. Esta é a primeira vez que um medicamento oral para obesidade atinge um nível de eficácia tão próximo ao das versões injetáveis.
Importante notar que, em ambos os ensaios, os participantes eram indivíduos com obesidade que não apresentavam diabetes. Tradicionalmente, fármacos dessa classe, conhecidos como análogos do GLP-1 (que mimetizam um hormônio intestinal), foram desenvolvidos inicialmente para o tratamento do diabetes. Os efeitos adversos mais frequentes reportados foram náuseas, diarreia e constipação, que afetaram cerca de 70% dos indivíduos nas dosagens mais elevadas, em contraste com aproximadamente 40% no grupo placebo. Adicionalmente, o grupo que utilizou a semaglutida injetável de 7,2 mg teve uma incidência um pouco maior de disestesia (alterações da sensibilidade na pele). Contudo, a gravidade dos efeitos foi predominantemente leve a moderada e considerada gerenciável, sendo os eventos graves mais raros.
Profissionais de saúde celebram as novas possibilidades, tanto a expansão das doses injetáveis quanto a efetividade da alternativa oral. Walmir Coutinho, professor de endocrinologia da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e ex-presidente da Federação Mundial de Obesidade, comentou que, embora não haja estudos comparativos diretos (“cabeça a cabeça”), os dados publicados sugerem uma equivalência em termos de magnitude da perda de peso entre as duas formulações.
A diversidade de formulações é vista como um avanço que favorece a individualização do tratamento. A versão em comprimido, por exemplo, pode ser uma alternativa bem-vinda para pacientes com aversão a agulhas ou dificuldade no manuseio da caneta aplicadora, conforme apontado por Geloneze. Contudo, ele enfatiza que a administração oral diária exige uma disciplina mais rigorosa. A necessidade de jejum antes e de pelo menos 30 minutos depois de tomar o medicamento, por exemplo, é um fator que pode levar os pacientes a reconsiderarem sua escolha. A decisão, portanto, deve ser compartilhada e informada entre médico e paciente.
A Novo Nordisk antecipa que a disponibilidade de múltiplas opções aumentará a adesão ao tratamento. Mattar compara o desenvolvimento da terapêutica da obesidade à do diabetes, onde um vasto arsenal de medicamentos e decisões personalizadas são fundamentais para o sucesso a longo prazo. Os pedidos para novas dosagens e indicações ainda serão submetidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar disso, o uso off-label (fora das recomendações da bula) de doses elevadas do injetável ou da formulação oral aprovada apenas para diabetes já ocorre na prática médica, embora não seja incentivado pela indústria, segundo Mattar.
Bruno Halpern, endocrinologista e presidente eleito da Federação Mundial de Obesidade, esclarece a distinção importante entre o uso off-label de medicamentos quando não há estudos ou quando se conhece o perfil de segurança e os benefícios, como no caso da semaglutida oral para obesidade. Para a semaglutida injetável de 7,2 mg e da oral em doses maiores, diz o médico, seria importante avaliar ainda a questão do custo, que poderia até triplicar, embora o efeito não aumente na mesma proporção. Ele lembra do topiramato, medicamento mais barato que os agonistas de GLP-1, recomendado em bula para tratamento de enxaqueca e epilepsia, mas que tem sido usado de forma off-label contra distúrbios alimentares e obesidade. “[O uso off-label] não é algo que deve ser feito por todos os médicos, em qualquer circunstância, mas por especialistas que conheçam os estudos e que discutam [a possibilidade] com os pacientes”, afirmou.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Mesmo com todos esses progressos farmacológicos, o tratamento da obesidade ainda é subutilizado. Coutinho estima que menos de 2% das pessoas com obesidade nos Estados Unidos usem algum medicamento para tratar essa doença e que, no Brasil, esse percentual foi estimado em apenas 3%. No entanto, com a perda de peso alcançada pela semaglutida, que se alinha às expectativas médicas e dos pacientes (16% a 17%), esse cenário tem potencial para uma transformação significativa, sendo provável que mude para melhor.
Além da notável perda de peso, a semaglutida oferece outros benefícios atrativos, incluindo uma redução de risco cardiovascular na faixa de 14% a 26% (a depender do estudo e da população avaliada), com impacto positivo na prevenção de AVC e infarto, bem como na proteção contra doença renal. Novas investigações também sugerem um efeito benéfico sobre a gordura no fígado (esteato-hepatite) e, possivelmente, na progressão da doença de Alzheimer, abrindo novas fronteiras terapêuticas.
Mattar aponta que a gordura no fígado está se tornando a principal causa de transplantes hepáticos nos EUA, e a tendência é que isso se repita no Brasil, onde ainda perde para o álcool, mas não por muito tempo. Estudos como o Essence indicaram que a semaglutida retarda a evolução do quadro e minimiza a fibrose. Recentemente, em agosto do último mês, a FDA, agência reguladora americana, aprovou a indicação da semaglutida para o tratamento da esteato-hepatite, doença inflamatória. No que tange ao Alzheimer, Mattar menciona que as pesquisas atuais se concentram na hipótese da inflamação crônica como um fator crucial, o que, se comprovado, representará um avanço significativo, dada a inexistência de terapias que alterem o curso natural da doença atualmente, sendo “tudo que foi testado até agora falhou”.
Apesar das promessas, o acesso permanece como o principal desafio. A semaglutida não está incluída no Sistema Único de Saúde (SUS) nem mesmo para a obesidade. A Novo Nordisk submeteu dossiês para incorporação, mas recebeu pareceres negativos da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) mesmo avaliando populações de alto risco cardiovascular, devido, principalmente, ao elevado impacto orçamentário, pois a obesidade é altamente prevalente. No entanto, Mattar demonstra otimismo: “A sociedade está falando, o governo está olhando. Assim como já temos programas robustos para diabetes e hipertensão, acredito que vamos chegar lá também na obesidade”, afirma a diretora.
Experiências piloto em estados como Goiás e Rio de Janeiro poderiam pavimentar a inclusão do tratamento em situações mais específicas e delimitadas, sugere a diretora. Outra questão no horizonte é a propriedade intelectual. A patente da semaglutida no Brasil expira em 2026. A indústria farmacêutica, embora defenda a extensão da exclusividade, já se movimenta para desenvolver uma nova geração de moléculas mais potentes, incluindo combinações duplas e triplas, com o objetivo de intensificar ainda mais a perda de peso. O desafio persistente, em meio a um mercado bilionário, será garantir que essas inovações se tornem acessíveis para todos que delas necessitam.
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Este avanço nos estudos sobre a semaglutida não só representa um salto significativo na luta contra a obesidade, como também abre novas perspectivas para doenças correlatas, oferecendo um futuro promissor para a medicina. Para aprofundar seu conhecimento sobre as mais recentes inovações e debates no campo da saúde e da ciência, continue acompanhando as análises em nossa editoria.
Crédito da imagem: Karime Xavier/Folhapress
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