Nesta semana, o Museu do Ipiranga lançou o podcast “Pensar o presente – histórias de um museu em transformação”. Esta iniciativa marca o início das celebrações dos 130 anos de fundação da prestigiada instituição localizada em São Paulo. O projeto em áudio, que reflete criticamente sobre as diversas narrativas do museu ao longo de sua trajetória, é uma produção do Estúdio Novelo.
O diretor do Museu do Ipiranga, Paulo César Garcez Marins, sublinhou a relevância de um museu de história reavaliar continuamente seus pilares conceituais e expandir sua visão. A intenção é incorporar à vasta coleção e às exposições do museu as múltiplas vozes e experiências que constituem a sociedade brasileira, tornando a representatividade mais abrangente.
Museu do Ipiranga lança podcast com nova visão de sua história
Essa busca pela diversificação do perfil de suas coleções, de acordo com Marins, é um esforço presente em diversas instituições. O objetivo central é acolher uma variedade social do Brasil que antes era pouco ou não contemplada. Os episódios do podcast partem de peças ou acervos do museu para ilustrar a dimensão dessa diversidade. Tradicionalmente, apenas as elites paulistas eram proeminentes nas narrativas do museu; agora, outros segmentos da sociedade recebem destaque e reconhecimento.
A iniciativa, conforme divulgado pela instituição, aborda reflexões profundas sobre o apagamento histórico e cultural da população negra nos debates nacionais, assim como a sub-representação e ausência de mulheres e suas pautas nas narrativas oficiais. Tal debate crítico visa enriquecer e atualizar a compreensão histórica.
Paulo Marins explicou que, ao longo de aproximadamente cem anos, as coleções do museu priorizaram objetos que eram intimamente ligados a seus proprietários. Essas figuras eram frequentemente indivíduos de grande relevância política ou de famílias detentoras de vastas fortunas, como as provenientes da cafeicultura. “Essas eram as atribuições para que um objeto entrasse nas nossas coleções”, detalhou o diretor, mencionando ainda que tais itens eram, via de regra, confeccionados com materiais valiosos e de alto custo.
Na história mais recente do museu, Marins salientou a importância de contextualizar os objetos para além de suas características intrínsecas de valor ou posse. “Nós procuramos hoje entender os processos que fizeram com que esses objetos existissem, como eles chegaram às nossas coleções, e sobretudo qual foi a função que esses objetos desempenharam numa cadeia social longa, que envolve a produção, sua circulação, sua aquisição, seu descarte”, elucidou ele, apontando para uma análise mais profunda e holística.
Segundo o diretor, a capacidade documental das coleções tem sido expandida. Enquanto antigas coleções estão em processo de revisão, a curadoria também demonstra um compromisso com a aquisição de novos acervos. Esse esforço visa aprofundar e ampliar a representação da sociedade brasileira nas galerias do museu, consolidando uma visão mais plural. Nos últimos 30 anos, aproximadamente, a instituição passou a incorporar e adquirir itens associados a diversas camadas sociais e também objetos ligados ao cotidiano comum.
Entre os cinco episódios que serão lançados semanalmente, todas as quartas-feiras, o podcast “Doces Memórias” aborda a inclusão de objetos que historicamente não possuíam valor em ambientes museológicos. Um exemplo notável é a “coleção de impressos, que reúne quase 5 mil rótulos de balas, chicletes, biscoitos, remédios, cigarros, bebidas, pães”. Marins classificou-a como uma “coleção extraordinária” de impressos descartáveis que usamos diariamente.
Conforme o diretor, esses vastos conjuntos de itens resgatam a memória de designers que permaneceram no anonimato, mas cujo trabalho gráfico permeia e molda a memória afetiva e visual da sociedade.
Outro episódio, intitulado “Presença na Ausência”, dedica-se à questão da invisibilidade de diversos grupos étnicos no museu. Aborda a notável lacuna de acervos que representem as populações indígenas e as de origem africana, evidenciando a necessidade de maior inclusão. Já o episódio “Saber Fazer” tem como ponto de partida os tijolos empregados na construção do edifício do museu, permitindo a identificação das olarias produtoras por meio de seus monogramas.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
O episódio “Álbum de Família” discute a crescente importância que as coleções fotográficas passaram a ter na historiografia do museu, particularmente a partir da década de 1990. Esse marco foi consolidado com a integração do acervo do fotógrafo Militão Augusto de Azevedo à instituição.
São “12 mil fotografias de um único fotógrafo, um fotógrafo carioca, Militão de Azevedo, que trabalhou em São Paulo entre 1861 e 1890”, explicou Paulo Marins. Esse conjunto documental, que é “extraordinário”, registra retratos que cobrem todos os segmentos sociais e étnicos da cidade. Marins enfatizou a abundância de retratos da população em geral, indo além das figuras proeminentes daquela época.
Marins também revelou que a incorporação da coleção de Militão de Azevedo representou um ponto de inflexão significativo para que a fotografia conquistasse sua devida proeminência no contexto do museu. Ele recordou que “nós éramos um museu sobretudo de retratos a óleo, muito caros e muito vinculados às elites”, e que, a partir desse momento, muitas outras coleções fotográficas enriqueceram o acervo da instituição.
No mesmo episódio “Álbum de Família”, o público será introduzido à Coleção Nery Rezende. Este acervo pertenceu a uma mulher negra que meticulosamente construiu um arquivo pessoal, narrando sua vida em meados do século 20. Marins destacou que ela não apenas deixou uma “quantidade muito grande de documentos textuais, de papéis sobre a vida dela e sobre a vida de uma mulher negra de classe média – que nós também não temos frequentemente nas coleções de museus –, mas uma coleção fotográfica extraordinária dela, da família, da sua atuação profissional”.
Para o diretor, os episódios do podcast “vão permitir que a população possa se aproximar dessas linhas de reflexão que nós fazemos, mostrando o frescor de uma instituição que tem 130 anos de abertura ao público, mas que se mantém muito contemporânea, a partir dos seus profissionais e da colaboração da sociedade que nos indica temas e nos traz acervos”, reiterou ele.
Paulo Marins finaliza apontando que o Museu do Ipiranga tem, aproximadamente, 80% de sua coleção formada por doações da própria sociedade, um fato que ele classifica como “estimulante e democrático”. Ele ressalta ainda a relevância da conscientização sobre o novo papel social dos museus, que se adaptam e evoluem com a sociedade.
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O lançamento do podcast “Pensar o presente” pelo Museu do Ipiranga simboliza uma jornada contínua de reflexão e abertura, promovendo uma análise crítica de sua própria história e acervo para as celebrações dos 130 anos. Essa iniciativa visa ampliar o diálogo com a sociedade e democratizar as narrativas, mostrando como a instituição se mantém relevante e contemporânea. Para ficar por dentro de outras análises e notícias que promovem o debate cultural, continue explorando nosso portal.
Crédito da imagem: Museu do Ipiranga/Divulgação


